Reinaldo Azevedo

Reinaldo Azevedo

Siga nas redes
Só para assinantesAssine UOL
Opinião

Foro: Proposta correta de Gilmar tem maioria; os reaças querem fugir do STF

Pronto! Já se formou maioria de seis votos no Supremo para mudar a prática em curso sobre o foro especial por prerrogativa de função, que é tolamente chamado de "privilegiado". Fosse um "privilégio", a extrema-direita estaria agarrada a ele. Como se trata de cumprir o espírito da Constituição, os ditos "patriotas" querem é arrumar uma maneira de fugir. Sentem ali o incômodo cheiro da Justiça. Não combina com o seu DNA.

Já escrevi uma coluna sobre a alteração, que considero necessária. Ao julgar dois casos concretos, de que é relator, o ministro Gilmar Mendes propôs um entendimento que não apenas mantém o que se decidiu em 2018 como, ao corrigir a distorção, expõe a essência daquela decisão. Explico. Como funciona hoje?

"1) A prerrogativa de foro se limita aos crimes cometidos no exercício do cargo e em razão dele;
2) a jurisdição do STF se perpetua caso tenha havido o encerramento da instrução processual -- leia-se: intimação das partes para apresentação das derradeiras alegações -- antes da extinção do mandato."

Se o indivíduo deixa o cargo antes das alegações finais ou se há renúncia, o processo deixa o foro em que está — para deputados e senadores, é o Supremo — e migra para a primeira instância. A prática demonstra que um dos objetivos pretendidos há quase seis anos se frustrou. Em vez de celeridade, o que se tem é morosidade.

E que entendimento propôs Gilmar? Este:
"A prerrogativa de foro para julgamento de crimes praticados no cargo e em razão das funções subsiste mesmo após o afastamento do cargo, ainda que o inquérito ou a ação penal sejam iniciados depois de cessado seu exercício."

Ora, se esse foro especial vale para crimes cometidos "no exercício do cargo", fica claro que o dito-cujo detém a prerrogativa, não a pessoa.

O julgamento se dá no plenário virtual. Já haviam acompanhado Gilmar os ministros Cristiano Zanin, Flávio Dino, Alexandre de Moraes e Dias Toffoli. Roberto Barroso, que pedira vista, juntou-se ontem ao grupo, formando a maioria de seis. Desta feita, quem pediu mais tempo foi André Mendonça.

A propósito: Dino sugere um acréscimo, que me parece correto:
"Em qualquer hipótese de foro por prerrogativa de função, não haverá alteração de competência com a investidura em outro cargo público, ou a sua perda, prevalecendo o foro cabível no momento da instauração da investigação pelo Tribunal competente."

Que se observe: a eventual migração de um processo para a primeira instância pode expor a pessoa a perseguições de natureza paroquial. E, eu sei, outros hão de preferir o tribunal de sua aldeia, numa ação entre amigos. O foro, na verdade, pode ser uma garantia contra o punitivismo seletivo e contra a impunidade pactuada.

Continua após a publicidade

A FUGA
Parlamentares da extrema-direita e alguns do centrão estão querendo justamente fugir do Supremo. Os mais afoitos falam em dar continuidade a texto aprovado no Senado em 2017 e que está parado na Câmara desde 2018, já aprovado na CCJ e na Comissão Especial, que limite o foro aos respectivos presidentes dos três Poderes (também o da Câmara) e ao vice-presidente. Todos os demais iriam para a primeira instância da Justiça Estadual e eventualmente da federal. Já imaginaram o magistrado de Terra de Ninguém do Sul conduzindo um processo contra um ministro de Estado ou da corte suprema?

É claro que os que defendem essa maluquice estão apostando que vão conseguir resolver tudo na maciota, lá no escondidinho de suas querências. Opa! Acabei de me lembrar do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), aquele que reivindicou o foro especial antes que o galo cantasse a terceira vez...

Outra possibilidade para "dar uma resposta ao STF" é estabelecer a Justiça Federal ou o STJ como o foro para deputados e senadores. Uma pergunta meramente retórica, porque absurda, embora seja um desdobramento lógico das feitiçarias da turma que protagoniza o filme "Corra que o Supremo Vem Aí": alguém ousaria sugerir, sei lá, a vedação ao Recurso Extraordinário, banindo de vez a corte constitucional de julgamentos que envolvam políticos e autoridades?

A mudança proposta por Gilmar, que já conta com seis votos, preserva a essência do fundamento da mudança efetivada em 2018. Os que hoje estão com medo da Corte procuram ou a impunidade para si ou para os de sua turma, na esperança de que poderão arranjar as coisas em, digamos, ambientes mais maleáveis a um... bom papo.

"Então a mudança busca mesmo punir?" Não. Isso é conversa de quem sabe o que fez no verão passado ou está disposto a fazer no próximo. O foro especial também protege da perseguição. Nem a impunidade pactuada, nem o punitivismo seletivo!

Tentando confrontar o tribunal, há muito tempo disposto a dar um tiro no pé.

Continua após a publicidade

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

Deixe seu comentário

Só para assinantes