Reinaldo Azevedo

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Opinião

Que parte da imprensa troque o apocalipse à moda Baby por 'Acabou Chorare'

Setores da imprensa brasileira, especialmente o colunismo e o editorialismo, andam com o "Complexo de Baby do Brasil". Por quê? Cantam "Menino do Rio?" Ou "Todo Dia Era Dia de Índio"? Quem sabe um "Brasileirinho"? Não! Basta que se lhes deem teclado ou microfone, e começam a nos macetar com o Apocalipse. Lula quase sempre é culpado de tudo. Mas sobra trombeta de censura até para o eficiente BNDES, especialmente se ele se comportar como aquilo que é: um banco de fomento. É muito impressionante!

São insaciáveis. Não chegam a repetir Baby em suas experiências de abdução ou de mergulho "na barriga de Deus" (!), como ela narrou num podcast. Mas há quem esteja certo de que penetrou na cabeça do Altíssimo, dada a onisciência. Erram tudo, é verdade. Mas não lhes falta convicção nem pose de Palas Atena. Chega a ser cômico.

CRESCIMENTO E ARRECADAÇÃO
É acordar, entrar em algumas páginas de notícias, e lá estão os anjos anunciadores do caos -- sempre com espírito de purificação, é claro. Leio que "Uzmercáduz" já começaram a rever as suas projeções de crescimento. Se a célebre Mãe Dinah, quando viva, errasse tanto em suas generalizações, não teria conseguido fazer fama. Parece-me que sabia operar com mais propriedade e cuidado ao menos o jogo do "pode ser que sim, pode ser que não". É que ela não aspirava à condição de porta-voz de uma ciência. Evocava arcanos de outras esferas...

Também Fernando Haddad, o ministro da Fazenda, chegou a ser caracterizado como um homem de bons propósitos, sim, mas um tanto inocente porque insistia nesse papo de elevar receita, o que as pitonisas asseguravam ser uma sandice — onde já se viu? Para esses de que falo, ajuste que não faz pobre gemer — além dos motivos que já são ditados pela sorte — não vale. E o ministro, sem jamais incentivar a gastança, resolveu mexer com os privilégios de alguns nababos.

A arrecadação cresceu 6,6% em janeiro em comparação com o mesmo mês do ano passado, recorde da série histórica, iniciada em 1995. Voltou-se a cobrar imposto sobre combustíveis; houve ganhos com na Previdência, em razão do mercado de trabalho; arrecadou-se mais IR com a taxação dos fundos exclusivos. Ignoradas as receitas não recorrentes, o crescimento é de 4,27%. "Ah, mas não vai ter déficit zero", ironiza o habitante da mente de Deus. É provável que não. Mas a antevisão à moda Baby, convenham, está bem mais distante.

ARTICULAÇÃO PÓLÍTICA
A articulação política, de fato, não é fácil. Desde que o Congresso passou a usurpar as funções do Executivo e se tornou o beneficiário de quase 25% do que resta de recursos para custeio e investimentos, a trabalheira é grande. Na semana, no entanto, em que se anteviu que Lula ficaria falando sozinho dentro e fora do Brasil, o presidente reuniu no Palácio da Alvorada o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e líderes de partidos que compõem a base aliada. Todos posaram sorridentes para fotos. O ministro Alexandre Padilha (Relações Institucionais) e Lira no mesmo retrato. Pode não ser a salvação, mas me parece que estamos um tantinho longe da hora final.

ISOLAMENTO INTERNACIONAL
O escarcéu maior, como se viu, decorreu da afirmação que fez Lula na Etiópia, quando evocou os crimes de Hitler contra os judeus -- ele não pronunciou a palavra "Holocausto" -- ao pedir o fim da matança em Gaza. Já me pronunciei várias vezes sobre o que considero impropriedade da associação, mas destacando que o presidente não o fazia para minimizar aquela tragédia, mas para tomá-la como extremo da fealdade e da desumanização do outro.

Estivessem certos os barateadores do Apocalipse, a reunião do G-20 no Brasil teria sido um desastre; os países redigiriam em penca de notas de repúdio a Lula; ele passaria a ser tratado como um pária e não teria mais voz nos fóruns internacionais e multilaterais. E, no entanto, isso não aconteceu nem vai acontecer. Ao contrário: a diplomacia brasileira mal conseguiu dar conta da quantidade de reuniões bilaterais no âmbito de G-20 e convidados.

Cada vez mais isolado no mundo, Benyamin Netanyahu resolveu usar o presidente brasileiro como bode expiatório e arrumou Israel Katz, um arruaceiro disfarçado de chanceler — é aquele que já propôs criar uma ilha artificial para abrigar os palestinos; seria, assim, um campo de concentração flutuante — para promover a guerra na Internet.

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O primeiro-ministro de Israel, que tem cada vez mais dificuldade para convencer a imprensa de seu país de que faz a coisa certa, passou a dar as cartas em parte considerável do jornalismo brasileiro. Nos textos indignados, houve-se por bem não mencionar nem mesmo um dos 30 mil cadáveres palestinos — 10 mil crianças. A máxima, parece, passou a ser a seguinte: não sendo, pois, Holocausto o que se dá em Gaza, pode tudo o que estiver abaixo. É tão decente como justificar o terrorismo do Hamas. A diferença só está no número de vítimas: 25 palestinos para cada israelense.

"FINDOMUNDISMO" E AVANÇO
Esse "findomundismo" é, acima de tudo, aborrecido. E, no entanto, o Brasil não acabou nem acaba amanhã. Por enquanto, as instituições estão triunfando sobre o caos, mas as forças da disrupção continuam operantes. Convém não se distrair. Esta quinta, como destaquei aqui ontem, foi feliz. Flávio Dino, um homem honrado, assumiu a sua cadeira no Supremo. Bolsonaro, um "homem bolsonaro", e outros golpistas tiveram de sentar numa cadeira na PF, tenham silenciado -- a exemplo do chefe -- ou não.

Defensores e articuladores do golpe marcaram um ato contra a Corte no domingo, na Avenida Paulista. O governador Tarcísio de Freitas estará no palanque e vai discursar. Mais: ofereceu o Palácio dos Bandeirantes como pousada a seus "líder", aquele mesmo flagrado na reunião de 5 de julho a articular o golpe.

É perfeitamente possível não gostar do governo sem prever o fim do mundo a toda hora. Há que se fazer a distinção ente aquilo de que eventualmente não se gosta e o intolerável. E, para este escriba ao menos, intolerável é o ataque à democracia e às instituições, como se verá de novo no dia 25.

ENCERRO
Falei de Baby do Brasil, que era "Consuelo" no tempo dos Novos Baianos.

A propósito: sugiro que esses setores da imprensa de que falo deixem o Apocalipse de lado e ouçam o clássico "Acabou Chorare". Lula venceu a eleição e não tem de fazer tudo errado, o tempo todo, para que vocês possam estar certos de vez em quando.

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Abandonem esse lugar que pensam ser a cabeça de Deus. Não é. Trata-se apenas de uma bolha de arrogância e de ódio à política que já nos custou muito caro.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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