Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.
Pernambuco: documento torna mais enrolada e perigosa ação truculenta da PM
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Reconheça-se que há uma mudança importante de status no caso do ataque covarde de um destacamento de choque da Polícia Militar de Pernambuco a manifestantes pacíficos. Vanildo Maranhão, comandante da PM, foi substituído, e o então secretário de Defesa Social, Antônio de Pádua, pediu demissão na sexta-feira. O governo acompanha o atendimento a dois feridos graves por bala de borracha — um deles teve um dos olhos extraído, e outro passou por cirurgia também ocular. Documento interno da corporação informa que a ordem partiu de Maranhão. Mas o imbróglio permanece, e ainda não se sabe exatamente o que aconteceu na cúpula da Segurança Pública do Estado no dia 29. Vamos ver.
Um documento oficial de comunicação interna acabou vazando. Atribui a decisão criminosa ao então comandante da PM; informa ainda, querendo ou não, que se usou de um procedimento ardiloso com o propósito, tudo indica, de atacar os manifestantes. E também conta uma mentira descarada, fartamente desmentida por vídeos que circulam em toda parte. Como ao menos uma das informações é falsa, é preciso que se pense na qualidade das outras.
O EX-COMANDANTE-GERAL
Comecemos por Maranhão. Segundo o tal documento, "por determinação do comandante-geral da PMPE", a Tropa de Choque deveria dispersar os manifestantes recorrendo aos "meios dispostos" -- isto é, "à disposição". E tais meios incluíam balas de borracha. Duas ordens teriam chegado a quem estava em campo, ambas oriundas de Maranhão: às 10h20 e às 11h30. A ordem era a mesma: dispersão.
Há algo bastante relevante no tal documento, de impressionante perversidade se verdadeiro: deram a ordem para que Batalhão de Choque se dirigisse para a Praça da Independência, conhecida como "Praça do Diário", local marcado para o término da manifestação. Vale dizer: a PM resolveu atacar os que protestavam quando o ato já estava chegando ao fim. Teria sido uma arapuca.
E agora a mentira. Esse comunicado interno afirma que os policiais reagiram a agressões. Teriam sido atacados com paus e pedras. Não há um só registro desse tipo de comportamento. O que todos os vídeos revelam até agora são os policiais fazendo uma barreira de contenção para impedir a passagem. Entre os dois grupos, havia uma distância considerável. Não se veem objetos sendo lançados — até porque seria impossível.
De repente, do nada, os policiais avançam disparando balas de borracha e bombas de efeito moral. Vídeos mostram policiais atirando até contra prédios, de cujas janelas moradores assistiam à barbárie.
SALA DE MONITORAMENTO
Pádua, que deixou a Defesa Social, acompanhava o protesto de uma sala de monitoramento e, supõe-se, tomou conhecimento da ação da PM. Muito bem: digamos que a ordem tenha partido do coronel Maranhão, demitido do comando geral. Questão óbvia e básica: quem decide se a polícia reprime ou não uma manifestação é o secretário de Segurança -- que, em Pernambuco, tem o pomposo nome de "Defesa Social" -- ou, acima deste, o governador.
Será que, em Pernambuco, é o comandante-geral da PM que dá ordem para reprimir manifestantes? A ser assim, então o governador não tem o controle da corporação. E Pádua diz, com todas as letras, que não foi ele. Ao se demitir, emitiu a seguinte nota:
"Os fatos ocorridos no último sábado foram graves e precisam ser investigados de forma ampla e irrestrita. Minha formação profissional e humanística repudia, de forma veemente, a maneira como aquela ação foi executada. Seis dias depois do episódio, com um novo comandante à frente da PM, com todos os procedimentos investigatórios instaurados e após prestar contas à Assembleia Legislativa, à OAB e ao Ministério Público, entreguei meu cargo ao governador Paulo Câmara, com a certeza do dever cumprido e mantendo nosso compromisso com a transparência e o devido processo legal".
CONCLUINDO
1: documento diz que ordem partiu do então comandante-geral. Se partiu, agiu à revelia do governador e do secretário?;
2: em Pernambuco, quem decide quando a PM reprime ou não protestos dessa natureza: o comandante-geral, o que seria uma absurdo!, ou o secretário, a mando do governador?;
3: se Maranhão agiu por conta própria, não pode ser apenas afastado; tem de sofrer também uma punição disciplinar severa;
4: documento mente sobre agressão de manifestantes a policiais;
5: é possível que tanto o comandante-geral como o secretário tenham recebido informações falsas, induzindo-os a erro?
Essa última indagação não livra a cara da PM, não. Muito pelo contrário! Podemos estar aqui a falar de uma corporação infiltrada por proselitismo de extrema direita, que faz da indisciplina uma forma de intervenção política.
O tal documento, aliás, chama os manifestantes de "militantes". Não é linguagem adequada. Temos só de pensar como poderia chamar os bolsonaristas — talvez "patriotas"...
Sim, o comandante-geral e um secretário caíram. Mas estamos longe de saber o que aconteceu naquele dia 29. O cheiro que emana do imbróglio é o pior possível.