A utopia da extrema direita no Rio: testosterona, teocracia, Musk e delírio
Convenham: a expectativa era a de que o Brasil assistiria neste domingo a uma manifestação realmente histórica do bolsonarismo contra o Supremo — contra Alexandre de Moraes em particular. Afinal, essa gente toda, até o próprio Jair Bolsonaro, tem Elon Musk como guia. E o cara decidiu que o país pode ser um brinquedinho seu. Mais: sob o pretexto de combater os supostos superpoderes de Alexandre de Moraes, já nem se pode dizer que "deu match" entre parte da imprensa e o bolsonarismo. Fizeram mais do que enviar coraçõezinhos verdes. E, no entanto, a "megamanifestação" foi um fiasco. Tratou-se de um evento bastante eloquente.
Coube ao bolsonarista mais jovem a ter acesso ao palanque esboçar, finalmente, um programa de extrema direita. Ninguém sabe exatamente o que querem esses valentes. O deputado Nikolas Ferreira (PL-MG), um dos mais aplaudidos pelas pouco mais de 30 mil pessoas presentes, resumiu o propósito de longo prazo daqueles varões e varoas de Plutarco:
"Este país não precisa de mais projetos de lei; este país não precisa de mais emenda. Este país precisa de homens com testosterona. É isso que esse país precisa".
Certo. Mas não se constrói uma nação só com hormônios. E Michelle estava lá para lembrar mais uma vez que a política tem de estabelecer "o reino de Deus na Terra" — o que os livros de história costumam chamar "teocracia". Ela também aproveitou para atacar as feministas, opondo-as às femininas...
E pronto. Essas eram as utopias. O resto veio na forma de rancor.
MALAFAIA E O GOLPE
O militante político de extrema direita Silas Malafaia, que atua como pastor, é um dos organizadores também deste evento. Chamou o ministro Alexandre de Moraes de "ditador" e disse que a tal minuta golpista apresentada por Bolsonaro era uma simples "proposta". Aos berros, como de hábito, assumindo a posição de juiz universal que julga por intermédio de interrogações, mandou brasa: "Onde é que está a ilegalidade dessa proposta?"
Alguém acha que ele quer mesmo saber a resposta?
O Malafaia que nega o golpismo de Bolsonaro prega ele próprio um tipo muito particular de golpe militar. Afirmou:
"Se esses comandantes militares honram a farda que vestem, renunciem aos seus cargos e que nenhum outro comandante assuma até que haja uma investigação do Senado. E o senhor presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, frouxo, covarde e omisso, vai ser acusado de prevaricação".
Para quem não entendeu: o digníssimo está afirmando que os comandantes militares devem, então, abrir mão da defesa do país enquanto Pacheco não encaminhar o impeachment de Moraes. Eis a direita com a qual uma parte da imprensa decidiu flertar. Afinal, sabem como é..., o ministro estaria botando a democracia em risco, não é verdade?
Que nome daríamos a um regime em que os militares dissessem "ou se encaminha o impeachment de um ministro do STF, ou as Forças Armadas ficam acéfalas"?
Na quarta passada, Tomás Paiva, comandante do Exército, esteve numa comissão da Câmara, acompanhado pelos outros dois comandantes militares e pelo ministro José Múcio (Defesa). Foi abertamente instado pelo deputado bolsonarista Marcel Van Hatten (Novo-RS) a dar um golpe.
Como fica claro a cada dia, a pauta dessa gente não mudou.
BOLSONARO
Bolsonaro, estrela maior da pantomima, também falou:
"Eles fizeram voltar à cena do crime o maior ladrão da história do Brasil. Um apoiador de ditaduras. O que eles querem é a ditadura, com o controle social da mídia. Acusam agora o homem mais rico do mundo, que é dono de uma plataforma cujo objetivo é fazer com que o mundo todo seja livre, que é o X, o nosso antigo Twitter. É um homem que preserva pela liberdade para todos nós, que teve coragem de mostrar com todas as provas para onde nossa democracia estava indo."
Assim o futuro habitante da Papuda — ou de outro presídio acordado com a sua defesa — trata o Supremo Tribunal Federal. A reverência a Elon Musk, na sua boca e na de vários oradores, expõe a natureza subalterna desses patriotas, mas também serve de alerta: estão mais organizados do que gostam de admitir seus adversários e são mais perigosos do que reconhecem os covardes, que subestimam sua capacidade e seu potencial destrutivos porque, desse modo, podem se eximir de combatê-los. O primeiro impulso do preguiçoso ou do covarde e subestimar a gravidade de um problema e os riscos que comportam.
É nesse contexto, diga-se, que Moraes, que integra o grupo dos combatentes contra o golpe, virou alvo de ataque de setores da imprensa, que passaram, então, a tratar os criminosos como vítimas ou da intolerância do ministro ou de suas decisões arbitrárias — não reconheço, já deixei claro, nem uma coisa nem outra. Quem ignorava a lei para "fazer justiça" era a Lava Jato. Alguns dos que atacam o ministro hoje, note-se, eram e são notórios lava-jatistas.
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Esperava-se um evento verdadeiramente retumbante. As circunstâncias nunca foram tão propícias, e os apoiadores explícitos ou ainda enrustidos -- essa vergonha logo passa... -- jamais tiveram tanto peso. E, no entanto, assistiu-se a um troço mirrado. Mas se desenhou um plano de país: o governante tem de ser um homem com muita testosterona, que busca criar o reino de Deus na terra, sob as ordens de Elon Musk.
E, por óbvio, essa gente não é carta fora do baralho. Uma cochilada da na vigilância democrática, e os neofascistas voltam.
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