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Reinaldo Azevedo

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

O Taleban deles e o nosso: avançam na inércia. Ou: Real plano de Bolsonaro

O líder taleban deles e o nosso. Ambos exibem o seu principal argumento na política e explicam como querem fazer valer a sua vontade - Reprodução/Reprodução
O líder taleban deles e o nosso. Ambos exibem o seu principal argumento na política e explicam como querem fazer valer a sua vontade Imagem: Reprodução/Reprodução

Colunista do UOL

16/08/2021 23h35

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Notaram que, de algum modo, estamos, assim, como quem espera a chegada do Taleban, de mãos atadas? Há diferenças, claro! Não é que nos faltem instituições, como faltam naquele país. Elas existem. Mas não se exercem. Não é que não tenhamos os remédios para conter as agressões à democracia e ao Estado de direito. Nós os temos. Mas dependem de vontades monocráticas. E ficamos assim: se um quer ameaçar, e o outro não quer reagir, então todos corremos riscos.

Para ficar no caso: se Bolsonaro quer acenar com um golpe, e Lira não quer pôr para tramitar o impeachment, então marchemos para dias sangrentos. Se o presidente quer cometer crimes em penca, e se Aras não propõe a abertura de uma ação penal, então que triunfe a impunidade de um contra os interesses de todos os brasileiros.

No sábado, o ocupante do Palácio do Planalto enviou de seu número pessoal, para os seus contatos, que incluem ministros de Estado, uma convocação para os protestos marcados pelos fascistoides para o 7 de Setembro. Há um trecho notável, que remete a 1964 -- chamando o golpe de então de "contragolpe" --, dando como certa uma nova ruptura institucional. Leiam, conforme o original:
Hoje, fazer um contragolpe é muito mais difícil e delicado do que naquela época, além do grave aparelhamento acima relatado, temos uma constituição comunista que tirou em grande parte os poderes do Presidente da República e foi por estes motivos que o Presidente Bolsonaro, no início de agosto, em vídeo gravado, pediu para que o povo brasileiro fosse mais uma vez às ruas, na Avenida Paulista, no dia sete de setembro, dar o último aviso, mas, desta vez, ele reforçou que o "contingente" deveria ser absurdamente gigante, ou seja, o tamanho desta manifestação deverá ser o maior já visto na história do país, a ponto de comprovar e apoiar, inclusive internacionalmente, para que dê a ele e às FFAA, para que, em caso de um bastante provável e necessário contragolpe que terão que implementar em breve, diante do grave avanço do golpe já em curso há tempos e que agora avança de forma muito mais agressiva, perpetrado pelo Poder Judiciário, esquerda e todo um aparato, inclusive internacional, de interesses escusos.

Quem assina a estrovenga é um grupo de Facebook chamado "Ativistas Direitas Volver". Sim, há malucos para todos os gostos espalhados nas redes. A coisa tem lá a sua gravidade, mas há ensandecidos em toda parte. O perigo está no fato de o presidente da República, de próprio punho, replicar a incitação golpista. Como chamam, então, a intervenção militar que almejam de "contragolpe", golpistas seriam os outros. O envio da mensagem foi noticiado pelo jornal digital "Metrópoles".

CERTA LETARGIA
Sim, as ruas já se mobilizaram contra a truculência e as ameaças golpistas do presidente. Mas, por óbvio, e nem poderia ser diferente, não se acena com o horizonte escatológico da luta do bem contra o mal, hipótese em que, do confronto sangrento, restaria a vitória dos justos. Não. Os que se manifestam contra o presidente pedem apenas que triunfem as regras do jogo.

Não se trata de um confronto entre iguais. E isso não foi ainda devidamente absorvido e compreendido por alguns setores. Não estamos numa porfia, por exemplo, a favor da privatização da empresa A ou B ou contra ela; não estamos num enfrentamento político entre os que defendem essa ou aquela reformas e os que as consideram reacionárias ou que adjetivo desairoso se escolha. Um dos lados está pregando abertamente a virada da mesa e a tomada do poder pelas armas. E o presidente da República, com a gravidade que tem o cargo, com todas as responsabilidades que este enseja, se alinha abertamente com o golpismo — e, parece, o mesmo pensa o seu ministro da Defesa.

CÂMARA E SENADO
Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara, escreveu no Twitter:
"O Brasil sempre terá no presidente da Câmara dos Deputados um ferrenho defensor constitucional da harmonia e independência entre os Poderes".

A Lira compete pôr para tramitar ou não uma denúncia por crime de responsabilidade. Quantos Bolsonaro já cometeu e quantos são os pedidos que dormitam em sua gaveta? Cabe aqui fazer a pergunta óbvia: será que o Brasil terá de ver o sangue na praça e nas ruas para que, então, "o ferrenho defensor da harmonia e da independência entre os Poderes" se manifeste? A propósito: com essa linguagem pastosa, está emitindo um juízo censório ao presidente da República ou aos ministros do Supremo? Ou nem a um nem a outros, hipótese em que, então, se igualariam?

Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, admite a existência de uma crise entre os Poderes e tenta jogar água na fervura no momento em que o presidente anuncia que vai apresentar pessoalmente os pedidos de impeachment dos ministros Alexandre de Moraes e Roberto Barroso. Afirma:
"O diálogo entre os Poderes é fundamental, e não podemos abrir mão dele, jamais. Fechar as portas, derrubar pontes, exercer arbitrariamente suas próprias razões são um desserviço ao país. Portanto, é recomendável, nesse momento de crise, mais do que nunca, a busca de consensos e o respeito às diferenças. Patriotas são aqueles que unem o Brasil, e não aqueles que querem dividi-lo. E os avanços democráticos conquistados têm a rigorosa vigilância do Congresso, que não permitirá retrocessos".

É claro que, em si, são boas palavras. E observo que Pacheco jamais poria para tramitar os tais pedidos. Até porque não há crimes. Há outros que estão lá parados. Não duvido de que pensa no presidente da República como exemplo daquele que não une o país. Ocorre que essa retórica da conciliação — e política, na democracia, consiste em conciliar os contrários na arte de discordar — já ficou no contrapé. Daqui a pouco, Bolsonaro ou outro qualquer do governo lançam uma nova ameaça golpista, escancarada ou velada, tanto faz, e toda razão entra de novo em falência.

CENÁRIO INTERMEDIÁRIO DO CAOS
Nem os mais celerados nas Forças Armadas, e também os há, acreditam que possa haver um novo regime militar à moda antiga, como aquele que entrou em vigor em 1964. Se houver um ou outro, certamente são exceções sem relevância. E acho que até Bolsonaro sabe disso.

Ocorre que sua aposta é outra. É este cenário que deve preocupar: Bolsonaro investe numa insurreição que criasse um impasse, de modo que o Artigo 142 tivesse de ser evocado — aquele que garante às Forças Armadas atuar como subsidiárias na garantia da ordem pública. Há ainda o estado de defesa — no seu delírio, deve sonhar até com estado de sítio. Nas hipóteses extremas, o Congresso tem de deliberar. Mas notem: qual é a deliberação em face do caos eventual?

O que estou afirmando, meus caros, é que Bolsonaro não trabalha com um cenário em que as Forças Armas decidissem, de moto próprio, bater o porrete na mesa: "Pronto! Acabou! Agora é com a gente!" Não.

Ele está tentando justamente fabricar o caos para que, diante de uma desordem que pretende generalizada, a intervenção se imponha como uma "previsão constitucional", entenderam?

E, por essa razão, é preciso pará-lo antes. É tudo uma loucura? É. Mas tem método.