Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Atos deste domingo ajudam a explicar, sim, naufrágio do golpe bolsonarista
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Prefiro escrever este artigo antes de ter o "balanço" com o público que foi às ruas neste domingo se manifestar em favor do impeachment e contra o golpe. Não sei quantas pessoas compareceram, e isso não importa. Havia bastante gente em São Paulo; nas demais capitais, menos. Nada, com efeito, para deixar bolsonaristas com medo. Mas esperem aí: quem quer infundir medo nos adversários são os partidários do presidente. Os que pediram a saída de Bolsonaro neste domingo estão fazendo política. Dentro das regras do jogo e da institucionalidade.
Uma observação sobre irrelevâncias, antes que avance para o que interessa. Sim, na turma do Vem Pra Rua, apareceu lá o cartaz em favor da terceira via. Fernando Holiday, hoje Novo, antes MBL, "causou" com o seu "nem Lula nem Bolsonaro". Outro exibiu o ex-presidente e o atual abraçados, insistindo na boçalidade de um suposto "bolsopetismo", tese desmoralizada pelos fatos. E pronto. Nada disso tem importância. Vamos ao que tem.
COMPARAÇÕES ESDRÚXULAS
Não faz sentido comparar os respectivos públicos dos protestos deste domingo com os do dia 7, articulado com a clara e evidente interferência do governo federal, especialmente por intermédio de sua relação com entidades empresariais. Existe uma diferença significativa entre a convocação para um ato e a organização de falanges.
Os que foram à Avenida Paulista e a outros locais de protesto neste domingo estavam certos de que, encerrado o evento do dia, voltariam para as suas respectivas casas, com as instituições ainda no lugar — embora sob permanente ataque. Não estavam se preparando para a tomada do Palácio de Inverno ou para realizar a Marcha Sobre Brasília ou Sobre São Paulo. Parece-me que se assistiu à primeira de outras manifestações. A ver. Não para destruir as instituições, mas para reforçá-las.
A FALANGE UNIDA E A FRAGMENTAÇÃO
Dada a forma da convocação e da organização da tentativa de "blitzkrieg" sobre os Poderes do dia 7, poucos atentaram para uma questão relevantíssima: mostrou-se o tamanho máximo do público bolsonarista que aceita tirar o traseiro do sofá para defender golpe de estado. E olhem lá! Os realmente dispostos à ação se resumem aos gatos-pingados que ficaram em Brasília e que tentaram parar as rodovias -- aí para desespero de Bolsonaro, seu chefe, que anteviu os mercados a lhe quebrar as pernas. Desesperado e abúlico, teve de pedir a seus extremistas que recuassem.
Contraponto importante nesta avaliação: Bolsonaro não desistiu de melar as eleições de 2022. Ele já sabe, e nós já sabemos, que não será pela via do golpe. Mas pensem um pouco: há muitas outras maneiras de criar fatos políticos. Nem Nero pôs fogo em Roma nem foram os comunistas que incendiaram o Reichstag. As duas "fake news" tiveram consequências, não? É bom que saibam: há gente disposta a tudo. Retomo o fio.
Observem que não existem divisões no bolsonarismo. Ninguém pode ser 70%, 80% ou 90% Bolsonaro. Ou se está inteiramente com o líder — e seus rompantes — ou se é um canalha e um trânsfuga. Por isso o presidente se livrou de tantos auxiliares que o ajudaram a chegar ao poder. Não sei o que levou pessoas logo defenestradas, como o sensato general Santos Cruz, a achar que aquele ser bronco poderia ser um bom presidente. Mas aconteceu. Logo o general percebeu que não existia espaço para o exercício nem da razão mínima.
Assim, a manifestação do dia 7 de Setembro juntou aqueles para os quais o bom mundo é aquele em que não há contradições, meios-tons, meios-termos, reservas de independência intelectual. Tudo o que foge à vontade do líder — que, de resto, pode ser errática até para os padrões de seus anseios destrambelhados — é sabotagem. O que não for sujeição não serve.
Vejam o que se deu com os sectários que, de imediato, reagiram muito mal à tal carta articulada por Michel Temer e assinada por Bolsonaro. Lançadas nas redes suas críticas e decepções, logo tiveram de voltar atrás e se render a uma suposta genialidade estratégica do líder. E que se note: ao fazê-lo, mantiveram a sugestão de que o "capitão" não deu o golpe agora, mas ainda o dará.
Vale dizer: a falange fala como ordem unida mesmo. Não por acaso, o símbolo do fascismo — a machadinha envolta por um feixe amarrado de varas — resgata um símbolo da Antiguidade romana para indicar que não há divisões, dissensões e espaço para a crítica. Todos estão amarrados à vontade do "duce", do líder, da machadinha...
A turma que protestou neste domingo é apenas uma fração do antibolsonarismo. E, ainda assim, também ela estava um tanto dividida. Havia o núcleo majoritário, liderado pelo MBL, que fez um acordo político com grupos e políticos à sua esquerda, e havia outros que insistiram no erro de confundir a luta contra Bolsonaro com o lançamento de um movimento em favor da terceira via.
O ANTIBOLSONARISMO É MUITO MAIOR
Obviamente, o antibolsonarismo é muito mais amplo do que aqueles que se manifestaram neste domingo. O PT é o maior partido de esquerda e tem o nome que hoje venceria as eleições. Não participou do ato e certamente será a força principal de futuras manifestações com conotação mais claramente esquerdista, embora o partido não rejeite, mas só em tese, uma frente realmente ampla.
A rejeição é só "em tese" porque nota emitida no dia 11 pelo Diretório Nacional do partido condiciona o "fora Bolsonaro" a uma pauta marcadamente partidária — e obviamente de esquerda: também a rejeição às reformas, que considera "antipopulares".
Os atos deste domingo contaram com o apoio de partidos e lideranças de esquerda. Parte deve pensar o que pensa o PT sobre as tais reformas — e é certo que tal juízo não coincide com o do MBL. E, apesar dessas dificuldades e da demonização do ato promovida nas redes por esquerdistas, majoritariamente petistas, produziu-se, sim, o que me parece ser uma primeira manifestação bastante expressiva.
À diferença, reitero, dos "protestos golpistas" — vejam a que absurdos linguísticos o bolsonarismo nos obriga —, os de hoje não existiram para intimidar. Flagram a existência de uma corrente de opinião que rejeita a pregação fascistoide de Bolsonaro ACIMA DO QUE, NA IDEOLOGIA, SEPARA AS PESSOAS — fixando-se, portanto, num patamar em que a escolha civilizatória serve para unir.
"Como você pode dizer isso, dado o passado de Fulano ou de Beltrano?" — entre indagam e ironizam alguns à esquerda, o que coincide, curiosamente, com críticos de extrema-direita, que chamam os que organizaram a manifestação deste domingo de "traidores".
Aliás, eis algo notável, mas nada surpreendente: os reaças dizem que o MBL está servindo de massa de manobra do PT. Esquerdistas descontentes asseguram que os que se juntaram ao movimento estão sendo inocentes úteis da terceira via. Notem: uns e outros acham que são os verdadeiros intérpretes da ação de terceiros, que, nessa perspectiva, não seriam donos da própria consciência. Seus críticos saberiam lê-la melhor do que eles próprios. Se há coisa que sei identificar é um pensamento autoritário quando ele se mostra.
A SÍNTESE
A tese que foi à rua neste domingo expressa o mais difícil de todos os antibolsonarismos -- que, felizmente, existem no plural: a frente anti-Bolsonaro não se confunde com frente eleitoral. E, por óbvio, essa turma é minoritária -- não se sabe o seu tamanho porque fez seu primeiro ato -- mas não quando se toma o 7 de Setembro como referência e sim quando se considera o tamanho da resistência ao presidente.
Se a mais difícil das teses, numa parceria inédita depois da redemocratização entre correntes liberais e expressões da esquerda, juntou o que juntou, começa a ficar mais claro por que o golpe do dia 7 naufragou, levando Bolsonaro a assinar a sua rendição — ao menos para o golpe militar. Lembrem-se sempre: ele quer melar as eleições.
CAMINHANDO PARA A CONCLUSÃO
"Reinaldo, embora o MBL, força majoritária do ato, não tenha tocado em terceira via, outros o fizeram, ainda que marginalmente. O que se viu pode indicar a viabilidade da terceira via?"
Respondo de vários modos, também distintos e combinados:
1: se e quando o movimento convocar uma manifestação em favor da terceira via, avalia-se o resultado;
2: obviamente, uma candidatura da chamada terceira via não gostaria de dispensar a força dos que foram às ruas neste domingo gritar "fora Bolsonaro";
3. entendo, no entanto, que, no caso de tal opção não se tornar competitiva, também Lula não estaria disposto a dizer que dispensa esses votos, não é mesmo? Ou se ganha eleição no Brasil sem a adesão do centro?
Em suma, o antibolsonarismo também é composto de vozes que não são de esquerda. Elas se juntaram, neste domingo, a alguns esquerdistas em nome de um fundamento que defende o respeito ao resultado das urnas em 2022. A quem isso interessa? Aos democratas. Também a Lula, não?
Quanto àqueles que insistem em indagar onde estavam os manifestantes deste domingo no "Verão de 42", repito: tudo saindo como planeja Lula, tais descontentes de agora terão muita "DR" a fazer com o "companheiro" — que, não custa lembrar, faz o certo ao incluir no leque de conversas todos os que quiserem com ele conversar.
Estamos ainda no Primeiro Ato pós-golpe frustrado. Frustrado, mas ainda vivo, coisa de que muitos tolos ainda não se deram conta, daí a vocação para se comportar como "sommeliers" de antibolsonarismo. Sempre que a sociedade brasileira se manifestar em favor da pluralidade, da tolerância e das regras do jogo democrático, como se viu neste domingo, vou aplaudir. É um sinal de que temos futuro.
Estou disposto a aprender coisas novas e a cometer erros novos. Só repudio os erros antigos. Espero que o mesmo se dê com quem quer que venha a ocupar a cadeira hoje emporcalhada por Bolsonaro.
Os erros antigos são a condenação ao atraso eterno.