Morte em escola mostra nosso fracasso diante da vítima e do autor do crime
Apontado como o responsável por matar uma aluna com um tiro na cabeça e ferir mais duas, nesta segunda (23), na Escola Estadual Sapopemba, Zona Leste de São Paulo, um estudante de 16 anos usou a arma do pai, legalmente registrada. Em abril, ele já havia denunciado bullying e também ameaçava um atentado há semanas, indicadores de saúde mental que não foram devidamente acolhidos. Isso mostra nosso fracasso tanto diante das vítimas quanto do autor.
O poder público e a sociedade têm falhado em cuidar dos jovens que passam por transtornos psíquicos (identificando sinais e garantindo que tenham o tratamento adequado nas escolas), em reduzir as armas de fogo em circulação (o governo Lula recadastrou e acabou com o liberou geral do governo Bolsonaro, mas ainda é pouco) e em regular as plataformas de redes sociais (para que deixem de servir como instrumento de incentivo e formação de novos agressores).
Pelo contrário, faltam profissionais especializados à disposição nas escolas públicas - o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, por exemplo, vetou projeto aprovado na Assembleia Legislativa que autorizava a contratação de psicólogos e assistentes sociais.
Alegou que a proposta era inconstitucional e que o governo já estava provendo tal serviço. A oposição na Alesp contestou e disse que Tarcísio vai contratar pouco mais de 10% dos profissionais necessários. Em 2019, o então presidente Jair Bolsonaro vetou o projeto que criou lei que obriga atendimento psicológico e de assistência social em escolas públicas. O Congresso derrubou o veto.
Para muita gente, esse tipo de atendimento é "frescura". E escola não é local para homem falar sobre seus sentimentos. Nem em casa. Nem em lugar algum.
Tão logo a notícia da morte em Sapopemba começou a correr nas redes, elas foram inundadas por quem defende colocar uma pistola nas mãos de professores e de funcionários. O que aponta uma cultura em que o "berro" está no centro da solução. Os decretos presidenciais que flexibilizaram o acesso a armas de fogo (tanto as de baixo calibre, quanto fuzis e espingardas) e munição foram uma das piores heranças do governo Bolsonaro e tornaram a sociedade mais insegura.
A letalidade de ataques realizados com armas de fogo contra escolas é três vezes maior que a daqueles perpetrados com armas brancas, como facas e machadinhas. Os dados são do estudo "Raio-X de 20 anos de ataques a escolas no Brasil", do Instituto Sou da Paz, que foi atualizado após o crime cometido em Cambé (PR). No total, 76% das mortes foram causadas por balas enquanto 24% por objetos cortantes ou perfurantes.
Enquanto isso, o projeto de lei que visa a regulamentar a atuação das plataformas de redes sociais está parado no Congresso devido ao lobby das Big Techs. Ele determina que as empresas tenham uma ação proativa em identificar e agir sobre comunidades que promovem ataques a escolas e manipulam a cabeça de jovens com a saúde mental abalada, instigando-os a cometer crimes.
O chamado PL das Fake News, que tem como relator o deputado federal Orlando Silva (PC do B-SP) segue à espera da votação. O Ministério da Justiça pressionou as plataformas para agirem usando a Secretaria Nacional do Consumidor durante a última onda de ataques, mas a solução é provisória.
Vale lembrar que esse tipo de conteúdo não é liberdade de expressão, mas promoção da intolerância, portanto não é protegido pelo artigo 5º da Constituição. O PL não é uma bala de prata, mas pode ajudar a tornar o ambiente menos tóxico e frear o ciclo vicioso em que estamos girando sem enxergar o horizonte.
Há, por fim, quem exija aumento da pena para crimes assim. Mas, confirmada a suspeita de alguém com transtornos psíquicos, não adianta propor aumento de pena, como muitos defensores do "se vierem com revólver, temos que vir como metralhadora" afirmam. Explicar aos autores de tragédias em escolas que eles podiam ser presos ao cometerem tais atos simplesmente não teria feito diferença, lembrando que, não raro, muitos tentam se matar ao final.
As escolas devem estabelecer diálogos com as suas famílias e comunidade. Enquanto isso, as autoridades precisam tranquilizar a população, pedindo para que tomem cuidado com os criminosos que vão aproveitar este momento para provocar pânico e reforçar os serviços de monitoramento de ameaças reais nas redes sociais.
Se não somos capazes de antever certos atos de insanidade, há coisas que conseguimos minimamente controlar. Para isso, o poder público, seja ele Executivo, Legislativo e Judiciário, precisa agir.
Vivemos uma crise em que jovens tentam tirar a própria vida ou a vida dos outros. Não se previne esses dois tipos de tragédias na base da porrada, mas garantindo um ambiente saudável, de escuta e acolhida, o que inclui atendimento a crianças e adolescentes. Essas "frescuras" salvam vidas.