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Reinaldo Azevedo

Bolsonaro não deu passaporte diplomático de Flordelis. E relações perigosas

Deputada Flordelis: é um exemplo robusto de mistura perigosa entre política e religião, mas tem passaporte diplomático porque isso é privilégio de todos os parlamentares    - reprodução de frame de vídeo de redes sociais
Deputada Flordelis: é um exemplo robusto de mistura perigosa entre política e religião, mas tem passaporte diplomático porque isso é privilégio de todos os parlamentares Imagem: reprodução de frame de vídeo de redes sociais

Colunista do UOL

26/08/2020 17h12

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Vejam este vídeo que traz uma montagem de flagrantes da trajetória política da deputada Flordelis (PSD-RJ), de autoria de Pedro Andreta e Daniel Fiori. Volto em seguida.

Flordelis, que passou à condição de ré — uma vez que a Justiça aceitou a denúncia que a acusa de ser mandante da morte do marido, o pastor Anderson do Carmo — já entregou seu passaporte. E, sim, era diplomático. Mas isso não se deve a nenhum favor que lhe prestou a família Bolsonaro, de quem é amiga, sim! O vídeo acima é bastante eloquente. Vamos antes aos passaportes diplomáticos.

QUEM TEM?
Todos os parlamentares têm o privilégio do passaporte diplomático. A questão está regulamentada no Decreto 5.978, de 4 de dezembro de 2006, baixado pelo então presidente Lula. O texto também abre a possibilidade, segundo critério acertado em parceria com o Ministério das Relações Exteriores, de estender o benefício a familiares de deputados e senadores. Só no primeiro semestre de 2019, foram concedidos 404 passaportes diplomáticos a cônjuges e filhos de parlamentares.

Segundo o Artigo 6º do referido decreto, será concedido passaporte diplomático:
I- ao Presidente da República, ao Vice-Presidente e aos ex-Presidentes da República;
II - aos Ministros de Estado, aos ocupantes de cargos de natureza especial e aos titulares de Secretarias vinculadas à Presidência da República;
III - aos Governadores dos Estados e do Distrito Federal;
IV - aos funcionários da Carreira de Diplomata, em atividade e aposentados, de Oficial de Chancelaria e aos Vice-Cônsules em exercício;
V - aos correios diplomáticos;
VI - aos adidos credenciados pelo Ministério das Relações Exteriores;
VII - aos militares a serviço em missões da Organização das Nações Unidas e de outros organismos internacionais, a critério do Ministério das Relações Exteriores;
VIII - aos chefes de missões diplomáticas especiais e aos chefes de delegações em reuniões de caráter diplomático, desde que designados por decreto;
IX - aos membros do Congresso Nacional;
X - aos Ministros do Supremo Tribunal Federal, dos Tribunais Superiores e do Tribunal de Contas da União;
XI - ao Procurador-Geral da República e aos Subprocuradores-Gerais do Ministério Público Federal; e
XII - aos juízes brasileiros em Tribunais Internacionais Judiciais ou Tribunais Internacionais Arbitrais.

E o decreto explicita as portas abertas para a farra — que já estavam abertas, diga-se. Por quê?

Está lá no Parágrafo 1º:
"§ 1º A concessão de passaporte diplomático ao cônjuge, companheiro ou companheira e aos dependentes das pessoas indicadas neste artigo será regulada pelo Ministério das Relações Exteriores."

Nesse caso, as respectivas Mesas da Câmara e do Senado acertam com o Itamaraty quem tem direito ao documento.

E a coisa escancara de vez no Parágrafo 3º:
"§ 3o Mediante autorização do Ministro de Estado das Relações Exteriores, conceder-se-á passaporte diplomático às pessoas que, embora não relacionadas nos incisos deste artigo, devam portá-lo em função do interesse do País."

Em suma: tem passaporte diplomático quem o governo achar que tem de ter passaporte diplomático. É evidente que isso tem de ser revisto. Nesse caso, por exemplo, abrem-se as portas para o benefício a representantes de igrejas.

DE VOLTA AO PONTO
A intimidade de Flordelis com o bolsonarismo não se traduz, pois, no fato de que ela dispunha de passaporte diplomático -- que, sim, tornou-se uma farra no Brasil e não é de hoje. Até julho deste ano, o governo Bolsonaro havia emitido 1.686 passaportes diplomáticos.

Atenção! Existe uma "Igreja Evangélica Assembleia de Deus Ministério Flor de Lis", que é ligada à Assembleia de Deus de Madureira, que se confunde com as origens dessa denominação no Brasil.

A deputada é uma espécie de símbolo da mistura cada vez mais frequente, especialmente entre os pentecostais, entre política e religião. E é por esse caminho que ela se tornou íntima do bolsonarismo, que tem entre os evangélicos a sua base mais fiel.

Os sortilégios que colhem a deputada — não estou a condenar ninguém porque juiz não sou, tampouco Deus, mas os indícios contra ela impressionam — indicam o cuidado que fieis deve tomar com seus líderes, não é?

Em Mateus 22:21, leem-se as seguintes palavras de Cristo: "Então, deem a César o que é de César e a Deus o que é de Deus..."

Ou por outra: muito cuidado quando os assuntos do mundo espiritual começam a se misturar com os assuntos terrenos, materiais. Nesse caso, é grande a chance de que a matéria esteja a corromper o espírito, em vez de o espírito a elevar a matéria.

Ah, sim: Flordelis também desejou vida longa a Sergio Moro, como se vê abaixo: