Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Bolsonaro faz discurso golpista nos EUA; desesperado, quer melar a eleição
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Jair Bolsonaro levou a conversa golpista para os EUA. Se havia certa expectativa — minha nunca! — de que ele amansaria o discurso e afirmaria o seu compromisso com a democracia, aconteceu o contrário. As palavras fazem sentido, eu sou respeitoso e me atenho àquilo que significam.
Não sabemos como foi a conversa privada com Joe Biden. O que o presidente do Brasil disse em público é de extrema gravidade. Estão em toda parte os sinais de que o "capitão" pretende melar o jogo. Se vai ser bem-sucedido, é outra história. O fato é que ele resolveu, em solo estrangeiro, pôr em dúvida o sistema eleitoral do seu país e que o tornou presidente — o que, por si, já é um absurdo.
Biden fez a saudação gentil de anfitrião e deu prioridade à questão democrática em sua breve fala inicial:
"O Brasil é um lugar maravilhoso. Por sua democracia vibrante e inclusiva e instituições fortes, nossas nações são ligadas por profundos valores compartilhados"
Elogiou ainda o "bom trabalho" que o Brasil estaria fazendo para proteger a Amazônia e pediu que "o resto do mundo ajude a financiar a proteção". Destacou: "Nós todos nos beneficiamos disso". Amistoso. Falou durante um minuto e meio.
Bolsonaro usou seis minutos e meio. Foi reativo em relação à questão ambiental, repetindo ladainha que se ouve por aqui sobre ser o Brasil uma espécie de campeão mundial da preservação, e enfiou o pé na jaca do golpismo. Uma leitura superficial, desatenta, poderia concluir que ele anunciou que vai se subordinar ao resultado das urnas. Disse, no entanto, o contrário. É conversa de quem está matutando -- e está -- alguma forma de virar a mesa. Afirmou:
"Este ano, temos eleições no Brasil. E nós queremos eleições limpas, confiáveis e auditáveis, para que não haja nenhuma dúvida após o pleito. Tenho certeza que ele será realizado neste espírito democrático. Cheguei pela democracia e tenho certeza de que, quando deixar o governo, também será de forma democrática".
Trata-se, na verdade, de uma ameaça.
Quem é esse "nós" de sua fala? Ele não está repetindo as primeiras palavras da Constituição dos EUA: "Nós, o povo..." Não. É plural majestático. Vale por um "eu quero" e é precondição para deixar o poder. Antes do encontro com Biden, em conversa com a imprensa, repetiu a mentira de que o sistema de votação no Brasil não é auditável.
Assim, Bolsonaro foi aos EUA para anunciar que a eleição, como se realiza por aqui, não está em conformidade com o seu desejo.
Ele se trai um tanto ao afirmar que "chegou [ao poder] pela democracia". Como o sistema já era esse que está em vigor e como, de 2018 para cá, criaram-se novas evidências de que é seguro e auditável, poder-se-ia concluir que, então, Bolsonaro reconhece que a democracia vencerá mesmo que ele seja derrotado.
Ocorre que isso é lógica. E a lógica, empregada com Bolsonaro, será sempre desperdício de tempo.
Atentem para este trecho: "Quando deixar o governo, será de forma democrática". Como ele sustenta, e sabe estar mentindo, que o sistema foi adulterado para garantir a vitória de Lula, uma derrota sua não seria, então, "democrática", caso em que ele não deixaria o poder.
A fala nos EUA tem de ser entendida num conjunto de manifestações recentes aqui dentro. Na terça, em solenidade no Palácio do Planalto, ameaçou:
"As Forças Armadas apresentaram centenas de fragilidades [nas urnas eletrônica], e eles [TSE] não gostaram. Foram vocês que nos convidaram para cá, ora bolas! Eu sou o chefe das Forças Armadas. Não faremos papel de idiotas. Eu tenho a obrigação de agir".
É mentira que "fragilidades" tenham sido apontadas. O que ele disse a Biden nesta quinta, assim, tem de ser interpretado à luz de outra afirmação feita na terça: só passará a faixa a um sucessor "se as eleições forem limpas". Como ele já decidiu que limpas não serão...
Na quarta, na Associação Comercial do Rio, disparou vitupérios contra o Supremo e reafirmou a disposição de desrespeitar decisões judiciais. A delinquência política é de tal ordem que o senador Flávio Bolsonaro, um de seus filhos, convocou manifestações golpistas para o 7 de Setembro em entrevista concedida a uma TV.
Já escrevi aqui sobre o "cenário Capitólio" à moda verde-amarela, que é o modelo de golpe que parece ter em mente. O "seu" povo partiria para o tudo ou nada, a desordem se generalizaria, as Forças Armadas teriam de ser convocadas — conforme a Constituição —, e Bolsonaro, então, se apresentaria como "a autoridade suprema". Flávio marcou a convocação para o 7 de Setembro, mas parece que seu pai está com mais pressa.
Há sinais claros de que Bolsonaro não pretende esperar a derrota para fabricar o caos. E eu tinha menos certeza disso antes de sua fala nos EUA. Daria tudo errado para ele. Mas o país pagaria um preço incalculável.
Eis aí a resposta àqueles que votaram em Bolsonaro em 2018 — para impedir a vitória de um petista — na esperança de que ele se deixaria mudar pela institucionalidade democrática.
Além de não ter acontecido, ele corrompeu e perverteu a própria institucionalidade.