Militares absolvem fuzilamento e mostram como seria a justiça sob o golpe
O Superior Tribunal Militar conseguiu a façanha de absolver oito militares do Exército que fuzilaram o músico Evaldo Rosa dos Santos e reduzir a pena pela morte do catador de recicláveis Luciano Macedo a ponto de chegar em regime aberto. Se a tentativa de golpe de Estado civil-militar perpetrada por Jair Bolsonaro, Braga Netto, entre outros, tivesse dado certo, esse seria o padrão de liberdade dado aos fardados.
Não que a Justiça brasileira garanta os direitos de pretos e pobres como faz com brancos ricos diante de agentes de segurança que atuam como jagunços, mas o caso do fuzilamento ocorrido em Guadalupe, zona oeste do Rio, em 7 de abril de 2019 é um escracho até para nosso racismo estrutural.
Normalmente, em episódios que ganham a mídia, as instituições envolvidas afastam-se do óleo de peroba para não brilharem na TV. Neste caso, a maioria dos ministros da corte não teve esse pudor.
Os militares dizem ter confundido o carro em que Evaldo estava com a família (sua esposa, seu filho de sete anos, uma afilhada, de 13, e seu sogro) com bandidos, metralhando-o. Luciano, um verdadeiro herói brasileiro, tentou ajudar a salvar os ocupantes do carro e foi atingindo, morrendo 11 dias depois. Foram dados 257 tiros.
Se deduziu qual a cor da pele de Evaldo, o que serviu como gatilho para a ação, parabéns. Você tem direito ao seu diploma de bacharelado em Brasil.
A sua viúva foi bastante precisa ao comentar o veredito: "nós sabemos que, no Brasil que nós vivemos, não existe justiça para pobre e preto".
Inicialmente, os militares haviam sido condenados em primeira instância da Justiça Militar a penas que variavam entre 28 e 31,5 anos de xilindró por homicídio qualificado e tentativa de homicídio de uma terceira pessoa. Contudo, a maioria do STM decidiu absorver os militares pela morte do músico baseado na justificativa de legítima defesa. Sim, é isso mesmo que você acabou de ler: legítima defesa. Pela execução de Luciano, cumprirão penas de 3 a 3,5 anos em regime aberto.
O caso ilustra o que é o terrorismo de Estado e lembra que não é só golpe que acontece quando as Forças Armadas se metem onde não deveriam.
A política informal de execução de pobres e negros nas periferias não é uma novidade. Eles têm sido abatidos cotidianamente pelas mãos do tráfico, de milicianos, de policiais e também de militares. Em abril de 2019, o diferencial era a tempestade perfeita criada por um governador (Wilson Witzel) e um presidente da República (Jair Bolsonaro) que elogiavam execuções cometidas por agentes de Estado - o que era recebido como apoio explícito.
Somado a isso, o rescaldo da intervenção militar na área de segurança pública do Rio de Janeiro, ocorrida no ano anterior e que facilitaria operações de GLO. Lembrando que o interventor era o general Braga Netto.
Não é a mão de mandatários e dos comandantes que seguram os fuzis em dias como o 7 de abril de 2019. Mas foi a política de promover, premiar e justificar esse tipo de ação pelas mãos do poder público, e as políticas encabeçadas por eles, que ajudaram a tornar a execução de pobres e pretos algo banal sob a justificativa do bem maior.
Um Estado que mata indiscriminadamente não é seguro, mas autoritário e ditatorial. Nele, qualquer um com a cor de pele e a classe social "erradas" podem se tornar suas vítimas. E ainda terem que pedir desculpas depois de mortos, como queria a defesa dos executores.
Policiais e militares não atiram em famílias de brancos ricos impunemente no Leblon ou nos Jardins, apesar de ser nos bairros ricos das grandes cidades a morada de grandes criminosos, tanto do tráfico e da milícia quanto do poder econômico. Por que isso ocorre com negros pobres nos Extremos da Zona Norte e Oeste do Rio ou nos Extremos da Zona Leste e Sul de São Paulo?
Se você já tinha deduzido que é porque a vida, nesses locais, vale muito menos, parabéns de novo. Você também merece um doutorado em Brasil.
Não à toa, portanto, que um policial militar dê 11 tiros nas costas de uma pessoa que roubou pacotes de sabão líquido em São Paulo e outro atire uma pessoa de uma ponte. Os crimes estão no mesmo caldo. Militares e policiais usam a Constituição para limpar a sola do coturno porque sabem que, acima deles, há quem os defenda.