Topo

Reinaldo Azevedo

Decisão de Moraes é impecável e atende a disposições Constitucionais

Decisão de Moraes é impecável e atende a disposições Constitucionais - Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF/Agência Brasil
Decisão de Moraes é impecável e atende a disposições Constitucionais Imagem: Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF/Agência Brasil

Colunista do UOL

29/04/2020 18h14

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Impecável nos fundamentos a que apela e nos termos em que vem a público a liminar do ministro Alexandre de Moraes que suspendeu a posse de Alexandre Ramagem como diretor-geral da Polícia Federal. A Advocacia Geral da União não recorreu. Na cerimônia em que deu posse a André Mendonça como ministro da Justiça, o presidente Jair Bolsonaro referiu-se à decisão judicial afirmando que Ramagem ainda assumirá o cargo um dia. Vamos ver o caminho escolhido. Duvido que, submetida ao plenário, a decisão de Moraes fosse revertida.

Gosto da decisão de Moraes — e não é apenas porque concordo com ela. Mais do que concordar: a linha de raciocínio que ele abraça e a aplicação que dá a fundamentos do direito coincidem, sem exceção, com o que escrevi nesta manhã. Recomendo a leitura do meu texto e da liminar.

Sustentei eu, referindo-me a parte do noticiário, que ser ou não Ramagem amigo do presidente e dos seus filhos é irrelevante para o caso em questão. Logo, essa condição não inviabiliza a escolha do seu nome para o cargo. O que impede, entendo, e entendeu o ministro, em uma decisão provisória, a sua nomeação são as circunstâncias objetivas a indicar que tal designação não atende ao interesse público. Muito pelo contrário: os indícios apontam que a substituição do titular da PF, um órgão de Estado, não de governo, conforme dispõe o Artigo 144 da Constituição, busca preservar de investigação amigos e, eventualmente, familiares do presidente. Nem se cuida de saber aqui se isso seria ou não possível. A disposição subjetiva, do presidente, para o ato é essa. E, no esforço de realizar a sua pretensão, deixou um rastro de fatos objetivos que ferem um bem protegido pela Constituição.

A amizade ou não, escrevi de manhã, era irrelevante. Tanto é assim que Moraes nem sequer tocou nesse assunto. E eu só o fiz porque o tema passou a ser recorrente na imprensa. O que pesou na decisão de Moraes, e para tanto alertei na manhã desta quarta, são os fatos, a saber:
1: existe a troca de mensagens entre o presidente e seu então ministro da Justiça indicando que o cargo de diretor-geral da Polícia Federal estava em questão porque o mandatário queria interferir em investigações do seu interesse;
2: existe a troca de mensagens entre Sergio Moro e a deputada Carla Zambelli evidenciando que Ramagem era personagem dessa articulação do presidente;
3: existe o pronunciamento de Bolsonaro dando conta de sua intenção de interferir nos trabalhos do comando da Polícia Federal.

Sim, Moraes lembra o pronunciamento de Moro e o fato de que ele motivou, a pedido do procurador-geral da República, a autorização, concedida por Celso de Mello, para a abertura de inquérito. Há, quando menos, admitem todos, indícios de vários crimes envolvendo a demissão do diretor-geral da Polícia Federal e a tentativa de nomeação de seu substituto. Isso, por si, entendo, é só um elemento circunstancial e não seria suficiente para impedir a posse. Até porque a investigação pode concluir pela ausência de prova inequívoca dos crimes cometidos.

Nada haveria a fazer, restando preservada e intocada a prerrogativa do presidente de indicar o diretor-geral da Polícia Federal, conforme prevê o Artigo 2º C da Lei 9.266 não fosse a Constituição consagrar alguns fundamentos da administração pública que devem ser cumpridos. Lembro outra vez:
"A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência".

Não sou tolo e sei que cada um desses critérios pode ser submetido a leituras de tal sorte subjetivas que, por intermédio deles, poder-se-ia declarar extinta a independência entre os Poderes. Afinal, bastaria que um ministro do STF entendesse que o "Sr. X" não atende à exigência da "moralidade" e pronto! Estaria suspensa a nomeação. Não seria assim tão fácil. Afinal, a decisão pode ser submetida a plenário em caso de recurso.

Ora, cumpre que aquele que nomeia — e, a depender do caso, também aquele que é nomeado — não o faça quase ao mesmo tempo em que produz evidências de que seu ato caracteriza um dos chamados "ilícitos atípicos", de modo que a aparente legalidade da decisão seja em verdade exercício de hipocrisia porque a serviço da ilegalidade.

Cito um trecho bastante eloquente da decisão de Moraes:
A escolha e nomeação do Diretor da Polícia Federal pelo Presidente da República (CF, art. 84, XXV e Lei Federal 9.266/1996, art. 2o-C), mesmo tendo caráter discricionário quanto ao mérito, está vinculado ao império constitucional e legal, pois, como muito bem ressaltado por JACQUES CHEVALLIER, 'o objetivo do Estado de Direito é limitar o poder do Estado pelo Direito" (L'Etat de droit. Paris: Montchrestien, 1992. p. 12).
A Constituição da República de 1988, ao constitucionalizar os princípios e os preceitos básicos da Administração Pública, permitiu um alargamento da função jurisdicional sobre os atos administrativos discricionários, consagrando a possibilidade de revisão judicial.
Logicamente, não cabe ao Poder Judiciário moldar subjetivamente a Administração Pública, porém a constitucionalização das normas básicas do Direito Administrativo permite ao Judiciário impedir que o Executivo molde a Administração Pública em discordância a seus princípios e preceitos constitucionais básicos, pois a finalidade da revisão judicial é impedir atos incompatíveis com a ordem constitucional, inclusive no tocante as nomeações para cargos públicos, que devem observância não somente ao princípio da legalidade, mas também aos princípios da impessoalidade, da moralidade e do interesse público."

CONCLUINDO
Parece-me irrespondível. Acabo e conversar com um fraterno amigo que discorda da decisão do ministro -- aprecia o governo Bolsonaro tanto -- ou menos -- quanto este escriba. Mas tem uma longa, douta e fundamentada argumentação contra o que considera expressão de um ativismo judicial nocivo.

Tampouco eu vejo tal ativismo com simpatia. Tampouco eu me filio às correntes que o ministro Luiz Fux, futuro presidente do Supremo, chama "consequencialistas", de sorte que um juiz poderia fazer com a lei o que bem entendesse, tendo como critério fundamental de sua decisão a consequência. É claro que se abre o caminho do arbítrio judicial.

No caso em questão, resta preservada a independência entre os Poderes e a objetividade do ato que impugnou temporariamente a nomeação porque não se está a lidar com uma possibilidade abstrata de desvio de finalidade nem exerce o juiz largueza interpretativa de sorte a substituir a lei pelo solipsismo.

Dado o bem que a Constituição protege (Artigo 37) e dado o material que se se tem em mãos, qual decisão protege nem se diga o espírito da Constituição, mas a sua expressão literal? Entendo que é a suspensão da posse.

ATUALIZAÇÃO:

Às 18h57 a Folha informou que o presidente Jair Bolsonaro disse, contrariando a AGU, que o governo recorrerá da decisão do ministro para nomear Ramagem e acrescentou à informação: "Quem manda sou eu".