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Reinaldo Azevedo

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Cartas são um alerta: Bolsonaro perca ou não, democracia estará sob ataque

Faixa estendida na fachada da Faculdade de Direito da USP, no Largo de São Francisco, em São Paulo - Bruno Santos/Folhapress
Faixa estendida na fachada da Faculdade de Direito da USP, no Largo de São Francisco, em São Paulo Imagem: Bruno Santos/Folhapress

Colunista do UOL

12/08/2022 04h50

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Foi bonita a festa em defesa da democracia. Das arcadas da São Francisco, ela se espalhou pelo Brasil. Jair Bolsonaro, mais uma vez, resolveu fingir pouco caso. Em sua live, engrolou as mentiras de sempre para afetar indiferença. Ele sabe que aquela é uma "arma quente" — do tipo que aperta o gatilho da luta pacífica contra tentações de tiranetes como ele próprio. Ele quer fuzis e pistolas; nós queremos as garantias da Constituição.

Abri nesta quinta o programa "O É da Coisa", que ancoro na BandNews FM, com "Rosa dos Ventos", de Chico Buarque, que levo também para a minha coluna na Folha desta sexta. Na primeira parte, a música relata a melancolia, a tristeza, a desesperança de quem já desistiu da batalha:
"E na gente deu o hábito/
De caminhar pelas trevas/
De murmurar entre as pregas/
De tirar leite das pedras/
De ver o tempo correr "

Lembro a música porque, de fato, a estupefação que sentimos é tal que acabamos nos acabrunhando. Mas lá também se fala de um despertar. Precisávamos acordar porque a democracia está sob ataque.

Vivemos ameaças cotidianas e permanentes de golpe de Estado. Infelizmente, o candidato a tirano arrastou para essa aventura ensandecida um pedaço das Forças Armadas. O perigo é real.

Está aí o Ministério da Defesa a promover um bullying diário contra a Justiça Eleitoral. Cumpre lembrar que golpes, com o concurso do comando do Legislativo, já foram dados. As eleições deste ano não ocorrerão sob o signo da normalidade. Teremos um pleito sob a égide de duas PECs que são inconstitucionais, além de desrespeitar, no caso da dos benefícios sociais, a Lei de Responsabilidade Fiscal e a Lei Eleitoral. Assim, violações da ordem legal já estão em curso.

Este STF que Bolsonaro acusa de persegui-lo está pressionado, encurralado. Caso declare a óbvia inconstitucionalidade das duas PECs, estará tirando uns caraminguás da boca de milhões de pobres, além de obviamente impedir algum ganho a caminhoneiros e taxistas. Temos, pois, um governo que resolveu opor o próprio sistema legal a grupos beneficiados pelas medidas, com o propósito de virar o jogo eleitoral. Para Bolsonaro, ainda é pouco. É preciso assombrar com o golpe armado.

Na conversa com ruralistas, na quarta, o presidente falou em dar a própria vida — e o contexto evidenciou que o faria caso derrotado, hipótese em que não aceitaria o resultado. Papo-furado. Dá a vida coisa nenhuma! Mas pode, isto sim, matar pessoas com sua desmesurada loucura. Nós não podemos nos acostumar a isso. Não é possível ter no comando da República um fanfarrão subversivo que estimula a luta armada.

Infelizmente, não é raro que parte da imprensa e do colunismo busque normalizar esse comportamento delinquente, como se fosse um capítulo da "liberdade de expressão". Essa não comporta a licença para agredir as instituições.

As cartas lidas nesta quinta, tanto a da sociedade civil como a das entidades empresariais e sindicais, deixaram claro: isso não é aceitável. Não sei se Bolsonaro ganha ou perde a eleição. Espero que seja derrotado. Mas notem: temos de nos preparar para defender a ordem democrática, qualquer que seja o resultado.

Se, à esteira das ilegalidades que já praticou, Bolsonaro vencer, continuará a golpear as instituições. Nesse caso, o alvo principal é o Supremo. Seguirá o receituário da extrema-direita mundo afora e tentará emparedar a Justiça. Uma das ideias é aumentar o número de ministros do tribunal para formar uma "bancada" de áulicos togados;

E se Lula ganhar? Não pensem que os delinquentes vão se conformar com o resultado. Como lembro na minha coluna da Folha, uma fera carnívora não se torna herbívora só porque perdeu uma presa. Continuará à espreita, em busca do melhor momento para voltar a atacar. Ou, como disse Bertolt Brecht, "o fascismo é uma cadela permanentemente no cio". Em qualquer caso, será preciso que a sociedade se organize para proteger o regime democrático. E não! Não estou querendo brincar de roda.

Meu primeiro livro chama-se "Contra o Consenso". Sou uma pessoa muito mais afeita ao dissenso, à divergência, do que o contrário. Exerço, por princípio, minha liberdade de discordar. "Ah, você dava pau nos governos do PT; agora, dá pau no governo Bolsonaro..." Sim, sei: há quem faça carreira elogiando sempre ou vendendo a opinião a quem paga mais. O comportamento não combina com o meu "radicalismo".

Assinei a "Carta às Brasileiras e aos Brasileiros em Defesa do Estado de Direito" para manter acesa a luz da divergência. Assinei e promovi os textos, já escrevi aqui, para que eu possa continuar a ser isento, uma vez que a ditadura ou me reduziria ao silêncio ou me imporia as verdades oficiais. O dissenso é a minha janela para o mundo. E faço isso com gosto. Apoiei e promovi, pois, a convergência, inclusive a dos contrários, em defesa do direito de dizer "não".

O alvo de Bolsonaro e do bolsonarismo são as garantias constitucionais. E é preciso contê-lo, seja ele derrotado ou não em outubro.