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Venda do diário "Lance!" encerra um sonho de jornalismo esportivo moderno
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O anúncio de que o empresário Walter de Mattos Júnior vendeu, por R$ 25 milhões, o diário esportivo "Lance!" vem cercado de incertezas, sendo a primeira e mais importante delas saber quem comprou.
Tudo indica que a venda envolve um grupo de investidores que lida com negócios esportivos, compras de direitos de campeonatos e patrocínios. Na rede social Linkedin, um dos sócios da empresa Sportsview informou a um parceiro, numa troca de mensagens aberta, que participou do negócio.
Em recuperação judicial desde 2017 e sem a edição impressa desde o início da pandemia (Juca Kfouri escreveu a respeito em março de 2020), o jornal já estava longe de ser o que prometeu.
Lançado em 25 de outubro de 1997 no Rio, e uma semana depois em São Paulo, o "Lance!" foi uma experiência jornalística e empresarial peculiar no universo da imprensa brasileira. Trato deste assunto num livro que escrevi a respeito, "História do Lance! - projeto e prática de jornalismo esportivo", publicado em 2009:
Foi o primeiro grande diário lançado no país em quase 20 anos. Foi o primeiro projeto de mídia financiado integralmente por investidores profissionais (e não por empresas familiares) ligados ao mercado financeiro, inaugurando um modelo que foi depois seguido por outros grupos empresariais.
O jornal estabeleceu-se não em uma, mas em duas sedes, no Rio e em São Paulo, em ambas com rotativas próprias, com a intenção de ser um veículo de alcance nacional, diferentemente da maioria dos jornais diários brasileiros, esportivos ou não, de circulação e alcance regional.
Fato igualmente pouco comum, o conceito editorial e o projeto gráfico foram comprados prontos de uma empresa estrangeira, o escritório catalão Cases i Associats, que também participou da implantação do jornal. Em formato tabloide, o "Lance!" foi o primeiro jornal publicado no Brasil inteiramente em cores.
Em poucos meses, se tornou o diário esportivo mais popular do país. Em 2001, testemunhou o fechamento do seu principal concorrente em São Paulo, "A Gazeta Esportiva", e viu o seu único concorrente no Rio, o "Jornal dos Sports", enfrentar sucessivas tentativas de revigoramento, sem sucesso (fechou em 2010).
O "Lance!" foi obra de Walter de Mattos Júnior, um economista carioca, nascido em 1961, que estudou na Suíça e na Inglaterra, e fez carreira como diretor-financeiro de uma grande empresa de navegação. Posteriormente, se tornou o principal executivo de um jornal popular no Rio, "O Dia", cujo dono era o seu sogro.
Ambicioso, bem-sucedido, self-made man, aos 35 anos decidiu fundar o próprio jornal. Apesar de ser visto com desconfiança no meio dos proprietários de jornais, levou adiante a visão de um diário, de fato, original e, em certa medida, revolucionário.
O investimento inicial na criação do jornal é motivo de controvérsias. Diferentes valores foram mencionados nos anos iniciais, entre US$ 20 milhões e US$ 43 milhões. Em 2002, Mattos Júnior me disse que o total investido inicialmente foi de US$ 20 milhões, um valor que em 1997 era equivalente a R$ 20 milhões.
Mattos acreditava na modernização da legislação esportiva e na renovação do seu quadro dirigente, o que nunca ocorreu. Também apostava em uma legislação que facilitasse o investimento estrangeiro em mídia no Brasil, o que demorou muito para ocorrer. E defendia um tipo de jornalismo esportivo incomum, de viés positivo, que não era praticado na imprensa nacional.
Para a equipe que participou da criação - 60 jornalistas entre Rio e São Paulo - foi uma experiência inesquecível, para o bem e para o mal. O jornal era bem-humorado, tinha colunistas protegidos por pseudônimos que representavam os principais clubes e defendia a ideia de que o torcedor-leitor merecia sempre uma notícia estimulante, mesmo na derrota do seu time.
Nestes seus 24 anos, o "Lance! passou por inúmeras mudanças, tanto empresariais quanto jornalísticas. Os planos iniciais de Mattos Jr. foram revistos inúmeras vezes diante das dificuldades econômicas, do atraso perene da "cartolagem" e das incertezas no meio jornalístico.
O anúncio da venda, nesta semana, põe fim ao sonho do empresário, que se despediu dos seus colaboradores falando da conclusão da "aventura" e da "linda jornada":
"Foi uma aventura e tanto da qual tantos participaram contribuindo para construir e consolidar a marca do LANCE!
São muitos os que não estão mais conosco, impossível citar as centenas de profissionais que participaram nesta linda jornada. Sem eles, tampouco teríamos chegado onde chegamos.
Comecei o projeto do Lance! há quase 25 anos, grande parte de minha vida profissional.
Mas o que se abre agora para vocês e para o Lance! digital é um novo capítulo desta história, que confio e espero seja de muito sucesso sob nova propriedade.
Desejo a todos seguir na busca de seus sonhos e realizações.
Juntos aprendemos muito e este aprendizado será uma bagagem para toda a vida.
Do nosso lado fica a certeza que sempre nos empenhamos para fazer sempre o melhor, principalmente preservando os princípios e crenças que nos trouxeram até aqui.
Queria deixar uma palavra de agradecimento pelo empenho e dedicação de cada um de vocês, em especial nestes últimos meses onde tivemos que enfrentar a dura realidade da pandemia para a qual ninguém estava preparado, mas que nos mostrou que somente agindo como um time e com muita determinação os obstáculos da vida são superados.
O vazio que vai ficar será preenchido pelas boas lembranças e por tantas histórias vividas nestes mais de 24 anos.
Um grande abraço.
Walter de Mattos Junior.
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