Líder do centrão bancou obra em estrada em frente à fazenda de seu pai

Procurado pelo UOL, Nascimento disse que a obra beneficia milhares de habitantes do povoado de Limoeiro e trabalhadores da mineradora Ferbasa, que passam de ônibus todos os dias por aquele trajeto.

"Quer dizer que porque passa no fundo da fazenda do meu pai, um quilômetro lá, tem que ficar assim a vida toda (sem asfalto)? Se eu estivesse priorizando, olhe lá. Mas é o contrário de priorizar. Esse é o último acesso da cidade que foi asfaltado", disse o deputado.

Os recursos foram liberados em 14 de dezembro de 2022, cinco dias antes de o Supremo Tribunal Federal proibir as emendas de relator, em um convênio do município com a Codevasf, estatal usada pelo centrão para obras de asfalto e compra de equipamentos agrícolas.

O convênio foi assinado em 15 de dezembro por duas pessoas ligadas a Elmar: o superintendente da Codevasf em Juazeiro (BA), Miled Cussa Filho, indicado pelo deputado para o cargo, e o prefeito de Campo Formoso, Elmo Nascimento, seu irmão (e filho de José Aluizio).

Em 2024, as máquinas finalmente começaram a trabalhar no trajeto. O contrato para fazer a obra foi assinado em janeiro deste ano, com a empresa Allpha Pavimentações.

Além de líder do seu partido, Elmar Nascimento é um dos principais articuladores do centrão, à frente do maior bloco da Câmara, com 161 deputados. Apesar disso, sofreu um revés nessa semana na corrida à presidência da Câmara, cuja eleição ocorre em fevereiro de 2025.

O atual presidente, Arthur Lira (PP-AL), acabou escanteando Elmar. Ele tenta fechar um acordo em torno de Hugo Motta (Republicanos-PB), outro aliado. Elmar, antes favorito a ser apoiado pelo grupo de Lira, ficou para trás, mas tem dito a aliados que irá manter sua candidatura.

Licitação questionada

A justificativa do município para o convênio é atender o povoado de Limoeiro, onde há vinte comunidades agrícolas, segundo a prefeitura. A estrada servirá para escoar a produção de mel dos apicultores.

A licitação para escolher a Allpha Pavimentações para o convênio ocorreu no início de 2024 de forma presencial, o que, segundo a nova lei de licitações, deve ocorrer apenas excepcionalmente, para evitar fraudes.

Seis empresas de construção se apresentaram para fazer a obra. A prefeitura cobrou documentos comprovando capacidades técnicas das empresas e desclassificou todas, exceto a Allpha e a Lumax Ltda.

Uma das construtoras recorreu, dizendo que a exigência pela qual foi desclassificada era abusiva. Ela teria deixado de comprovar que tinha equipamentos aptos para "execução de sub-base de solo estabilizado granulometricamente sem mistura com material de jazida".

Com base em um parecer assinado por um ex-assessor parlamentar de Elmar Nascimento, o advogado Guttemberg Nascimento Ferreira, hoje procurador do município de Campo Formoso, esse recurso foi negado, mantendo apenas as duas empresas no páreo.

Foram abertas, então, as duas propostas. A Allpha se ofereceu para executar o serviço por R$ 12,18 milhões, e a Lumax, por R$ 12,28 milhões. A primeira empresa foi a vencedora e assinou o contrato.

Procurada pelo UOL, a Allpha disse que a previsão de término da obra é em março do ano que vem e que o avanço físico, até agora, foi de 12%.

"Dentre os serviços realizados/em andamento estão os serviços de realocação de cercas, limpeza mecanizada com bota-fora, instalação de bueiros, caixas coletoras, pontas de ala, (...), sendo este um trabalho direcionado a execução de um sistema robusto de drenagem da obra e abertura da plataforma da via", disse a empresa.

Indicação de Elmar

É possível saber que a indicação partiu de Elmar Nascimento porque ela foi feita após a criação do Sindorc (Sistema de Indicação Orçamentária), quando o orçamento secreto já estava sendo questionado pelo Supremo.

"Ter uma rua pavimentada com asfalto de qualidade é um direito de todos", dizia a justificativa de Elmar no pedido que solicitou uma verba de R$ 40 milhões para asfaltar estradas vicinais no município.

Como o STF permitiu que as obras que já estivessem em andamento com emendas de relator prosseguissem, o governo Lula continuou fazendo os pagamentos para a prefeitura de Campo Formoso.

Em abril desse ano, o governo federal autorizou o pagamento de R$ 1,36 milhão dos R$ 4,1 milhões previstos para a obra.

Os R$ 8 milhões restantes dos recursos para a pavimentação da estrada virão do caixa da prefeitura. Nos últimos anos, o município foi abastecido com R$ 21 milhões em "emendas Pix" indicadas por Elmar — modalidade de emendas suspensas pelo STF, em julgamento recente, por não terem uma finalidade específica que permita saber no que serão gastas.

Elmo Nascimento tenta se reeleger neste ano e concorre contra Denise Menezes (PSD), esposa do presidente da Assembleia Legislativa da Bahia, Adolfo Menezes (PSD). As famílias são rivais na região.

A Prefeitura de Campo Formoso foi procurada pela reportagem, mas não respondeu até a publicação dessa reportagem.

Uma estrada, três obras

A verba enviada por Elmar também bancou um contrato de R$ 45 milhões da Allpha com a prefeitura para asfaltar uma estrada que leva ao povoado de Laje dos Negros, outro convênio da Codevasf.

Em uma concorrência presencial da prefeitura, em agosto de 2023, compareceram apenas a Allpha e outra empresa, que apareceu sem os documentos necessários e acabou sem conseguir fazer proposta.

A Allpha levou o contrato, que já terminou de executar. No município, a obra foi alvo de questionamentos da oposição, na Câmara dos Vereadores, por ser a terceira vez em um intervalo de quatro anos em que esse trecho recebe verba de pavimentação do governo federal.

Em 2020, ano em que Elmo se elegeu prefeito, a Codevasf anunciou um investimento de R$ 3,1 milhões para pavimentar o mesmo trecho.

Naquela ocasião, a companhia "realizou apenas um revestimento primário (Tratamento Superficial Simples - TSS) na via, para viabilizar o acesso à comunidade de Laje dos Negros. A obra foi executada pela empresa Cearense BCP", segundo a própria Codevasf.

Já em 2022, a Codevasf contratou os serviços de pavimentação da via com Concreto Betuminoso Usinado a Quente (CBUQ), que é de fato o asfalto. "Impedimentos técnicos inviabilizaram a execução dos serviços, o que resultou em distrato com a empresa Construmaster", diz a estatal.

Agora, em 2023, veio a "segunda intervenção efetiva", segundo a Codevasf, também com CBUQ, "Por tratar-se de convênio, a execução da obra é de responsabilidade do município, com acompanhamento da Codevasf."

A Allpha afirmou ao UOL que "a empresa foi contratada para a pavimentação do referido trecho, sendo a pavimentação concluída 100%", e que não tem como "avaliar os serviços realizados anteriormente à nossa obra".