Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.
Servilismo de Aras a Bolsonaro cria até o "obrigatório sem obrigatoriedade"
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- Augusto Aras diz que nada impede governadores de depor em CPIs. Como quer Bolsonaro.
- Augusto Aras diz que STF não pode obrigar Bolsonaro a usar máscara. Como quer Bolsonaro.
- Augusto Aras não vê nada a investigar no inquérito que apura os atos antidemocráticos. Como quer Bolsonaro.
Existe alguma coisa que Bolsonaro queira que Aras não diga?
Vamos ver.
O Artigo 50 da Constituição não prevê a convocação de presidente da República para depor em CPIs. A interpretação que sempre se fez da Carta é que essa ausência, que vale por uma interdição, contempla também governadores e prefeitos — que, por sua vez, podem ter seus respectivos governos escrutinados por Assembleias Legislativas e Câmaras.
Não para Aras. Ele faz outra leitura. Para ele, o Artigo 50 implica que as Casas Legislativas estaduais não podem convocar governadores — e, suponho, as municipais estariam impedidas de convocar prefeitos. Mas as CPIs federais poderiam.
É uma interpretação realmente inédita, feita ao gosto do governo federal, que torce para que a CPI se perca em questões estaduais, num cipoal de destinação de recursos absolutamente impossível de investigar.
Imaginem o senador Heinze, com alguma tabela fornecida por um de seus amigos da Internet ou pelo Gabinete do Ódio, querendo saber o nome do fornecedor da rebimboca da parafuseta Estados afora... É uma piada.
Há mais: o Artigo 146 do Regimento Interno do Senado é explícito:
Art. 146. Não se admitirá comissão parlamentar de inquérito sobre matérias pertinentes:
I - à Câmara dos Deputados;
II - às atribuições do Poder Judiciário;
III - aos Estados.
Ponto final. Ainda que Aras queira reler o Artigo 50 à luz do Bolsonarismo Ilustrado (???), existe o óbice do Regimento Interno, que, diga-se, deveria ter sido levado em conta pela própria CPI,
ROSA E OS DEMAIS GOVERNADORES
A CPI convocou só governadores que já estão sob investigação. Wilson Lima, do Amazonas, recorreu ao STF, e a ministra Rosa Weber lhe concedeu, corretamente, uma liminar para não comparecer uma vez que já é investigado pela Polícia Federal e pelo Ministério Público.
Os demais convocados estão na mesma situação, a saber: Helder Barbalho (Pará), Ibaneis Rocha (Distrito Federal), Mauro Carlesse (Tocantins), Carlos Moisés (Santa Catarina), Antonio Denarium (Roraima), Waldez Góes (Amapá), Marcos Rocha (Rondônia) e Wellington Dias (Piauí). Se recorrerem, certamente colherão mesma decisão.
Que fique claro: essa decisão da ministra nada a tem a ver esse outro habeas corpus preventivo, assinado por 19 governadores, que apelam justamente à Carta e o Regimento para não depor. E é esse o âmbito em que vem à luz o parecer de Aras.
BOLSONARO E A MÁSCARA
O PSDB recorreu ao Supremo para que Jair Bolsonaro seja obrigado a usar máscara em ambientes públicos. Afinal de contas, está em vigência uma lei, sancionada pelo próprio presidente, que torna a proteção obrigatória.
Aras, que busca a recondução ao cargo — a alternativa seria a indicação para o STF, mas parece que esta já lhe escapou —, saiu-se com outra interpretação originalíssima. Ainda que o comportamento do presidente possa ser considerado inadequado do ponto de vista da saúde, o direito à liberdade de expressão — SIM, VOCÊS LERAM DIREITO — lhe facultaria ignorar a lei.
O valente escreveu:
"Embora seja possível imaginar que a não utilização de máscara facial pelo chefe do Poder Público Federal e a realização de visitas signifique endossar comportamentos sociais contrários à promoção da saúde, não se verifica imperatividade ou obrigatoriedade voltada aos cidadãos ou à administração pública em geral".
Para o doutor, a lei não vale para ninguém.
De resto, senhor procurador-geral, não é preciso imaginar o que a ciência prova.
O Artigo 3A da Lei 13.979 tem a seguinte redação:
"É obrigatório manter boca e nariz cobertos por máscara de proteção individual, conforme a legislação sanitária e na forma de regulamentação estabelecida pelo Poder Executivo federal, para circulação em espaços públicos e privados acessíveis ao público, em vias públicas e em transportes públicos coletivos, bem como em:
I - veículos de transporte remunerado privado individual de passageiros por aplicativo ou por meio de táxis;
II - ônibus, aeronaves ou embarcações de uso coletivo fretados;
III - estabelecimentos comerciais e industriais, templos religiosos, estabelecimentos de ensino e demais locais fechados em que haja reunião de pessoas."
Aras não vê "obrigatoriedade" no que é obrigatório. Nem Padre Vieira conseguiria explicar a distinção.
ATOS ANTIDEMOCRÁTICOS
Todos os dias um descalabro novo revela vínculos da cozinha do Planalto e adjacências -- incluindo pessoas do entorno do presidente e parlamentares a ele ligados -- com os atos que pediam o fechamento do Congresso e do Supremo.
Augusto Aras, no entanto, não vê nada a investigar. Prefere processar colunista que revela inconformismo com a sua postura.
Doutor Aras vai ficar ofendido e processar a mim também se eu escrever que considero que essa sua postura caracteriza um servilismo incompatível com a condição de procurador-geral da República?
Afinal, não foi nomeado para ser procurador-geral de Bolsonaro.