Natália Portinari

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TCU investiga 'práticas ilícitas' de sites que realizam licitações online

Uma investigação do TCU (Tribunal de Contas da União) sobre empresas que fornecem plataformas de licitação online, realizando pregões para estados e municípios, encontrou relatos de "práticas ilícitas" de plataformas que dominam o mercado de contratações.

Com a informatização das licitações, prefeituras e estados passaram a usar sites para realizar pregões, leilões e concorrências, especialmente a partir de uma lei de 2021 que determinou que certames presenciais devem ser a exceção, para evitar fraudes.

O governo federal disponibiliza o Compras.gov.br, através do qual faz suas próprias licitações, de graça para estados e municípios.

Ainda assim, muitos entes preferem continuar usando os serviços privados, que são de graça para o poder público, mas cobram assinaturas ou taxas de serviço das empresas licitantes, diferentemente do que faz o sistema do governo federal.

De janeiro a maio de 2024, essas empresas movimentaram R$ 113 bilhões em compras públicas, ou 69% do que foi informado ao Painel Nacional de Contratações Públicas. O restante, R$ 50 bilhões, foram contratações pelo Compras.gov.br.

O volume de dinheiro e a cobrança de assinaturas, vista como irregular, chamaram a atenção do TCU, que abriu uma investigação.

Em relatório deste ano, a área técnica do TCU informou que, nas entrevistas conduzidas pela equipe, foram reportadas práticas ilícitas que levantam a suspeita de fraude à licitação pelas plataformas.

"Foram reportadas algumas práticas ilícitas, como a concessão de segundos adicionais para licitantes específicos nas fases de lances e envio de documentações, impedimento de participar de licitação devido a não pagamento ou inadimplência, venda de identidade de licitantes para criar um ambiente artificial de disputa, além de outras personalizações escusas que poderiam favorecer direcionamentos."

As conclusões do TCU motivaram a abertura de uma auditoria para apurar o uso desses sites e também uma recomendação aos tribunais de contas estaduais para que apurem possíveis irregularidades.

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Algumas das plataformas mais usadas são Portal de Compras Públicas, Licitanet, BNC (Bolsa Nacional de Compras), BLL Compras e Licitar Digital. Procuradas, algumas delas responderam ao UOL negando irregularidades (leia ao final do texto).

Cobrança de assinatura

Em 2023, o TCU já havia analisado uma denúncia de que a plataforma BR Conectado estava cobrando uma assinatura de R$ 623 para empresas que desejassem participar de licitações.

No caso analisado, pregões da Prefeitura de Timbaúba (PE) com valores atrativos e condições relativamente simples, na descrição do denunciante, tiveram pouca concorrência devido aos custos elevados com a assinatura do site.

A Corte decidiu que, para se adequar à lei, as empresas poderiam cobrar pela participação dos licitantes se fosse possível pagar por um acesso avulso, para participar de apenas uma licitação, e se os valores fossem módicos, para cobrir a manutenção do site.

Os sites não têm cumprido essas regras. Quando há a opção de pagar por "acessos avulsos", os preços são sempre próximos aos das assinaturas mensais.

No BBMNet, por exemplo, para participar de um edital, o custo é de R$ 150, e a assinatura de um mês custa R$ 187. Há um site analisado pelo TCU com "plano único" de R$ 379,90 e assinatura de R$ 389,90.

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Ao julgar a nova investigação sobre as plataformas, a Corte de contas apontou que a gratuidade desses serviços para o poder público deve ser questionada, já que elas oneram os licitantes, o que acaba sendo repassado, indiretamente, no valor de suas propostas.

Além disso, o parecer do TCU apontou que as prefeituras deveriam elaborar estudos para definir qual a melhor plataforma, o que não foi feito em 70% dos casos, e que os sites não devem ser contratados sem licitação, como também acontece na maioria das vezes.

Outro problema é que, ao contrário do que ocorre com o Compras.gov.br, as plataformas não são auditáveis. Suas bases de dados não são abertas e seu software não passa por uma verificação para saber se há lisura nos procedimentos.

Plataforma do governo federal

O Ministério da Gestão e Inovação trabalha para levar às prefeituras e estados um "cardápio" de serviços online do governo federal, entre eles o Compras.gov.br. Em 2023, das 170 mil contratações pelo Compras.gov.br, dois terços foram de estados e municípios.

Segundo o diretor do Departamento de Normas e Sistemas de Logísticas do MGI, Everton Batista dos Santos, o uso do Compras garante que sejam usadas as regras para pregões e concorrências que são obrigatórias quando é utilizada verba federal.

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"Pelo pacto federativo, os municípios e estados têm sua autonomia financeira e legislativa. Nós não temos o poder de obrigá-los a utilizar. Mas facilitamos a adesão", afirma.

Ele acredita que, mais do que verem funcionalidades melhores que as do Compras.gov.br nesses serviços, as prefeituras e estados estão habituados às demais plataformas.

"O TCU tem acesso a toda a base de dados do Compras e corriqueiramente fazem auditorias e, identificando falhas, nos comunicam imediatamente."

Ausência de regulamentação

Especialistas em direito administrativo ouvidos pelo UOL veem fragilidades no uso de plataformas privadas e defendem que o controle sobre elas seja aperfeiçoado.

"Em um ambiente de transformação digital, não tem jeito, você tem que fiscalizar a máquina", diz Marcos Perez, professor de direito administrativo da USP (Universidade de São Paulo). "Tem que auditar o algoritmo para saber se ele funciona, se não tem viés, se encerra o leilão no momento certo, se todo mundo é tratado de maneira igual."

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"Usar um portal privado depois da nova lei é exceção e tem que ser justificado", diz Guilherme Corona, advogado e doutor em direito administrativo pela PUC-SP. "Para um município ou estado optar por um portal privado para licitar, tem que verificar se o portal é auditável e justificar por que vai usar ele e não um portal público."

Para Gustavo Justino de Oliveira, professor da USP e do IDP (Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa), as cobranças são permitidas, mas não podem funcionar como "barreiras artificiais à ampla participação de interessados na licitação".

O que dizem as empresas

As empresas procuradas responderam através da ATCG (Associação das Empresas de Tecnologia para Contratações Governamentais), que representa o Portal de Compras Públicas, o Compras BR, a Licitanet, o BBMNet e o LiciteGov.

A ATCG disse que os portais privados estão mais adequados que o Compras.gov para seguir as regras da nova lei de licitações, de 2021, e que seus associados seguem a determinação do TCU, cobrando apenas "valores módicos" de licitantes.

A associação disse também que suas empresas disponibilizam seus códigos para auditorias de tribunais de contas e que prezam por boas práticas de segurança de dados.

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"Entendemos a necessidade de se separar o 'joio do trigo'. E como joio, podemos destacar aqueles portais que realizam práticas ilícitas, como cobrar percentual de bens e serviços licitados, que alteram o andamento normal da licitação ou que tornam públicas informações que deveriam ser sigilosas", pontuou a associação, sem citar nomes.

A Licitar Digital disse que "possui mecanismos de auditoria interna no próprio sistema, onde que, em caso de dúvida ou possíveis falhas, o próprio ente público pode solicitar".

"Além disso, temos duas consultorias de segurança da informação que são profissionais de pesquisa de segurança (hackers éticos), que fazem os testes de infraestrutura, regras de negócio, isonomia e nível corporativo", afirmou a empresa em nota ao UOL.

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