Família de senador tem mineradora em terreno invadido da União
Empresas da família do senador Marcelo Castro (MDB-PI) usam irregularmente, desde 2008, um terreno da União no Piauí para mineração de granito, onde têm uma receita anual milionária extraindo brita para construção civil.
A área, em Buriti dos Lopes (PI), pertence ao Dnocs (Departamento Nacional de Obras Contra as Secas), autarquia do governo federal, desde quando foi desapropriada, em 1986. Controlado por apadrinhados de políticos locais, o Dnocs autorizou que as empresas minerassem no local, passando por cima do procedimento legal.
Em 2022, moradores de um povoado na área invadida relataram à polícia que a mineradora derrubou as cercas de suas casas e tentou se apoderar de seus terrenos à força. A empresa nega a acusação.
A aquisição de bens da União por particulares só é permitida mediante licitação e autorização legislativa, segundo um parecer da área jurídica do próprio Dnocs no processo que discute a regularização do terreno. O que não aconteceu neste caso.
A Construtora Jurema, de Humberto Costa e Castro e João Costa e Castro —irmãos de Marcelo Castro—, comprou os direitos para mineração do local em 2008 de uma empresa que estava lá desde os anos 1990, também de forma irregular.
Depois disso, em 2018, a Mineradora Icaraí, de Mathias Neto Maia Machado e Castro —filho de Humberto e sobrinho do senador— assumiu a pedreira, ainda sem autorização legal ou licitação para usar o imóvel.
Procurada, a Icaraí afirmou que opera legalmente na região e que está tentando regularizar a propriedade junto ao governo federal. O Dnocs disse que está analisando o pleito da empresa, mas não respondeu sobre a autorização que deu à mineradora em 2020. O senador Marcelo Castro disse que não iria se manifestar.
Segundo especialistas ouvidos pelo UOL, a lei não permite a mineração sem que haja direito de uso ou de propriedade da terra. "Tem um problema na origem. Para conseguir o direito de minerar, eles tinham que ter direito sobre a terra. É ilegal, não poderia nunca ter tido essa autorização", diz Vitor Schirato, professor de direito administrativo da USP (Universidade de São Paulo).
"O único caminho agora seria fazer uma licitação com autorização legislativa, em que a empresa poderia tentar alegar que tem um direito de preferência para comprar o imóvel, já que já está lá explorando a pedreira", explica.
![Mineradora Icaraí, em Buriti dos Lopes (PI) Mineradora Icaraí, em Buriti dos Lopes (PI)](https://conteudo.imguol.com.br/c/noticias/ad/2025/01/28/mineradora-icarai-em-buriti-dos-lopes-pi-1738078135838_v2_750x421.jpg)
Autorização de ex-assessor
A Icaraí foi autorizada a operar no terreno da União pelo então coordenador estadual do Dnocs, Jorge Saraiva Amorim, em outubro de 2020.
Jorge Amorim é irmão de um ex-assessor parlamentar de Marcelo Castro, Christian Saraiva Amorim. Depois de sair do Dnocs, foi assessor de Ciro Nogueira (PP-PI) no Senado até 2023. Também foi sócio de seu irmão em uma empresa de consultoria em emendas parlamentares.
Como mostrou o jornal O Globo, os irmãos ganham dinheiro ajudando prefeituras com a liberação de emendas. Nos últimos cinco anos, eles fecharam 114 contratos com 51 cidades do Piauí, das quais 28 são administradas pelo PP, de Nogueira, e sete pelo MDB, de Castro.
Procurado, Jorge Saraiva Amorim disse que "todo o procedimento [da autorização da Icaraí] foi realizado com rigor técnico, conforme os fluxos processuais administrativos adotados no órgão, e, neste caso, especificamente, tendo como base pareceres da Procuradoria Federal, favoráveis aos pedidos formulados pela requerente."
"De tal modo que o procedimento administrativo transcorreu, em todas as suas etapas até então realizadas, dentro da legalidade, obedecendo a todos os preceitos éticos", afirmou à reportagem.
Em 2019, a Icaraí propôs ao Dnocs trocar a terra onde está operando por um terreno de mesmo valor em outro local. A procuradoria do Dnocs deu um parecer afirmando que a troca seria possível, desde que houvesse autorização por lei, licitação e uma avaliação prévia dos imóveis a serem trocados.
![Buriti dos Lopes, no Piauí Buriti dos Lopes, no Piauí](https://conteudo.imguol.com.br/c/noticias/34/2025/01/28/localizacao-de-buriti-dos-lopes-no-piaui-1738082669013_v2_750x1.png)
No processo que avalia a possível permuta, foi ouvida a Comissão de Fiscalização do projeto Tabuleiros Litorâneos, do qual o terreno faz parte. A comissão foi contrária à proposta da empresa.
"A Comissão de Fiscalização do projeto Tabuleiros Litorâneos é totalmente contrária à permuta de um terreno pelo outro, pelo seguinte motivo: na área do Dnocs (...) já existem inúmeras invasões (em torno de 98), as quais jamais poderão ser reintegradas, pois é um número muito expressivo, principalmente nas proximidades da mineradora Icaraí."
"Em resumo, para somar mais uma área fora do projeto, haverá inevitavelmente mais uma invasão. A Comissão de Fiscalização sugere que seja feito uma indenização através de uma GRU [Guia de Recolhimento da União, usada para ressarcir o governo federal], ou outro meio que seja legal."
No atual momento, o processo ainda está correndo no Dnocs. Enquanto isso, a propriedade continua sendo da União.
Desde 2008, a Jurema e a Icaraí extraíram 837 mil metros cúbicos de granito para brita da pedreira. Considerando o valor de mercado da brita nesse período, é possível estimar que a receita bruta da mineradora superou R$ 60 milhões.
Investigação de invasão
O Dnocs tem um imóvel de um milhão de hectares, onde fica a área ocupada pela Icaraí, de 49,8 hectares (cerca de 70 campos de futebol). No entorno, há o povoado de Recreio, ocupado em boa parte por trabalhadores da pedreira.
Em junho de 2022, uma moradora do povoado relatou à polícia que a mineradora teria invadido seu terreno e derrubado sua cerca, dizendo que a área estaria incluída no perímetro que estaria sendo regularizado entre a empresa e o Dnocs.
![Área ocupada pela mineradora Icaraí ao lado do povoado Recreio, em Buriti dos Lopes Área ocupada pela mineradora Icaraí ao lado do povoado Recreio, em Buriti dos Lopes](https://conteudo.imguol.com.br/c/noticias/07/2025/01/28/area-ocupada-pela-mineradora-icarai-ao-lado-do-povoado-recreio-em-buriti-dos-lopes-1738078189445_v2_750x421.jpg)
O UOL procurou os moradores da região. Eles relataram que a disputa se resolveu quando a mineradora aceitou pagar para tomar posse das casas nos terrenos cobiçados por ela, expandindo a área de sua operação.
"Disseram que iam pagar o Dnocs pelas terras, mas nós já estávamos lá. Onde eu tinha minha cerca, simplesmente passaram um trator", conta Heber Ferreira da Silva, morador da região. "E na casa da senhora do fundo, também passaram o trator para poder tirar. Aí fomos na delegacia, fizemos a denúncia."
"Colocaram policial à paisana para ameaçar, gente com revólver na cintura. Foi uma confusão feia. Por fim, fizeram o que deviam ter feito: compraram o terreno de mim [e de outros moradores]. Era só ter conversado. Poderia ter minimizado um monte de dor de cabeça", afirma.
Mathias, o sobrinho do senador, responde a uma investigação no TJ-PI (Tribunal de Justiça do Piauí) por esbulho possessório (invasão de terreno possuído por outra pessoa) pelo ocorrido, na qual foi intimado para depor no final do ano passado.
Outro lado
O Dnocs informou que "a empresa Companhia Agrícola, Mineradora e Construtora Icaraí Ltda formalizou, por meio de ofício, uma solicitação para proceder com atividades de mineração em um terreno da autarquia, em Buriti dos Lopes, no Piauí".
"Referida demanda encontra-se atualmente em fase de instrução processual e análise da documentação atuada, considerando inclusive alguns pontos críticos, como a permanência no local e as contrapartidas da empresa, para posterior emissão de despacho decisório acerca do pleito."
Procurada, a Icaraí disse ao UOL que "atua na citada área de forma legal, contando com as devidas autorizações do Dnocs e licença da ANM [Agência nacional de Mineração], e que se encontra em tramitação processo para regularização da propriedade da área, com manifestações favoráveis dos setores técnicos do Dnocs e da Procuradoria Federal."
"Tão logo assumiu as atividades de exploração da área, a empresa protocolou requerimento junto ao Dnocs solicitando, inicialmente, com base em diversos normativos legais, incluindo a Lei nº 4.229/63, a regularização da área, por meio de permuta."
"É relevante ressaltar que a área inclui, além da mineradora, uma comunidade com mais de 100 moradias e equipamentos públicos como escola e posto de saúde. Ainda, que boa parte dos funcionários da empresa são moradores da referida comunidade; assim, a continuidade das atividades e a necessária regularização plena da situação se impõem pelos benefícios econômicos e sociais gerados pela atividade mineradora na região."
"Por fim, esclarece-se que, ao longo de toda a sua operação, houve um único conflito de área entre a empresa e uma ex-moradora da comunidade, sendo este resolvido de forma consensual entre as partes ainda em janeiro de 2023."
A Jurema não respondeu ao contato do UOL.
113 comentários
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.
Gerson Biral
Cadê o Ministério Público ? AGU ? TCU ?
Cesar de Alencar Oliveira Silva
Seria interessante saber o que os familiares dos nossos congressistas fazem para viver. É curioso. Geralmente, o parlamentar toma posse e a situação financeira dos parentes, que não tomaram posse - diga-se - melhora a partir de então.
Spiridon Aziz Araman
Farra do Boi