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Mauricio Stycer

REPORTAGEM

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Cabo Anselmo, maior traidor da esquerda brasileira, é tema de série da HBO

José Anselmo dos Santos, o cabo Anselmo, em entrevista para a série documental da HBO que reconstitui a sua trajetória - Reprodução
José Anselmo dos Santos, o cabo Anselmo, em entrevista para a série documental da HBO que reconstitui a sua trajetória Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

11/04/2022 07h01

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Pronta desde 2018, a série documental "Em Busca de Anselmo" vai, finalmente, ser lançada pela HBO nesta terça-feira (12), às 20h. Em cinco episódios, o programa conta a história do ex-marinheiro, integrante de organizações clandestinas de esquerda na década de 1960, que atuou como agente duplo, infiltrado pela polícia política, e foi diretamente responsável pela prisão de inúmeros militantes e por mortes, inclusive de sua companheira.

O lançamento da série foi precipitado pela morte recente de José Anselmo dos Santos, em 15 de março, em Jundiaí. Tinha 80 anos e foi enterrado, como revelou o jornalista Marcelo Godoy, com o nome falso de Alexandre da Silva Montenegro, que ganhou após se tornar colaborador do Dops. "Tenho subsistido até hoje (com esse nome). Supera o tempo (do nome) de verdade", diz ele numa das muitas entrevistas que deu para o documentário.

"Quando você faz uma pesquisa no Google aparece: 'Líder da revolta dos marinheiros, em 1964, treinou guerrilha em Cuba, voltou, fez um acordo com o (delegado Sérgio Paranhos) Fleury, ficou infiltrado e entregou um monte de gente, inclusive a companheira grávida.' É uma história interessantíssima", diz o jornalista Carlos Alberto Jr, diretor e roteirista de "Em Busca de Anselmo". Mas o que é verdade e o que é mentira na trajetória do personagem? "A história do Anselmo é uma história de mentiras", afirma o diretor.

Para tentar clarear e organizar os fatos, Carlos Alberto Jr. fez, em 2017, mais de 50 entrevistas com ex-guerrilheiros de organizações que se opuseram ao regime militar por meio da luta armada, como VPR, ALN, AP e MR-8. "Entrevistei gente que foi torturada, gente que estava presa e foi trocada pelos diversos diplomatas sequestrados. Gente que conviveu com o Anselmo, gente que treinou guerrilha em Cuba com ele, gente que conviveu com ele quando voltou ao Brasil", conta. "É uma grande reportagem, no fundo, com muitas histórias desencontradas. Chegou uma hora em que falamos: não vamos ficar desmentido ele o tempo todo porque vira uma confusão. Ele vai contar a história dele, a mentira dele".

Nascido em Itaporanga d'Ajuda (SE), apadrinhado e criado por um casal remediado, Anselmo teve uma boa formação. Estudou num seminário salesiano, onde teve aulas de canto e teatro. "Era um bom ator?", pergunta o diretor Carlos Alberto Jr. "Continuo até hoje", responde. "Ao longo da série, há alguns momentos em que, por vaidade, ele vai revelando esse traço. Passou a maior parte da vida com outro nome. Criando personagens para enganar as pessoas e poder circular pelas situações que se apresentavam e pelas encrencas em que se meteu depois que resolveu mergulhar de fato como um infiltrado entregando as pessoas".

O UOL assistiu aos dois primeiros episódios. Um reconstitui em detalhes, e com imagens impressionantes, a chamada "revolta dos marinheiros", liderada por Anselmo, em 25 de março de 1964, no Rio. Este movimento é elencado como um dos pretextos que resultaram no golpe militar no dia 31. Há quem, como o jornalista Flavio Tavares, assegure que Anselmo já era um agente infiltrado nesta época. Outros militantes de esquerda discordam. Ele teria sido cooptado apenas em 1971, após ser preso no Brasil, depois de um longo período de treinamento em Cuba.

O massacre da granja São Bento, em Pernambuco, em 1973, é considerado o ápice da ação de Anselmo como traidor. Seis militantes da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) foram mortos em consequência de uma delação dele. Entre os militantes estava a paraguaia Soledad Barrett Viedma, companheira de Anselmo, que estava grávida. A ação policial teria ocorrido após os militantes receberem a informação de que Anselmo seria um agente duplo e o questionarem a respeito. Na sua autobiografia, ele sustenta que o delegado Fleury teria dito a ele que Soledad seria poupada, mas não cumpriu o acordo.

Carlos Alberto Jr. prevê que a série receberá críticas de todos os lados. "A gente vai receber críticas da própria esquerda. Minha resposta: ele é um personagem central, num determinado período da história do Brasil, uma história mal contada, que morreu impune, com um monte de informações que poderia esclarecer a morte e o desaparecimento forçado de um monte gente".

Sobre o atraso no lançamento, o diretor enxerga até uma vantagem: "Acho até melhor a série ser exibida agora do que em 2018, no início do governo Jair Bolsonaro, quando ficou pronta. Ela vai trazer um debate interessante: a questão da necessidade de revisão da lei da anistia. É a única lei da anistia em que os torturadores são anistiados; nenhum foi punido", diz. "Espero que seja uma oportunidade para que estes assuntos voltem a ser discutidos e se avance. A sociedade brasileira ainda não lidou de forma adequada com esta questão".

Abaixo, um teaser da série: