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Reinaldo Azevedo

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Aras não pode barrar abertura de inquérito; pode obstar ação penal. E o faz

Ministra Rosa Weber: ela já discordou da PGR em caso de abertura de inquérito. E fez muito bem. Não se confundam inquérito e ação penal - Fellipe Sampaio/SCO/STF
Ministra Rosa Weber: ela já discordou da PGR em caso de abertura de inquérito. E fez muito bem. Não se confundam inquérito e ação penal Imagem: Fellipe Sampaio/SCO/STF

Colunista do UOL

17/08/2021 17h52

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Digam-me em que diploma legal está escrito que o procurador-geral da República — ou, mais amplamente, o Ministério Público — figura como titular dos inquéritos. Ninguém dirá porque isso não existe. O MP é titular, aí sim, da ação penal. Assim, se o PGR ou, a depender da instância, o Ministério Público não pedir a abertura da dita-cuja, nada feito.

A confusão entre inquérito e ação penal é ditada, às vezes, pela ignorância; em outras, pela má-fé. Fosse como querem alguns, bastaria a Augusto Aras manter o silêncio, quando instado a se posicionar sobre petições que chegam do Supremo, e tudo ficaria à espera de Godot. Se ele nada dissesse, nada se faria.

Mas assim não é. Se decidir não se posicionar, o magistrado pode tomar a decisão. Pode fazer mais do que isso: também lhe é dado discordar — NO CASO DO INQUÉRITO — do Ministério Público. Foi o que fez a ministra Rosa Weber quando recebeu a exótica resposta da PGR no caso da notícia-crime que aponta possível prevaricação de Jair Bolsonaro no imbróglio da Covaxin. A resposta que chegou a Rosa pedia que se aguardasse a conclusão da CPI. E só então se tomaria uma decisão.

Coube à magistrada lembrar à PGR que a Constituição lhe reserva papéis. E, entre eles, não está o de ser mero espectador do processo político.

Assim, no caso dos crimes cometidos por Roberto Jefferson, o MP é olímpico para dizer: "Sou contra a abertura da Ação Penal", mas não para determinar: "Não quero nem mesmo que se investigue".

Alexandre de Moraes agiu rigorosamente dentro da lei.

E que se note: mesmo no caso da Ação Penal, o MP pode ser a favor, e o magistrado ser contra. E é o que vale. O que este não pode fazer, reitere-se, é abrir a dita-cuja contra a opinião daquele que dela é o titular.

Quem está falando, Reinaldo? Você? Não! O Artigo 282 do Código de Processo Penal, a saber:

Art. 282. As medidas cautelares previstas neste Título deverão ser aplicadas observando-se a:
I - necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais;

II - adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado. (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).

§1º As medidas cautelares poderão ser aplicadas isolada ou cumulativamente.

§ 2º As medidas cautelares serão decretadas pelo juiz a requerimento das partes ou, quando no curso da investigação criminal, por representação da autoridade policial ou mediante requerimento do Ministério Público.

§ 3º Ressalvados os casos de urgência ou de perigo de ineficácia da medida, o juiz, ao receber o pedido de medida cautelar, determinará a intimação da parte contrária, para se manifestar no prazo de 5 (cinco) dias, acompanhada de cópia do requerimento e das peças necessárias, permanecendo os autos em juízo, e os casos de urgência ou de perigo deverão ser justificados e fundamentados em decisão que contenha elementos do caso concreto que justifiquem essa medida excepcional.

§ 4º No caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas, o juiz, mediante requerimento do Ministério Público, de seu assistente ou do querelante, poderá substituir a medida, impor outra em cumulação, ou, em último caso, decretar a prisão preventiva, nos termos do parágrafo único do art. 312 deste Código.

§ 5º O juiz poderá, de ofício ou a pedido das partes, revogar a medida cautelar ou substituí-la quando verificar a falta de motivo para que subsista, bem como voltar a decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem.

§ 6º A prisão preventiva somente será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar, observado o art. 319 deste Código, e o não cabimento da substituição por outra medida cautelar deverá ser justificado de forma fundamentada nos elementos presentes do caso concreto, de forma individualizada.

A lei é clara e eloquente. As pessoas têm direito a ter uma opinião sobre a lei: se boa, se má. Mas não têm direito a inventar uma lei que não existe.

JURISPRUDÊNCIA
O tema, aliás, já tem jurisprudência no Supremo que alcança a própria Presidência da República. Reza o Parágrafo 4º do Artigo 86 da Constituição:
"§ 4º O Presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções."

O que sacramentou o tribunal?

Não se pode apresentar uma ação penal contra o presidente por atos anteriores ao mandato. Mas a investigação pode, sim, ter curso. Ainda que o Ministério Público se manifeste contra a sua continuidade. Aconteceu com o ex-presidente Michel Temer, em caso que tinha Roberto Barroso como relator. E ninguém soltou um pio.

Que fique claro: os magistrados do Supremo decidem, na sua esfera de competência, se mandam ou não abrir o inquérito. O Ministério Público deve ser apenas ouvido. A decisão é dos ministros. E ela pode ou não ser coincidente com a da PGR.

Tomemos o caso mais recente: Augusto Aras se manifestou pelo arquivamento do pedido de abertura de inquéritos contra Bolsonaro feita por um grupo de deputados do PT em razão da live do terror do dia 29 de julho. A relatoria é Cármen Lúcia. Aras disse ter aberto uma investigação preliminar, uma Notícia de Fato, e encerra assim: "Manifesta-se pela negativa de seguimento à petição". Vale dizer: é contra a abertura de inquérito.

Assim ele se manifesta. A ministra pode discordar. Como Rosa discordou.

O devido processo legal é para gregos e troianos, para guelfos e gibelinos, para palmeirenses e corintianos. Mas tem de ser "o devido processo legal". O MP pode muita coisa, mas não pode usurpar prerrogativas dos ministros do Supremo.