PIB cresceu, mas isso garante prazer de verdade a quantos brasileiros?
O Brasil passou o Canadá e fechou 2023 como a 9ª maior economia do mundo, segundo projeções do Fundo Monetário Internacional. O país, que figurou em 7º lugar entre 2010 e 2014, nos governos Lula 2 e Dilma 1, chegou a deixar o top 10 em 2020, durante a gestão Bolsonaro. Viva.
Há muita gente festejando, e com razão. O Produto Interno Bruto, a soma das riquezas produzidas no país, cresceu 2,9% no ano passado, contrariando a expectativa da maioria dos economistas.
A situação não é perfeita, tem muito problema pela frente, mas os juros estão em queda (a taxa básica foi de 13,75%, em agosto, para 11,75% em dezembro), a inflação está dentro da meta (4,62% no acumulado do ano passado), a renda média do trabalho aumentou (3,8% em um ano) e o desemprego caiu (chegando a 7,6% no trimestre encerrado em janeiro, a menor taxa desde 2015).
Mas, como sempre repito nesta coluna, é bom lembrar que tão importante quanto um PIB grande e vistoso é para quem ele proporciona prazer. Em outras palavras, ele fica concentrado nas mãos de poucos ou leva qualidade de vida para o grosso da população?
De acordo com relatório Desigualdade S.A., da Oxfam, divulgado em janeiro, no início do Fórum Econômico Mundial, quatro dos cinco brasileiros mais ricos tiveram um aumento de 51% em sua fortuna desde 2020. Ao mesmo tempo, 129 milhões de brasileiros ficaram mais pobres. A pessoa mais rica concentra riqueza equivalente a 107 milhões, ou seja, mais da metade do país. Isso é uma vergonha.
O discurso de que o crescimento é a peça-chave para a conquista da soberania (com o que concordo) e que, portanto, deve ser obtido de qualquer maneira (com o que discordo) tem sido usado por muita gente. Como o pessoal que faz coro aos santos padroeiros da desregulamentação ambiental e trabalhista. Sim, muitos não se preocupam que a qualidade de vida de povos tradicionais e trabalhadores seja sacrificada para ganhar um jogo, paradoxalmente acham o contrário: que cortando as leis que nos separam da barbárie é que virá a civilização.
Crescer é bom, mas esse crescimento deve beneficiar a todos, caso contrário não significa desenvolvimento. Apenas enriquecimento de ricos com a distribuição de migalhas aos pobres.
Desigualdade no Brasil segue uma das piores do mundo
Na média, o Brasil é um país rico. O problema é que ele continua na mão de poucos. Quando o PIB sobe, flui mais para as mãos dos que puderam comprar ações do que daqueles que dependeram de salário mínimo ou de programas de distribuição de renda.
Por aqui, segundo o relatórioda Oxfam, o 1% mais rico detém 60% dos ativos financeiros do país. Considerando que o 1% mais rico do mundo concentra 43% dos ativos financeiros globais, sendo 47% na Europa, 48% no Oriente Médio e 50% na Ásia, a desigualdade brasileira continua uma das piores do planeta.
Segundo dados da Receita, o 1% mais rico do Brasil recebeu R$ 411,91 bilhões em lucros e dividendos em 2021 com pagamento zero de Imposto de Renda de Pessoa Física. Em comparação, o orçamento federal previsto para o Bolsa Família em 2024 é de cerca de R$ 170 bilhões, beneficiando 21 milhões de famílias, cerca de 60 milhões de pessoas, segundo afirmou à coluna Kátia Maia, diretora executiva da Oxfam Brasil.
A educação está sendo universalizada - contudo a extensão de sua abrangência não é acompanhada pela sua qualidade, nem de longe. O ensino para os pobres, que poderia mudar sua vida, é, com raras exceções, muito ruim. E não por culpa dos estudantes e dos professores.
Vive-se mais, mas não necessariamente melhor. Posso debater com quem discorda disso na fila de um hospital público enquanto aguardamos uma cirurgia eletiva. Todo mundo gosta de elogiar o SUS em campanhas, mas ele não é prioridade - tanto que abundam tentativas de desvincular receitas da Saúde.
Quando tratamos do tema por essa ótica, sempre aparece a cantilena de que "a população tem que entender que o crescimento do PIB vai beneficiar a todos. Não agora. Em algum momento''. Os economistas da ditadura falavam a mesma coisa, mas de uma forma diferente, algo como "é preciso primeiro fazer o bolo crescer, para depois distribui-lo".
O melhor de tudo é o tom professoral ("A população tem que entender''), como se o especialista fosse um ser iluminado, dirigindo-se para o povo, bruto e rude para explicar que aquilo que sentem não é carestia. Mas sim sua contribuição com a geração de um superávit primário para que sejam honrados os compromissos do país.
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Quero receberVocê, que parcelou o Renegade, não é super-rico, apesar de achar que é
O debate sobre desenvolvimento é uma discussão sobre a qualidade de vida. Que só será efetivo caso não exclua a população mais pobre dos benefícios trazidos por ele e não seja resultado da dilapidação dessa mesma população. A pergunta que temos que fazer é: estamos conseguindo dividir o bolo, não por igual, mas com prioridade em quem mais precisa por ter sido historicamente dilapidado? Claro que não.
Estamos conseguindo diminuir a concentração de renda na maior velocidade possível ou poderíamos ir além e implementar medidas para que não apenas os filhos dos mais pobres usufruam de uma boa vida em um futuro distante, mas eles próprios, aqui e agora? Pois esse é o tipo de situação em que não dá para perder peões a fim de ganhar o jogo.
Sim, como eu já disse aqui, o governo Lula mexeu nos recursos para o andar de baixo a fim de reduzir essa desigualdade. O reajuste do salário mínimo foi dos R$ 1.212, de 2022, para R$ 1.412, agora, com altas acima da inflação - durante os quatro anos de Jair, houve apenas correção monetária. Ao mesmo tempo, a faixa de isenção do Imposto de renda passou de R$ 1.904 para R$ 2.824.
Os R$ 200 entre 2022 e 2024 parecem pouco, mas os mais de 70 milhões de trabalhadores da ativa, pensionistas e aposentados que dependem do salário mínimo e suas famílias entendem o que essa diferença traz à mesa.
Falta, contudo, taxar o andar de cima. A aprovação da Reforma Tributária que diz respeito à tributação sobre o consumo passou e será regulamentada, mas ela é apenas a primeira etapa. Ainda falta a segunda: aquela que trata do imposto de renda, quando se espera que os parlamentares corrijam um pouco o nosso sistema injusto que taxa mais a classe média.
A taxação dos super-ricos em seus fundos exclusivos e em suas contas offshore, conquista do atual governo, é importante, mas não faz cócegas na renda e no patrimônio dos multimilionários e bilionários brasileiros. O que não inclui você, que parcelou o Renegade em 24 vezes, acha que é rico, defende os ricos, mas não é.
Saída para desigualdade passa por taxar de verdade os super-ricos
Super-ricos no Brasil pagam proporcionalmente menos impostos que os pobres (via consumo) e a classe média (via renda). Para reduzir a injustiça tributária, uma reforma traria de volta a taxação sobre dividendos recebidos de empresas (abolida no governo Fernando Henrique em 1995) e reajustaria a tabela do imposto de renda (há propostas de isentar a maior parte da classe média e criar alíquotas de 30 a 40% para os que ganham muito).
Tributar os super-ricos pode arrecadar cerca de R$ 292 bilhões anuais. É o que defenderam a Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco), a Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip), os Auditores Fiscais pela Democracia (AFD), o Instituto Justiça Fiscal (IJF), entre outras instituições. Eles apresentaram 11 propostas legislativas que estão em consonância com o plano de reforma tributária formulado por seis partidos de oposição, que também tramita no Congresso.
A desigualdade dificulta que as pessoas vejam a si mesmas e as outras pessoas como iguais e merecedoras da mesma consideração. Leva à percepção de que o poder público existe para servir aos mais abonados e controlar os mais pobres. Ou seja, para usar a polícia e a política a fim de proteger os privilégios do primeiro grupo, usando violência contra o segundo, se necessário for. Com o tempo, a desigualdade leva à descrença nas instituições. O que ajuda a explicar o momento em que vivemos hoje.
A desigualdade social, que seria motivo de vergonha em qualquer lugar civilizado, aqui é razão de orgulho. O importante para uma parte da população, tanto a que está no topo quanto a que sonha em estar lá, não é reduzir a diferença, mas garantir que ela seja devidamente glamurizada e a ascensão social, mitificada. Assim, o indivíduo passa a não desejar justiça social coletiva, mas um lugar ao sol para si mesmo.