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Reinaldo Azevedo

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

CBF: Assédio a secretária e Copa América no país compõem um diapasão moral

Rogério Caboclo, presidente da CBF. Entidade nunca foi flor que se cheirasse, mas, agora, é o fundo do poço, onde também corre um esgoto - Lucas Figueiredo/CBF
Rogério Caboclo, presidente da CBF. Entidade nunca foi flor que se cheirasse, mas, agora, é o fundo do poço, onde também corre um esgoto Imagem: Lucas Figueiredo/CBF

Colunista do UOL

07/06/2021 05h51

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Há muito tempo a CBF é um cartório de péssima reputação, certo?, espelhando, de resto, a cartolagem que campeia também no clubes brasileiros, com raras exceções. Mas, agora, descobriu-se que, no fundo do poço, havia um esgoto. Bem, a entidade comandada pelo senhor Rogério Caboclo é aquela que, no repique da covid-19 no Brasil, decidiu oferecer o país como sede para a Copa América, com o patrocínio político do governo Jair Bolsonaro.

O tal Caboclo foi afastado por 30 dias. As conversas que vieram a público com a sua secretária são uma espécie de retrato destes dias. Convenham: por que haveria de ser diferente? Com o respeito que as defesas sempre têm deste colunista, observo que o caminho escolhido parece ignorar o que o nosso tempo já conhece sobre o assédio a mulheres. Diz o texto:
"Rogério Caboclo nega veementemente ter cometido qualquer ato de assédio. Embora ele reconheça que houve brincadeiras inadequadas e excesso de intimidade, é preciso deixar claro que essas decorreram do fato de que havia uma relação de amizade entre ambos, que a denunciante esteve várias vezes na casa dele, convivia com sua família e que ambos conversavam com frequência sobre assuntos de natureza pessoal. Mas jamais ele se aproximou fisicamente da denunciante, menos ainda fez qualquer movimento ou proposta no sentido de se aproveitar de forma libidinosa dela."

Dados o linguajar chulo, as insinuações vulgares, a cafajestagem, a misoginia na forma de objetificação da mulher — na verdade, das mulheres, porque nem a sua própria escapa da delinquência vocabular —, é de se perguntar: esse tipo de suposta "brincadeira" não constitui ele próprio o assédio? Lembro que, tivesse havido alguma intimidação física, ele não estaria, pela lei, sendo investigado por assédio, mas por estupro. Aquilo que se viu é uma forma clássica de... assédio!

A defesa também acusa. Diz que a denunciante tentou negociar uma indenização para não levar a coisa a público. E, segundo dão a entender os advogados, teria resolvido fazê-lo antes que as negociações chegassem a termo. Bem, parece que isso depõe a favor de quem se volta contra o assediador.

Nada impede, claro!, que um assediador ou predador sexual seja competente em sua vida profissional. Basta que nos lembremos de Dominique Strauss-Kahn, ex-diretor geral do Fundo Monetário Internacional. Recomendo, aliás, a quem não viu a excelente série "Quarto 2806: A Acusação", de Jalil Lespert (Netflix). Ainda que nem tudo pareça plenamente explicado no episódio do estupro de uma camareira, Strauss-Kahn tinha um passado absolutamente compatível com a acusação, não com a defesa. Acabou absolvido, mas sua carreira política foi liquidada.

Caboclo não é um Strass-Khan nos dons do pensamento. A sua ascensão ao comando da CBF é um desses ardis do compadrio que vicejam por ali. Saltou da obscura mediocridade para o estrelato. E, no comando da confederação, vê-se, sentiu-se liberado para "brincadeiras inadequadas e excesso de intimidade" tanto com a secretária como com o coronavírus. Trazer para o Brasil a Copa América, num momento como esse, com o auxílio do Palácio do Planalto, também é uma forma de assédio: no caso, à saúde do conjunto dos brasileiros.

É evidente que este senhor não pode continuar à frente de uma entidade que, embora privada, tem uma dimensão pública. Mesmo quando a dita-cuja se chama CBF, que tem mais folha-corrida do que biografia.

Que fique claro: trazer a Copa América para o Brasil não tem uma relação de causa e efeito com a denúncia de assédio. Apenas evidencio que são atitudes compatíveis, que compõem, vamos dizer assim, um diapasão moral.

Se a Seleção Brasileira resolver disputar a Copa América, estará atuando do outro lado da linha da história, onde se juntam negacionistas, assediadores e truculentos. Tudo isso no enorme cemitério em que se transformou o Brasil.

Pensem nos quase 500 mil mortos, senhores jogadores. Escolham o lado certo da linha.