Natália Portinari

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Nem toda empresa de internet precisa de representante legal, dizem juristas

Não são todas as empresas de internet com serviços acessados por brasileiros que precisam ter representante legal no Brasil, como foi exigido do X (ex-Twitter), segundo juristas ouvidos pelo UOL.

A discussão veio à tona após o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinar que o X, rede social do bilionário Elon Musk, constituísse um representante legal.

A rede social descumpriu ordens judiciais do STF para bloquear perfis que disseminavam desinformação. Para intimar a empresa, Alexandre de Moraes exigiu que ela constituísse um representante, sob pena de suspender o serviço, o que aconteceu na última sexta-feira (30).

O Código Civil, que regra relações comerciais no Brasil, exige que empresas estrangeiras que "funcionam" no país tenham representante legal, mas a previsão não vale para todas as redes sociais.

"Essa seria uma interpretação do Código Civil que não vai até a página dois", diz o advogado e pesquisador Francisco Brito Cruz, diretor-executivo do Internet Lab, centro de pesquisa sobre direito e internet.

"O ponto é o que significa 'operar no Brasil'. Disponibilizar um site em que brasileiros vão postar coisas não é 'operar no Brasil' segundo o Código Civil, senão todos os sites da internet teriam que fazer um registro na Junta Comercial, e isso não é razoável, não é assim que a Justiça opera."

Nem mesmo os sites que vendem produtos e serviços para brasileiros necessariamente "operam" no Brasil. No e-commerce, é preciso pagar um tributo quando são enviadas encomendas para o Brasil, mas as firmas não precisam ter representante legal em território nacional.

"Existe um descompasso entre a legislação e a realidade econômica. Empresas que oferecem serviços pela internet podem estar em qualquer lugar do mundo", diz Godofredo de Souza Dantas, presidente do IBDEE (Instituto Brasileiro de Direito e Ética Empresarial).

O fato de o X vender serviços pela internet, como impulsionamento e assinaturas para brasileiros, também não é o suficiente para exigir essa autorização para "funcionar" no país, segundo ele.

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"É uma exportação de serviços, que é lícita. Tem pessoas que moram em outro país e exportam serviços para o Brasil. Se a pessoa estiver envolvida em algum fato delitivo, ela vai ser intimada", complementa.

Como acionar a empresa estrangeira

Quando o Judiciário quer fazer com que pessoas e empresas cumpram a lei, faz isso através de uma intimação. Normalmente, quando se trata de alguém no exterior, é enviada uma "carta rogatória" (instrumento jurídico para comunicação entre as Justiças de países diferentes).

Brito Cruz lembra, porém, que, no ano passado, o STF decidiu que autoridades nacionais podem solicitar dados diretamente de provedores estrangeiros, sem necessidade de carta rogatória.

Isso porque o Marco Civil da Internet, de 2014, determinou que qualquer empresa que faça "coleta, armazenamento, guarda e tratamento de registros, de dados pessoais e comunicações" deve seguir a lei brasileira.

Foi também com base nesse artigo do Marco Civil que Alexandre de Moraes acabou determinando que o X constituísse um representante.

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"O que o Moraes decidiu é que a empresa precisava responder às ordens. E para isso, ele precisava ter para quem mandar a ordem, então, na intimação que ele mandou para o X, ele colocou uma sanção (que instituísse representante) de acordo com o Marco Civil", diz Francisco Brito Cruz.

"Isso significa dizer que, se a empresa receber uma ordem judicial no Brasil, deverá cumprir, caso a ordem diga respeito à jurisdição do Brasil. O representante legal (na ordem de Moraes) é um instrumento para cumprir a lei brasileira, que é o que o Marco Civil determina."

No projeto de lei das fake news, discutido no ano passado na Câmara dos Deputados, uma das sugestões do relatório de Orlando Silva (PC do B - SP) era criar a exigência de que redes sociais tivessem obrigatoriamente um representante no Brasil. O projeto acabou ficando engavetado.

Instrumento para intimar a empresa

Para Flávio Luiz Yarshell, professor de processo civil da USP (Universidade de São Paulo), "a comunicação (à empresa estrangeira), num mundo perfeito, seria feita diante do formalismo de uma carta rogatória".

A exigência de representante no Brasil, segundo ele, pode ter vindo para sanar o descumprimento de decisões e falta de respostas do X, que configuram "ato atentatório à dignidade da Justiça".

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"Na perspectiva da internet, do mundo digital, é preciso ter algum elemento que dê efetividade para a decisão da soberania na qual essa pessoa decidiu atuar (no Brasil). Do contrário, fica uma coisa clandestina."

Segundo ele, a maneira que Elon Musk foi intimado, pelo próprio X, "não foi ortodoxa" e representa uma "erosão completa do devido processo legal e dos meios de formalização de cooperação internacional".

Bloqueio da Starlink

Juristas criticam também o bloqueio das contas imposto à Starlink, empresa de internet via satélite em que Musk é acionista, para garantir o pagamento de multas estipulada ao X, já que a interferência em empresas do mesmo dono deve ser uma medida excepcional, em caso de fraude, por exemplo.

"A decisão atingiu uma outra empresa só porque tem um acionista em comum. Isso é um absurdo", diz Souza Dantas.

Yarshell pontua que a regra geral é autonomia das personalidades jurídicas. "A lei diz que a existência de grupo, por si só, não desconfigura a personalidade jurídica, mas a interpretação (do ministro Alexandre de Moraes) deve ser de que está havendo um abuso da personalidade jurídica, ou uma conduta fraudulenta."

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"Imagino que tenha um fundamento para dizer que são duas pessoas distintas, mas que há abuso da personalidade jurídica."

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