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Reinaldo Azevedo

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Moro diz: "Janelinha é minha". E quer estado de exceção contra a corrupção

Moro na janelinha do avião em novembro de 2018, quando, ainda juiz, voou para o Rio para aceitar o cargo de ministro de Jair Bolsonaro, então presidente eleito. Era uma aberração! Mas seus aduladores na imprensa viram nele "o lado bom" do futuro governo... - Reprodução/TV Globo
Moro na janelinha do avião em novembro de 2018, quando, ainda juiz, voou para o Rio para aceitar o cargo de ministro de Jair Bolsonaro, então presidente eleito. Era uma aberração! Mas seus aduladores na imprensa viram nele "o lado bom" do futuro governo... Imagem: Reprodução/TV Globo

Colunista do UOL

10/11/2021 22h25

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O ex-juiz e ex-ministro Sergio Moro lançou nesta quarta a sua pré-candidatura à Presidência da República, com um discurso de 25.366 toques -- bem longo para eventos do tipo. O que destacar de saída?
- ele não se oferece para ser um entre pares em busca de um consenso para a terceira via. Apresenta-se como o líder. Quem quiser que o siga. Já se lança como o dono da janelinha;
- o homem propõe criar no país um tribunal de exceção;
- 18.661 toques foram dedicados ao combate à corrupção (73,56%);
- o pré-candidato até fingiu dar importância a outros temas: 2.275 toques à economia -- principal preocupação dos brasileiros, apontam as pesquisas. Isso corresponde a 8,96% do total. Esse percentual inclui uma defesa ginasiana da economia de mercado;
- Moro também está preocupado com o social propriamente: 2.273 toques (outros 8,96%), com o meio ambiente (1.274 -- 5,02%); com os militares (343 -- 1,3%) e com a liberdade de imprensa, que resolveu adular (540 -- 2,12%).

Por que esses números? Para evidenciar a natureza da postulação e, olhem à volta, o quanto este senhor e os que o acompanham estão descolados da realidade do país. "Reinaldo, um discurso torto e alheio ao mundo real pode vencer a eleição?" Encontrem a resposta no Palácio do Planalto. O imprevisto se encarregou de fazer com que acontecesse o fatal. "Não entendi!!!" O imprevisto: a facada. O fatal: Bolsonaro seria um desastre.

MESSIANISMO E ATAQUE À JUSTIÇA
Em sua fala, Moro avisou aos demais da chamada terceira via que o papinho de "vim para somar" é mesmo conversa para boi dormir. Disse:
"Nenhuma pessoa pode ter um projeto só para si mesmo. Ninguém existe só para si mesmo. Para isso, resolvi entrar na vida política e filiar-me ao podemos, um partido que apoia as pautas da Lava Jato. Mas esse não é o projeto somente de um partido, é um projeto de País aberto para adesão por todos os demais partidos, pela sociedade brasileira, do empresário ao trabalhador, por todo cidadão e cidadã brasileiros. É o seu projeto, que estava aí, aguardando o momento certo. Chegou a hora."

A formulação, no modo em que vem, está mais pronta a dividir do que a somar. Moro também tenta nos convencer de que recebeu um chamado. E evidencia como o pré-candidato já estava no juiz, embora, claro!, num exercício que ainda lustra a antipolítica, faça questão de dizer que nunca foi político.

Algum marquetólogo deve lhe ter dito que é preciso ser mais "humano e pessoal". Então ele contou uma historinha. Acompanhem.
"Após um ano morando fora, eu resolvi voltar. Não podia ficar quieto, sem falar o que penso, sem pelo menos tentar mais uma vez, com você, ajudar o país. Então resolvi fazer do jeito que me restava: entrando para a política, corrigindo isso de dentro para fora. A gota d'água para mim foi encontrar um estudante brasileiro no exterior que me perguntou: 'Moro, é verdade que você abandonou o Brasil?'. Aquilo foi como um tiro no meu coração. Eu não poderia e nunca vou abandonar o Brasil. Se necessário, eu lutaria sozinho pelo Brasil e pela Justiça. Seria Davi contra Golias."

É evidente que esse herói se tem em grande conta e não hesita em se comparar a um patriarca. Como se sabe, Davi venceu Golias não pela força, mas pela astúcia. O Davi da 13ª Vara Federal de Curitiba não recorreu à funda, mas a prisões preventivas intermináveis, às relações impróprias entre a Justiça e o Ministério Público, a um arsenal de exceção para fazer o que entendia ser a Justiça. E não pensem que ele parou.

Moro, agora pré-candidato -- político sempre foi --, não hesita em atacar, de maneira genérica, o sistema de Justiça, que ele manipulou a seu modo por um largo período, até encontrar o devido freio no STF. Prestem atenção a esta fala:
"(...) os avanços no combate à corrupção perderam a força. Foram aprovadas medidas que dificultam o trabalho da polícia, de juízes e de procuradores. É um engano dizer que acabou a corrupção quando, na verdade, enfraqueceram as ferramentas para combatê-la. Quase todo dia ouvimos notícias de criminosos sendo soltos, normalmente com base em formalismos ou argumentos que simplesmente não conseguimos entender. O que no fundo a gente entende é que criminosos poderosos estão escapando impunes de seus crimes e que a Lei não está valendo para todos. Fica aquela sensação amarga de que não existe lei, de que não existe Justiça."

O que se lê acima é o ataque genérico ao sistema de Justiça, tratando direitos fundamentais e o devido processo legal como meros "formalismos". Quando cita "argumentos que simplesmente não conseguimos entender", coloca-se como o homem comum que, com efeito, muitas vezes, reivindica uma resposta instantânea a agravos que poderia degenerar em justiçamento. Eis a Lava Jato em estado puro.

VICIADO EM ESTADO DE EXCEÇÃO
Entendo que, como juiz da Lava Jato -- e um magistrado jamais deveria agir como membro de uma força-tarefa porque isso lhe retira a isenção --, Moro atuou como se liderasse um Estado de exceção. E, como candidato, continua a ser essa a sua perspectiva. O homem que se opôs à instituição do juiz de garantias afirma:
"Propomos, sem mais delongas, aprovar a volta da execução da condenação criminal em segunda instância, para que a realização da justiça deixe de ser uma miragem. Precisamos garantir a independência do Ministério Público, respeitando as listas, e a autonomia da polícia com mandatos para os diretores, impedindo que haja interferência política em seu trabalho. Propomos ainda a criação de uma corte nacional anticorrupção, à semelhança do que fizeram outros países, usando as estruturas já existentes e convocando juízes e servidores vocacionados para essa tão importante missão."

Moro pede, "sem delongas", a criação de um tribunal de exceção. A sua "corte nacional anticorrupção", tudo indica, estaria livre do controle do STF e poderia, assim, executar a vontade dos justiceiros de plantão. Nada estranho para quem condenou sem provas.

E o que diz sobre a Polícia, que, entende-se, deve ser a Polícia Federal? Quer "mandatos" para diretores? O que isso implicaria? Expor também a PF, a exemplo do que se deu com o Ministério Público Federal, à mais deletéria politização. Observem o que a indústria de vazamentos, que passou a vigorar durante a Lava Jato, fez com o devido processo legal no Brasil.

O Estado paralelo não atuaria só na área da Justiça e da segurança. Também o "social" ficaria a cargo de uma agência, o que, desde logo, buscaria despolitizar os assuntos da pobreza, como se a alocação de mais recursos ou de menos para o social se confundisse com uma burocracia de caráter técnico. Afirmou:
"E, como medida prioritária, sugerimos a primeira operação especial: a criação da Força-Tarefa de Erradicação da Pobreza, convocando servidores e especialistas das estruturas já existentes. Ela será uma força-tarefa permanente e atuará como uma agência independente e sem interesses eleitoreiros, com a missão de erradicar a pobreza no país. Muita gente pensa que isso é impossível, como diziam que era impossível combater a corrupção. Não é, e nem precisa destruir o teto de gastos ou a responsabilidade fiscal para fazê-lo. Nós podemos erradicar a pobreza e esse é o desafio da nossa geração."

De todas as sandices ditas, talvez seja essa a mais estúpida das coisas, como se a resposta para a pobreza fosse surgir de alguma fórmula mágica. Moro, aliás, defendeu o reajuste do Bolsa Família, mas criticou o furo no teto de gastos, não oferecendo a fórmula mágica que conseguiria conciliar a sua preservação com a elevação do benefício. É o discurso do embuste.

ENCERRO
Há dezenas de outras vigarices políticas e intelectuais na fala, mas acho que as que estão pontuadas acima dão as balizas da natureza da postulação.

O "Moro político" não é novidade para este colunista desde 2014, ano de criação da Lava Jato. E sei bem o quanto me custou apontá-lo de maneira clara e inequívoca. Eis aí. O cara impediu Lula de disputar com Bolsonaro em 2018, por intermédio de uma condenação sem provas, referendada pelo TRF-4. Nem ele nem os desembargadores ousaram, até hoje, apontar as páginas em que as ditas-cujas estão listadas. Provas para quê? Talvez sejam meros formalismos. E não o fizeram porque lá não estão. Pois bem: ele se lança no mercado das disputas, agora sem intermediários, e seu discurso diz: "Eu quero continuar a ser o anti-Lula".

Vá lá. Agora, ao menos, assume o que sempre foi. Mas não podemos nos esquecer de que sua atuação no Judiciário teve um viés obviamente político, o que ficou evidente quando o STF reconheceu a sua suspeição e a sua incompetência. Ao sair do governo, esse monumento à ética, que posa para fotos fazendo queixo de estátua, foi trabalhar na Alvarez & Marsal, encarregada da recuperação judicial da Odebrecht, que a Lava Jato se encarregou de quebrar, não de corrigir.

Moro está de volta. Apresenta-se como o (Jair) Messias da hora — ou o "Davi". Volta com o papo-furado da cruzada contra a corrupção e advoga, sem receios, a criação de um estado de exceção.

Ah, ele também fez a defesa da liberdade de imprensa. Sei bem o que isso significa traduzido em lavajatês...

Talvez seja mais uma homenagem a seus assessores de imprensa espalhados nas redações do que propriamente à liberdade de opinião. Se Lula disser, nos debates, que sua condenação foi política, Moro, se presente, eliminará qualquer desconfiança de que esteja falando a verdade.