Exames de Bolsonaro: resultado vale nota R$ 3. Questão legal era relevante
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Quanto valem os exames apresentados por Jair Bolsonaro? Uma nota de R$ 3. Com todas as vênias ao laboratório Sabin.
Nem quero perder tempo debatendo se são falsos ou verdadeiros os resultados dos exames de Jair Bolsonaro. Vejam os textos que escrevi a respeito. O que sempre me interessou foi a questão legal. E em tese. Tem ou não um presidente da República, nas circunstâncias dadas, a obrigação de apresentar o exame, dado o que está escrito na Constituição e na Lei de Acesso à Informação, a 12.527? Eu nem pensava no Jair. Até gostava de pensar que não era ele...
Uma juíza federal, o TRF-3 e eu achamos que sim. João Otávio de Noronha, presidente do STJ, que não. Acho que os argumentos em favor do "sim" se ancoram na lei. Os argumentos em favor do "não", para mim, têm cara de feitiçaria jurídica. Isso me interessava.
O resultado em si? Com mais um pouco de vênias, digo: não sustento que os resultados são falsos. Digo apenas que me reservo o direito de dizer que, em si, não passam de papelada. De toda sorte, fazendo de conta que valem por um fato, então o GSI está com um problema. Já chego lá.
NOMES FALSOS
Jair Messias Bolsonaro vive seus dias de militante de esquerda na clandestinidade. Tem codinome. Mais de um: pode ser Airton Guedes ou Rafael Augusto Alves da Costa Ferraz. Dois dos exames com resultado negativo para detecção de coronavírus aparecem com esses respectivos nomes. Há um terceiro em que o titular é Zé Ninguém, um sem-nome.
"Olá, Airton e Rafael! Eu me chamo Fausto".
Era o meu nome num grupo de esquerda clandestino, quando eu era quase criança. Sabem como é: não dava pra dar mole em 1977. O AI-5 só seria extinto no ano seguinte. Manuel Fiel Filho tinha sido assassinado no ano anterior, no DOI-CODI. Uma das "Marias" que choram na música "O Bêbado e a Equilibrista", de Aldir Blanc e João Bosco é mulher de Fiel Filho. Em dezembro de 1976, o Exército havia matado três dirigentes do Comitê Central do PCdoB, um sob tortura — João Batista Franco Drummond — e dois outros numa incursão ao imóvel da Rua Pio XI, nº 767: Ângelo Arroyo e Pedro Pomar. Sem chance de defesa. Não era para prender. Era para matar.
Os tempos ainda eram sombrios. Até dava para dizer: "Oi, eu sou Jair Parmito, o Cavalão". Mas sou "Reinaldo de tal" ainda comportava certo risco, como se vê — embora eu só fosse um molecote. Mesmo assim, fui importunado pelo Dops. Mas deixemos isso pra lá.
Jair agora tem codinome no laboratório Sabin...
O CPF e o RG são dele, mas os nomes são obviamente falsos. Não sei a quantos o laboratório presta esse favor. Há uma norma interna só para "otoridades" ou se pode esconder a identidade de quem faz exame também de artistas e celebridades da Internet, por exemplo?
Fizeram com o presidente o que meu laboratório faz comigo, embora a moça que colhe meu sangue me conheça — a saber: ela pede o RG, confere a foto com a minha cara e o número com a pulseira do meu braço e com o registro do frasco?
Entendo que, sendo possível pôr um nome qualquer no exame que dizem ser do presidente, também a amostra que foi entregue para teste passou por controles tais de, digamos, segurança, que, a rigor, tudo é possível. No laboratório em que faço exames de sangue não há menor possibilidade de isso acontecer. Tudo começa pelo CPF. Depois vêm os outros controles de identidade.
Com Jair, como se nota, um mesmo CPF, no laboratório, pode remeter a dois nomes. E finalmente se pode fazer um teste para um tal "Zero Cinco"...
Convenham: tudo é um pouco ridículo. Vá lá: muito ridículo!
GSI
Aliás, quem está com um problema é o GSI (Gabinete da Segurança Institucional), sob comando do general Augusto Heleno. Segundo a 13.844, no "Item 1" da "Alínea a" do Inciso VI do Artigo 10 da referida lei, cumpre ao GSI fazer a segurança do presidente.
Se ele é mesmo virgem em matéria de coronavírus, então nem desenvolveu anticorpos contra a doença e, pois, não deveria se expor como se expõe. Não diz respeito à sua segurança como indivíduo, mas à segurança do presidente da República como encarnação do Poder Executivo.
Numa República, o Estado garante a segurança de quem ocupa o cargo, não do indivíduo. Logo, Bolsonaro não deveria se expor.
Mas, convenham, se o presidente pode ser Airton Guedes, Rafael Augusto ou Zero Cinco, então tudo é permitido.
Esse resultado não tem a menor importância. É uma pantomima. A questão legal era relevante. E, nesse caso, prevaleceu a lei. Ainda que o exame oferecido tenha a seriedade do que se chamava antigamente "papel de pão"...