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Maurício Ricardo

Discurso nazista da Alvim pode ser prenúncio de um holocausto cultural

Roberto Alvim, ex-secretário especial da Cultura do governo Bolsonaro - Clara Angeleas/Divulgação/Secretaria Especial da Cultura
Roberto Alvim, ex-secretário especial da Cultura do governo Bolsonaro Imagem: Clara Angeleas/Divulgação/Secretaria Especial da Cultura

Colunista do UOL

17/01/2020 15h42

Ele perdeu o emprego, perdeu poder, ficou indelevelmente associado ao nazismo, mas a única coisa que o entristece é a reprovação de seu mestre.

O escândalo envolvendo Roberto Alvim, o ex-secretário Especial de Cultura do governo Bolsonaro, aponta o holocausto cultural e político que os aloprados do olavismo têm o poder de causar.

Alvim citou não uma, mas várias palavras de Goebells, o ministro da Propaganda Nazista, no lançamento de seu Prêmio Nacional das Artes. Conceitos emblemáticos e descolados da nossa realidade, como "arte heroica", que tinha algum sentido nos tempos sombrios que antecederam a Segunda Grande Guerra, mas só cabe no Brasil de hoje se os heróis forem os desempregados que se equilibram 14 horas por dia numa moto entregando iFood.


Puro Goebells

Alvim falou que a proposta bolsonarista de Cultura para os próximos dez anos é "imperiosa" (outra fala de Goebells) e ainda tascou no discurso uma citação literal do ministro de Hitler ao afirmar que será isso "ou então não será nada".

Mesmo assim, relutou em se desculpar.

Em seu primeiro post no Facebook depois do escândalo - e antes da demissão - minimizou a influência nazista no discurso mas, curiosamente, não perdeu a chance de elogiar a retórica de Goebells:


"Houve uma coincidência com UMA frase de um discurso de Goebbles (sic)...
não o citei e JAMAIS o faria. Foi, como eu disse, uma coincidência retórica.
mas a frase em si é perfeita: heroísmo e aspirações do povo é o que queremos ver na Arte nacional."


Li sem escrever

Diante disso, fica difícil acreditar, como Roberto Alvim quer nos fazer crer, que tudo não passou de coincidência. Covardemente, o ex-secretário Especial de Bolsonaro culpou os subalternos: ele afirmou ter escrito 90% do que disse, mas não a parte que julgou comprometedora.

Confessou, entretanto, que o discurso foi uma colcha de retalhos a partir da busca no Google dos termos: "Arte" e "Nacionalismo".

Mal começo quando a identidade nacional nas artes é um copy e cola.

Ao se justificar, Alvim errou mais e mais. Pra começar, é um show de autocomplacência resumir os equívocos no seu discurso a meros 10%. Todo o vídeo é um horror: a brilhantina no cabelo; a composição retrô do cenário; a canastrice da interpretação do texto em tom de vilão; o trecho sinistro da música de Wagner (o compositor símbolo do nazismo), escolhido como trilha sonora.

E claro: o conteúdo!

O Prêmio Nacional das Artes, como anunciado, é um atentado à liberdade de criação e um cuspe na cara da belíssima e plural cultura brasileira.

Futuro da arte

A pretensão de ditar, de cima para baixo, a partir de premiações polpudas, qual será o tom da "arte brasileira da próxima década" é Goebells em estado bruto. Só faltou dizer que o que o Brasil produz hoje é "arte degenerada", como fez Hitler nos anos 30 com sua exposição montada para achincalhar o modernismo de gênios como Picasso e Matisse. Um vexame histórico, que só não é mais lembrado porque o terror do Holocausto fez todas as bizarrices do nazismo parecerem menores.

Bizarrice, aliás, é a palavra que melhor define a política cultural do governo Bolsonaro em seu primeiro ano.

Vale lembrar que Alvim era só o líder de uma trupe folclórica que ainda ocupa cargos no governo, como Dante Montovani, da Funarte ("o rock está a serviço do marxismo e do satanismo") e Rafael Nogueira, da Biblioteca Nacional, aquele que associou Caetano Veloso ao analfabetismo.Também é atribuída a Alvim a escolha de Sérgio Sampaio para a presidência da Fundação Palmares: Sampaio, aquele que não assumiu porque foi impedido pela Justiça e se autodefine como um "negro de Direita", chamando de "afromimizentos" os que lutam pela igualdade racial.

Seita

Mas o grupo não nasceu do acaso. Todo ele é parte da fraternidade olavista, que tem (nunca é demais lembrar) vários outros nomes ocupando cargos-chave no governo. Inclusive o ministro da Educação Abraham Weintraub e o chanceler Ernesto Araújo.

Olavo de Carvalho, como o Brasil aprendeu na marra, é autor de um "curso online de Filosofia" que não termina nunca. E responsável por algumas das teses mais absurdas e nocivas sustentadas pela extrema Direita brasileira, misturando anticiência e revisionismo histórico numa fórmula única e perigosa para a democracia.

O próprio Olavo disse uma vez que não assume responsabilidade alguma sob o que seus alunos dizem e fazem. O "Professor", como é chamado pelos seguidores, frequentemente destrata seus pupilos, chamando-os de burros ou "cancelando-os" ao primeiro aborrecimento ou inconveniente.

Castigo

Para os membros deste grupo que não raramente é comparado a uma seita, ser reprovado por Olavo, o guru supremo, é o pior dos castigos. E a reação de Roberto Alvim após a demissão prova isso.

Primeiro Alvim recusou-se a pedir desculpas. Acuado, mudou de ideia e pediu perdão à comunidade judaica. Em um segundo post no Facebook, disse que "entregou o cargo" a Bolsonaro e reduziu o incidente ao que chamou de "uma casca de banana".

Driblando estoicamente todas essas desventuras em série, só se sentiu mesmo punido (veja só!) ao ter sua sanidade mental questionada por Olavo, que tuitou:

"É cedo para julgar, mas o Roberto Alvim talvez não esteja muito bem da cabeça. Veremos.
"

Depois do tuíte, Alvim teria dito, em entrevista à Rádio Gaúcha, que a reprovação do "mestre" foi a "única coisa" que lhe entristeceu neste episódio.

A única coisa!

Quanto a Olavo de Carvalho, continua incensado pela família Bolsonaro mesmo sendo (diretamente através de suas postagens ou através de seus alunos aloprados) uma constante fonte de constrangimento.

Perguntado uma vez sobre onde esperava chegar com sua obra, o "professor" respondeu: "Eu vim pra f(*) com tudo".

Está conseguindo.