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Reinaldo Azevedo

A conversa mole sobre privatizações e Estado inchado. Qual é o plano?

Paulo Guedes fala, observado por Bolsonaro - Foto: Marcos Corrêa/PR/Flickr
Paulo Guedes fala, observado por Bolsonaro Imagem: Foto: Marcos Corrêa/PR/Flickr

Colunista do UOL

12/08/2020 17h53

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"O estado está inchado e deve se desfazer de suas empresas deficitárias, bem como daquelas que podem ser melhor administradas pela iniciativa privada. Privatizar está longe de ser, simplesmente, pegar uma estatal e colocá-la numa prateleira para aquele que der mais 'levá-la para casa.'"

Eis Jair Bolsonaro nas redes sociais, num movimento para reformar a posição de Paulo Guedes no governo. Tudo conforme o esperado. Depois da tal "debandada" dos ditos "liberais", vem o aceno para tranquilizar aquilo que se tem chamado, em tom meio galhofeiro, de "Faria Limers" — a turma dos, como é mesmo?, "mercados", que aposta na receita que junta reacionários delirantes, reacionários mansos disfarçados de liberais e o nacional-estatismo dos milicos.

Bolsonaro, claro!, deu um jeito de transferir culpas e atacar o STF. Escreveu por exemplo:
"Para agravar o STF decidiu, em 2019, que as privatizações das empresas 'mães' devem passar pelo crivo do Congresso".

É um raciocínio falacioso. Na verdade, o Supremo quebrou o galho para o governo. Na letra fria da Carta, nem mesmo as subsidiárias poderiam ser vendidas sem autorização do Congresso. Lembro o que está escrito:

O Inciso III do Parágrafo 1º do Artigo 173 deixa claro que só uma lei pode tratar, entre outros assuntos, da alienação de empresas públicas ou de sociedades de economia mista. Lá está escrito:
§ 1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre (?) licitação e contratação de obras, serviços, compras e alienações, observados os princípios da administração pública.

O Inciso XXI do Artigo 37 define que a alienação de bem público só pode se dar por intermédio de licitação:
XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações"

O Supremo não inventou nada. Aplicou a Constituição. A rigor, nem as subsidiárias poderiam ser privatizadas. É que se parte do princípio de que as estatais as criam sem pedir autorização ao Congresso. Logo, podem ser vendidas também sem prévio aceite do Congresso. Acho o argumento meio falacioso porque, obviamente, a subsidiária é uma extensão da empresa-mãe e segue sendo bem público da mesma natureza.

Imaginem um governo de pistoleiros irresponsáveis que chegasse ao Planalto— isso pode acontecer, né? —, com o poder de passar nos cobres os bens públicos, sem prévia autorização de ninguém.

De toda sorte, é mentira que o STF tenha criado embaraços às privatizações. Não havia e não há plano nenhum. E, se querem saber, nem é a hora.

Salim Mattar, ex-secretário de Desestatização, andou reclamando que, no Estado, as coisas não andam na velocidade das empresas privadas. Deve ser verdade. Ele pode fazer o que quiser com a Localiza — que eu saiba, uma sociedade anônima de capital fechado. O patrimônio público é... público. E os governos são de turno. É preciso prestar satisfações ao público. E isso demora.

Quem entra no governo achando que pode se comportar como um empresário do setor privado — e alguns se comportam como verdadeiros Napoleões de hospício em seus domínios, esquecendo-se de que as empresas também têm uma função social, mesmo quando privadas — está cometendo um erro brutal. São coisas distintas.

Empresários de sucesso podem ser políticos desastrados e desastrosos. Políticos de primeiro time poderiam falir em meses. Sabem o que uma atividade tem a ver com a outra? Nada! Desde que, claro, o governante queira servir ao público e que não esteja em curso um sistema de captura do bem público por entes privados.

Pessoalmente, já cansei dessa conversa de "estado inchado". Isso é mote de moleque com os primeiros fios de barba de rudimentos de baixo liberalismo. Ou, para que não me acusem de machista, de mocinha liberal que vai comprar seu primeiro sutiã com seu primeiro milhão na economia de mercado, para lembrar duas propagandas históricas. Inchado onde? Em que setor? Faltam profissionais em saúde, em educação, em segurança...

Se há tanta gente no serviço público, por que o Estado, em todos os governos, inclusive no de Bolsonaro, recorre à mão de obra terceirizada — não raro, fonte de escândalos? Como é mesmo? Reproduzo trecho de uma notícia: "Uma empresa ligada à ex-mulher e sócia do advogado Frederick Wassef, que defende o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), recebeu R$ 41,6 milhões durante a gestão de Jair Bolsonaro (sem partido). O valor se refere a pagamentos efetuados entre janeiro de 2019 e junho deste ano pelo governo federal para a Globalweb Outsourcing — empresa fundada por Cristina Boner Leo". Outsourcing? Sei. É a tal terceirização, embora não só.

Querem saber? Esse governo precisa de plano de voo. Qualquer um. Sobra conversa mole.