Leonardo Sakamoto

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Reportagem

Esterco de 19 mil bois do Brasil infesta o ar de cidade da África do Sul

A passagem de um navio com 19 mil bois exportados vivos do Brasil para o Iraque levou um "fedor inimaginável" para a Cidade do Cabo, uma das capitais da África do Sul, onde a embarcação fez uma parada de abastecimento, conforme registrado pelo jornal inglês The Guardian.

O Conselho Nacional de Sociedades para a Prevenção da Crueldade contra Animais, organização sul-africana de proteção aos animais, subiu a bordo e encontrou bois doentes e mortos na embarcação, classificando o cenário encontrado como "abominável".

Registros públicos de navegação e postagens em redes sociais indicam que a carga viva é brasileira, proveniente do Rio Grande do Sul, e está sendo levada para o Iraque. Os animais estavam saudáveis antes do embarque. Existe um procedimento padrão do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), que só deixa a carga zarpar as condições sanitárias do Brasil e do país importador forem atendidas.

Segundo dados do portal Vessel Finder, que oferece consulta pública e em tempo real à posição e rotas de navios, o Al Kuwait saiu do Porto de Rio Grande, no sul do Brasil, no dia 10 de fevereiro.

Neste mesmo dia, Vinícius Reiter Pilz, sócio da empresa Estancia del Sur, postou um vídeo do navio no linkedin e escreveu: "na última semana, carregamos 100% do Al Kuwait, o mais moderno e um dos maiores navios boiadeiros do mundo". "Todos os suprimentos do navio foram vendidos pela Estancia del Sur", completou. Fontes locais confirmaram à Repórter Brasil que a carga era proveniente desse produtor.

A Estância Del Sur tem sede em Capão do Leão, na região sul do Rio Grande do Sul. Em sua página do Instagram, é possível encontrar imagens de embarques anteriores de carga viva, além de frequentes anúncios de interesse em compras de "terneiros padrão exportação".

A família Pilz é também proprietária de um famoso restaurante em Porto Alegre, a Parrilla del Sur, que serve carne na brasa preparada à moda uruguaia.

Procurado pela Repórter Brasil por meio de email, telefone seus e de suas empresas, Pilz não respondeu. A Parrilla del Sur tampouco se manifestou. O espaço permanece aberto para comentários.

Padrão exportação

O navio Al Kuwait seguiu para seu destino final no Iraque, na madrugada de quarta-feira (21). Segundo a plataforma Marine Traffic, que também fornece dados em tempo real dos navios, são pelo menos mais 13 dias de viagem até o porto de Umm Qasr, no Iraque, onde finalmente serão encaminhados para o abate.

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"Cada boi produz em média 30 quilos de esterco por dia, mas sem ter como descartá-los, os animais têm que conviver com fezes e amônia, uma substância tóxica presente na urina", explica George Sturaro, gerente de investigações da Mercy For Animals. Segundo ele, as principais causas de morte ao longo das viagens são infecções respiratórias e estresse térmico.

Para Sturaro, as péssimas condições são inerentes a essa modalidade de exportação: "É um curral flutuante, não tem como assegurar o bem-estar animal", avalia. Segundo registros fotográficos obtidos pela Mercy for Animals, os animais estavam amontoados em meio a fezes e urina.

O navio Al Kuwait foi o escolhido para levar as 19 mil cabeças de boi até o Iraque, onde serão abatidos
O navio Al Kuwait foi o escolhido para levar as 19 mil cabeças de boi até o Iraque, onde serão abatidos Imagem: Bahnfrend/ Wikimedia Commons

Acidentes com bois no mar

Com base em dados da FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura), a Mercy for Animals estima que o Brasil exporte 300 mil cabeças de gado em pé a cada ano por via marítima - o que torna o país o segundo maior exportador de bois vivos do mundo, abocanhando 15% do comércio internacional.

Bois exportados vivos pelo Brasil foram vítimas de ao menos dois graves acidentes marítimos. Em 2012, mais de 2 mil animais morreram asfixiados durante a viagem em decorrência de uma pane no sistema de ventilação. Embarcados no Porto de Vila do Conde, no Pará, os animais pertenciam ao frigorífico Minerva e tinham por destino o Egito.

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Em 2015, outro navio com bois fornecidos pelo Minerva afundou nos terminais de carga da Vila do Conde. A maior parte dos 5 mil bois não sobreviveu - muitos morreram afogados ou presos dentro da embarcação. A decomposição dos corpos dos animais e o vazamento de óleo do navio provocaram um desastre ambiental na região.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.