Leonardo Sakamoto

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Opinião

PL do Estuprador e da Gravidez Infantil reforça o racismo, indica pesquisa

Se você achava um absurdo completo o PL do Estuprador ou PL da Gravidez Infantil agora ganhou mais um motivo para se revoltar: crianças, adolescentes e mulheres negras, que já ostentam altas taxas de vulnerabilidade social, são as que mais vão sofrer com a legislação caso aprovada. Ou seja, para além de machista e desumana, a proposta também reforça o racismo estrutural.

O projeto de lei equipara o aborto realizado após a 22ª semana de gestação com o homicídio - mesmo nos casos previstos em lei, como o estupro. Com isso, na prática, proíbe a interrupção de gravidez após essa data no Sistema Único de Saúde. Fora do SUS, ricos continuarão usando clínicas particulares sem serem incomodados.

Meninas e adolescentes negras são 40% das vítimas de estupro no país, apesar de serem 13% da população, aponta estudo do Núcleo de Estudos Raciais do Insper com base em dados do Ministério da Saúde. A pesquisa foi divulgada, nesta segunda (1º), pelo jornal Folha de S.Paulo.

No geral, as vítimas negras de estupro representam 60% do total, enquanto as brancas, 33,3% - ou seja, quase metade. Quando se trata apenas de crianças e adolescentes, negras são 61,9%, e brancas, 30,8%. Ressalte-se, porém, que, no Brasil, 55,5% se declaram negros (pretos e pardos), enquanto 43,5% se afirmam brancos.

Os números podem ser ainda maiores, pois há subnotificação.

Por desconhecerem o seu corpo ou por terem medo de ameaças em casa (68,3% dos estupros de crianças ocorre na própria residência) por parte de pais, tios, irmãos e padrastos estupradores (64,4% dos algozes são da própria família), muitas crianças não procuram o médico até a 22ª semana. E, quando procuram, não raro encontram doutores que se negam a fazer a interrupção ou promotores de juízes que discordam da lei. Os dados são do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Devido à pressão social contra o PL do Estuprador ou PL da Gravidez Infantil, os ultraconservadores se mobilizaram e tentam, agora, maquiar a ideia. Uma nova proposta deve ser apresentada para punir os profissionais de saúde e não as mulheres que realizarem abortos após a 22ª semana de gestação mesmo nos casos previstos em lei. Na prática, isso vai aumentar o aborto inseguro realizado por conta própria e, consequentemente, o número de óbitos.

Sem médicos e enfermeiros que realizem uma interrupção segura no SUS, mulheres vão usar agulhas de tricô e produtos químicos perigosos no desespero. Porque uma mulher que quer fazer um aborto, fará. Mortes causadas por complicações costumam ser extremamente dolorosas. Ou seja, a mudança vai condenar à tortura e morte. E quem morrerá é pobre.

Mulheres negras são socialmente e economicamente mais vulneráveis que as mulheres brancas que, por sua vez, são socialmente e economicamente mais vulneráveis que os homens. O Congresso Nacional deveria estar pensando em formas de melhorar a qualidade de vida especialmente dos grupos que não têm seus direitos efetivados. Mas, ao contrário disso, usam em vão o nome de Deus para tirar direitos garantidos, promovendo o machismo, o racismo e a estupidez.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL