'Massacre de Gaza' é sinônimo de 'independência' no dicionário de Netanyahu
Em plena campanha para salvar o próprio pescoço após o vergonhoso fiasco da inteligência de seu governo, que não previu os ataques terroristas do Hamas, o primeiro-ministro Benjamin "Bibi" Netanyahu afirmou que a invasão terrestre a Gaza será a "segunda guerra de independência de Israel". No dicionário bibinesco, a expressão significa "crimes de guerra", "crimes contra humanidade", "massacre generalizado" e "vingança de Estado".
A esperada incursão do Exército deve multiplicar o número de mortes. Até agora, segundo o serviço de saúde local, mais de 7,7 mil morreram em Gaza desde o início dos bombardeios e do cerco do governo Netanyahu. O ataque terrorista do Hamas de 7 de outubro deixou mais de 1,4 mil mortos em Israel.
A dor pela perda de um ente querido não poder ser mensurada, nem comparada. Mas o desequilíbrio em um conflito, sim. E a taxa de 5,5 mortos em Gaza para cada uma em Israel, antes mesmo da invasão, mostra que a resposta não é justa e racional, como defende Netanyahu, mas uma insana punição coletiva. É o equivalente a matar uma pessoa para vencer o vírus nela escondido.
E enquanto as tropas se preparavam para invadir, panfletos em árabe também foram lançados sobre Gaza, avisando que o território estava sendo rebatizado como "campo de batalha". E o Exército publicou um comunicado em vídeo em inglês que, claramente, não visava aos palestinos, mas era uma justificativa para o mundo sobre suas ações diante da perda de apoio por conta da circulação das imagens de crianças mortas.
O vídeo-propaganda defendeu que o Hamas usa escolas e hospitais como fachada para suas bases. Em outras palavras: o Exército não poupará essas instalações.
"Atenção, cidadãos de Gaza, ouçam com cuidado. Esta é um apelo militar urgente das Forças de Defesa de Israel. Para sua imediata segurança, nós pedimos a todos os residentes do Norte de Gaza e da cidade de Gaza para que temporariamente se realoquem ao Sul imediatamente", disse o comunicado.
O pedido reforça ordem dada, dias atrás, para que a metade norte do território fosse desocupada, provocando uma onda de refugiados de centenas de milhares de pessoas que foram em direção sul encontrar fome, falta de abrigo e doenças pelo colapso do saneamento básico. Tanto que muitos palestinos estavam voltando para o Norte após encontrarem morte também no Sul.
O ultimato transborda cinismo, uma vez que o Exército vem bombardeando também o Sul de Gaza, como a região de Khan Younis, deixando mortos e feridos, inclusive entre funcionários das Nações Unidas. Como me relataram profissionais de saúde que atuam em hospitais no território, hoje não há lugar seguro em Gaza.
Em coletiva à imprensa, Netanyahu chamou de "hipócritas e mentirosos" quem aponta que Tel Aviv cometeu crime de guerra contra civis ao rasgar a 4ª Convenção de Genebra, com um cerco que impede que água, comida, energia e remédios cheguem a todos. E prometeu que a guerra será "longa e difícil".
Com a invasão, o primeiro-ministro atropela a recomendação aprovada nas Nações Unidas para que seu governo e o Hamas deem uma trégua humanitária. Para isso, abraça o discurso de que não há crise humanitária em Gaza e que as imagens de "verdade" são apenas as das crianças mortas de Israel, uma vez que as de Gaza seriam fake news. E aproveita o apoio do governo Joe Biden, mais preocupado em garantir votos entre eleitores cristãos conservadores do que promover a paz do Oriente Médio.
A depender de sua desenvoltura na operação militar, Netanyahu pode, em breve, acrescentar mais um sinônimo para "segunda guerra de independência de Israel" em seu peculiar dicionário particular: genocídio.