Raquel Landim

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Opinião

Se o Banco Central parar de cortar os juros, de quem vai ser a culpa?

O humor do mercado virou de vez e a maior parte dos economistas agora espera que o Banco Central interrompa o ciclo de queda de juros na próxima quarta-feira (19), quando terminar a reunião do Comitê de Política Monetária (Copom). Relatório do boletim Focus divulgado hoje mostra que, na média, consultorias e bancos projetam taxa Selic estável em 10,5% até o final do ano.

Não é um patamar confortável para alavancar investimentos e incentivar o crescimento da economia e a pausa certamente vai incomodar empresários de diversos setores, como indústria e construção civil. No início do ano, as projeções apontavam juros abaixo de dois dígitos em dezembro: 9%.

Se essa interrupção no corte da Selic efetivamente se confirmar, de quem será a culpa?

A narrativa do governo e do PT já está pronta: o culpado é Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central, escolhido pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, que só permanece no cargo por causa da autonomia do BC. E, dessa vez, Campos Neto deu munição aos ataques ao comparecer a um jantar organizado em sua homenagem, promovido pelo governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos).

Campos Neto participou de um evento político, mas a pausa no corte de juros, se confirmada, será política ou técnica? A julgar pela opinião da maior parte dos analistas de mercado, a "culpa" pela manutenção da Selic está bem distribuída.

Começa pelo cenário internacional, já que agora ficou claro que os juros americanos vão ficar mais altos por mais tempo, o que atrai capitais para o mercado americano, desvaloriza a moeda brasileira, provoca inflação e torna mais difícil baixar os juros.

O governo não vai querer admitir, mas também tem uma dose importante de responsabilidade na história. Está evidente para o mercado que o arcabouço fiscal do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, não se sustenta diante da resistência do Congresso de aprovar mais medidas de aumento de arrecadação e da resistência do Planalto em cortar gastos.

Nesta segunda-feira (17), com o dólar batendo em R$ 5,40, o presidente Lula finalmente deu aval à ministra do Planejamento, Simone Tebet, para propor um cardápio de redução de gastos. Foi um aval importante, mas o mercado vai querer ver para crer - e não sem motivo. Também hoje o PT soltou um manifesto contra a mudança nos pisos constitucionais de saúde e educação, uma medida que já foi aventada pela ministra. Só mostra a intensidade do fogo amigo.

Por fim, o próprio Banco Central também colaborou para a pausa no corte de juros ao se dividir na última reunião do Copom. A maioria do colegiado optou por reduzir a Selic em 0,25 ponto porcentual, enquanto os diretores indicados por Lula votaram por continuar com corte de 0,5 ponto. Depois, o BC tentou corrigir o rumo da comunicação, mas o estrago estava feito. Ficou a percepção de que o Banco Central sob o comando de um indicado de Lula deve ser mais leniente com a inflação. Campos Neto deixa o cargo em dezembro.

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Também já dá para antecipar outra polêmica que vai surgir depois da decisão do Copom: mas por que o BC parou de cortar os juros se a inflação está comportada? Em maio, o IPCA, principal indicador de inflação do país, subiu 0,46%, um pouco acima das expectativas, mas ainda assim nada fora do controle.

A questão é que o BC decide a Selic pensando na expectativa futura de inflação. E, por causa de todos os fatores discutidos acima, as expectativas não são boas. A projeção para o IPCA no fim do ano subiu de novo de 3,8% para 3,96%, segundo o Focus. O indicador está acima do centro da meta de inflação, que é de 3%, mas dentro do intervalo da banda.

O Brasil enfrenta um período de falta de confiança na política fiscal e na condução da política monetária. Não é momento para aceitar um pouco mais de inflação para não comprometer o crescimento. A taxa de câmbio é o termômetro mais evidente disso. O governo pode não gostar e culpar Campos Neto, mas a reunião de hoje entre Lula, Haddad e Tebet é um sinal de que, a contragosto, sentiu a pressão da realidade.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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