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Reinaldo Azevedo

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Doria desarma golpe interno; tarefa difícil! E há erro ideológico renitente

João Doria renuncia ao governo de SP para disputar a Presidência. À direita, Rodrigo Garcia, que assume os Bandeirantes, vai concorrer à reeleição - Amanda Perobelli/Reuters
João Doria renuncia ao governo de SP para disputar a Presidência. À direita, Rodrigo Garcia, que assume os Bandeirantes, vai concorrer à reeleição Imagem: Amanda Perobelli/Reuters

Colunista do UOL

31/03/2022 22h39

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João Doria foi esperto ao ameaçar renunciar à candidatura — o que implicaria permanecer no governo de São Paulo e torpedear a candidatura de Rodrigo Garcia ao governo — ou foi, mais uma vez, como querem alguns, meio desajeitado, apelando a movimentos bruscos? Respondo assim: quando a saída é única, ela não é nem melhor nem pior, descartando-se, pois, alternativas. O movimento golpista no partido já tinha avançado bastante.

"Movimento golpista"??? Tomo emprestado ao Houaiss as acepções 6 e 7, figurativas, da palavra "golpe", a saber:
"6: ato pelo qual a pessoa, utilizando-se de práticas ardilosas, obtém proveitos indevidos; estratagema, ardil, trama;
7: ação ou manobra desleal; rombo, desfalque".

É evidente que o agora ex-governador de São Paulo vinha sendo alvo de manobras desleais dentro de seu eu partido. Ainda nesta terça, Bruno Araújo, presidente da sigla, se negara a declará-lo o candidato do PSDB à Presidência. Uma ala do partido insiste no nome de Eduardo Leite, que estava de malas prontas para o PSD. Ficou porque promessas lhe foram feitas de que a chance de uma coligação com UB e MDB poderia sagrá-lo candidato, hipótese, então, em que os tucanos se sentiriam desobrigados de brigar pelo nome de Doria.

Não vou entrar no mérito se Doria já fez antes algo parecido com este ou com aquele. Não estou aqui fazendo juízo de merecimentos morais. O fato: ele vinha sendo triturado no seu próprio partido, e as regras do jogo escolhidas para definir o candidato estavam sendo jogadas no lixo antes de qualquer esforço para tentar consolidar seu nome. Méritos para tanto existem. Mas é preciso fazer a luta política. E não que eu considere essa tarefa fácil. Também o ex-governador de São Paulo, entendo, está com uma leitura errada do quadro eleitoral.

Fácil, de fato, não é porque essa tolice de "terceira via" e "candidato nem-nem" foi longe demais. Mas, como se nota, a dificuldade não é apenas de Doria. Os números de Eduardo Leite são ainda piores. Resta a este dizer que sua rejeição é menor. Fato. Mas assim é porque é também menos conhecido. Quem disse que conhecimento não pode fazer com que venha a ser também mais rejeitado? "Pacta sunt servanda", reza o ditado. Os acordos têm de ser respeitados. A palavra não pode cair em descrédito. Ainda que a política seja um terreno especialmente afeito a traições, lá vamos com latim de novo, "est modus in rebus": há um limite nas coisas.

Doria diz agora que estava, vamos dizer, jogando. Não descarto. Acho que sim. Mas e se os tucanos dissessem um "Então tá bom."? Teria de ficar no governo. E Rodrigo Garcia cairia fora da legenda ainda que o governador lhe prometesse apoio porque nada impediria o então ocupante dos Bandeirantes de pleitear a reeleição.

Assim, Doria jogou a única carta que tinha: poderosa, sim, para desfazer a articulação golpista da hora. Mas ele também sabe que os números das pesquisas começarão a pesar a cada dia mais. Ocorre que esse problema, convenham, não é só dele, certo? Moro, acima da turma dos 2%, 3%, estava empatado com Ciro Gomes (PDT), na casa dos 7%, 8%. Sem estrutura, eira ou beira no Podemos — muito por culpa sua — , migrou para o União Brasil com o veto expresso de capas-pretas do partido: não será candidato à Presidência. Dispute, se quiser, uma vaga na Câmara.

O ex-juiz incompetente e suspeito deixa de atrapalhar, é verdade, mas não se descarte que transfira para Bolsonaro uns dois ou três pontos percentuais, o que torna ainda mais difícil a tarefa de desbancar do segundo turno o atual presidente. Vamos ver.

Ao deixar o governo, Doria afirmou:
"Pesquisas mostram que nem Bolsonaro nem Lula têm a confiança da maioria dos brasileiros. Estamos em uma disputa de rejeitados. A desaprovação de um e de outro é o que alimenta o voto de um contra o outro, e não o voto a favor. Agora, é hora de o voto ser a favor do Brasil. A pressão dessa força de extremistas tem deixado difícil a construção de um consenso, de uma aliança nacional contra os erros do petismo e do bolsonarismo. Vamos sim defender a democracia e a liberdade do Brasil".

A fala nem tem muito sentido lógico e traduz a dificuldade de se construir um discurso para os candidatos que tentam criar uma terceira força eleitoral. A rejeição a Doria, em muitas pesquisas, é mais alta do que a de Lula. Ao afirmar que a pressão dos extremistas dificulta a construção de consenso, ignora o tamanho que tem isso a que chama "extremos". Não se trata de forças radicais, porém minoritárias. Uma delas tem mais de 40% do eleitorado. A outra passa de 25%. Ademais, indago eu: até quando Doria e outros insistirão no erro de chamar Lula de "extremista"? Além de ser falso, não funciona.

Mas essas são dificuldades de quem tem de construir uma candidatura. Méritos para isso há. Mas há também os erros políticos, alguns no terreno do discurso ideológico propriamente, como se vê. De toda sorte, o primeiro passo era sufocar o golpe. Parece ter conseguido. Ou seus adversários internos operaram apenas um recuo tático?