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Reinaldo Azevedo

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Galípolo no BC e a turma da ideia fixa; Justiça e R$ 100 bi a mais no caixa

Ailton de Aquino Santos (esq.) e Gabriel Galípolo (dir.), indicados pelo ministro Fernando Haddad (centro) para as diretorias, respectivamente, de Fiscalização e de Política Monetária do Banco Central - Reprodução/Linkedin; Reprodução; Ana Paula Paiva/Valor
Ailton de Aquino Santos (esq.) e Gabriel Galípolo (dir.), indicados pelo ministro Fernando Haddad (centro) para as diretorias, respectivamente, de Fiscalização e de Política Monetária do Banco Central Imagem: Reprodução/Linkedin; Reprodução; Ana Paula Paiva/Valor

Colunista do UOL

09/05/2023 06h47

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Ah, as obsessões... Sempre vale lembrar o Machado de Assis de "Memórias Póstumas de Brás Cubas". Lá se lê: "Deus te livre, leitor, de uma ideia fixa; antes um argueiro, antes uma trave no olho." Está no Capítulo IV, chamado justamente "Ideia Fixa". O que se segue a essa citação mistura erudição e ironia fina em doses iguais. Ele era, afinal, o "Bruxo". Antes um cisco ou uma trave no olho do que a obsessão, que nos faz enxergar ainda menos.

Por que essa prosa? Vamos ver. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, divulgou os respectivos nomes dos dois indicados para as diretorias vagas do Banco Central. Um deles é Gabriel Galípolo, atual secretário-executivo da Fazenda. Se aprovado pelo Senado, assume a diretoria de Política Monetária. Para a de Fiscalização, o escolhido é Ailton de Aquino Santos. Funcionário de carreira do BC, chefia hoje o Departamento de Contabilidade e Execução Financeira, área vinculada à diretoria de Administração. Deve ser o primeiro negro na cúpula do órgão. O dólar não vai nem subir nem cair por isso. A democracia, no entanto, agradece.

A indicação de Galípolo — um ex-banqueiro, não custa lembrar — não é surpresa para absolutamente ninguém. Se "Uzmercáduz" gostam do cumprimento de expectativas, eis aí. O dólar já mostrava ontem tendência de alta desde a abertura, e isso nada teve a ver com a indicação do atual número dois da Fazenda para diretoria mais importante do banco. E, no entanto, lá apareceram as opiniões gestadas na Terra do Impossível.

E o que dizia essa gente? "Ah, Galípolo, como homem próximo a Haddad, certamente será uma voz favorável à queda da taxa de juros" Bem, suponho, por lógica elementar, que se deva esperar a mesma coisa de Santos. O mais iluminado dos especuladores — chamados pela imprensa de "analistas" — resolveu fazer um alerta: o governo certamente indicou pessoas mais alinhadas com seu ponto de vista...

Meu Deus! Nem o ChatGPT escreveria algo semelhante. Definitivamente, não é uma análise fruto da Inteligência Artificial. Tem-se um caso da mais absoluta burrice natural. Então esse pedaço "duzmercáduz" só se daria por satisfeito se Haddad indicasse dois adversários declarados do governo, defensores incondicionais da atual política monetária? Isso é de uma estupidez avassaladora. Os juros futuros subiram um tanto. Leio no Valor: "A taxa do DI para janeiro de 2024 oscilou de 13,195% para 13,22%; a do DI para janeiro de 2025 recuou de 11,705% para 11,69%; a do DI para janeiro de 2026 subiu de 11,37% para 11,43% e a do DI para janeiro de 2027 saltou de 11,47% para 11,575%. Na extremidade mais longa da curva, o DI para janeiro de 2033 escalou de 12,19% para 12,37%."

Sei. Quanta gente sábia e que capacidade notável de prever o futuro, não é mesmo!?

Observem: mesmo com as duas indicações, a turma que divide o narguilé da feitiçaria com Campos Neto ainda tem ampla maioria. Vamos à data de encerramento dos respectivos mandatos dos demais diretores:
- Fernanda Guardado, diretora de Assuntos Internacionais e de Gestão de Riscos Corporativos: 31 de dezembro 2023;
- Maurício Costa de Moura, diretora de Relacionamento Institucional, Cidadania e Supervisão de Conduta: 31 de dezembro 2023;
- Carolina de Assis Barros, diretora de Administração: 31 de dezembro 2024;
- Otávio Damaso, diretor de Regulação: 31 de dezembro 2024;
- Roberto Campos Neto, presidente: 31 de dezembro 2024;
- Renato Gomes, diretor de Organização do Sistema Financeiro e Resolução: 31 de dezembro de 2025;
- Diogo Guillen, diretor de Política Econômica: 31 de dezembro de 2025

Como se percebe, o governo Lula terá indicado, até fim de 2024, sete dos nove diretores — três deles de uma vez só. No último ano de mandato, a atual gestão terá feito toda a diretoria do BC. Ainda que se pudesse encontrar alguma relação direta entre os juros futuros e os quadros do banco — e não há —, por que seria Galípolo a responder por esses movimentos? Até dezembro deste ano, o placar ainda será de 5 a 4 em favor do atual estado de coisas. O que o ainda secretário-executivo da Fazenda tem com a alta do dólar e dos juros futuros, além de nada? Ainda que tivesse, estaríamos diante da mais abjeta especulação. "Ah, mercados são assim mesmo; não têm moral". Falei de abjeção, não de algo surpreendente.

É claro que, em parte, a imprensa é responsável por esse clima. Em primeiro lugar, porque dá voz a tolos e lhes confere o status de "analistas". Em segundo lugar, mas não menos importante, porque faz do BC uma espécie de Oráculo de Delfos e de Roberto Campos Neto, a sacerdotisa Pítia — ninguém menos do que a voz de Apolo.

Ora, se o BC porta a verdade revelada, e seus críticos, a começar do presidente Lula, são pessoas com ideias desprezíveis, então alguns especuladores se sentem à vontade para criticar mesmo a indicação de um homem de mercado como Galípolo porque ele passaria a representar uma interferência no banco, como se a prerrogativa que tem o presidente de fazer a indicação não fosse, com efeito, a evidência da subordinação desse ente à democracia, o que também se revela pelo crivo por que deve passar o nome: o Senado.

Dei início a uma contagem regressiva para que surja alguém a questionar se faz sentido ser o presidente a indicar os diretores do Banco Central. Afinal, hão de sustentar esses iluminados, trata-se de um órgão técnico, que deve ser infenso às questões políticas. Como se não fosse demasiadamente político dizer-se infenso à... política.

O nome de Galípolo foi elogiado até por senadores da oposição, informa a Folha. O senador Ciro Nogueira (PP-PI), por exemplo, afirmou que o indicado "é o melhor nome da economia" e anteviu uma aprovação "sem grandes dificuldades". Para que não o confundam com um governista, resolveu embutir certa dose de crítica no elogio: "Grande indicação, mas vai deixar um vácuo muito grande na economia". Ele integra a CAE (Comissão de Assuntos Econômicos), que conduz a sabatina.

MAIS ALGUNS BILHÕES
Em apenas dois julgamentos em tribunais superiores, o governo ampliou a expectativa de arrecadação em estimados R$ 95,8 bilhões.

No dia 26 de abril, por 9 a zero, a 1ª Seção do STJ pôs fim a uma patranha com ICMS a grandes empresas que provocava uma sonegação de IRPJ (Imposto de Renda Sobre Pessoa Jurídica) e CSLL (Contribuição Social sobre Lucro Líquido) da ordem de 90 bilhões por ano.

Ontem, o STF formou maioria em favor do decreto do governo Lula que pôs fim a uma decisão tomada por Hamilton Mourão em 30 de dezembro do ano passado — sim, um dia antes de o governo chegar ao fim —, que reduzia de 0,65% para 0,33% e de 4% para 2%, respectivamente, as alíquotas de PIS/Pasep e Cofins incidentes sobre receitas financeiras das empresas que usam a tributação do lucro real.

O relator do caso era Ricardo Lewandowski. Acompanharam o seu voto pela validação do decreto de Lula os ministros Edson Fachin, Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes. André Mendonça, até agora, foi o único a divergir. Com o fim da patuscada de Mourão, o governo deixará de perder R$ 5,8 bilhões.

Duas vitórias importantes do governo. A bagatela soma quase R$ 100 bilhões. Parte "Duzmercáduz", claro!, prefere fingir que nada aconteceu. Fez estardalhaço quando se noticiou que o arcabouço fiscal teria de correr atrás de um aumento de arrecadação de R$ 150 bilhões. Dois terços desse valor já foram garantidos pela Justiça. Bastou corrigir a sanha de sonegadores e seus bate-paus que se disfarçavam de governantes.