Em meio a presos e mortos, Maduro radicaliza e ameaça com 'nova revolução'
O ditador Nicolás Maduro teve uma ideia para tentar resolver, a seu modo, a crise no seu país -- além da prisão, enquanto escrevo (madrugada de quinta), de mais de mil pessoas e da morte de outras 20: acusar a oposição de ter as "mãos sujas de sangue" e pregar a prisão de Edmundo González, o candidato que, tudo indica, venceu o pleito, e da líder oposicionista María Corina Machado, que não pôde concorrer porque eleitoralmente inabilitada pela ditadura. Numa entrevista coletiva à imprensa internacional na tarde ontem, vociferou:
"Essas pessoas têm de estar atrás das grades e tem de haver justiça".
E provocou:
"Senhor González Urrutia, dê as caras, saia do seu esconderijo. Não seja covarde, senhora Machado! Vocês têm as mãos sujas de sangue".
Ele também resolveu ter algumas antevisões políticas, deixando claro como enxerga o exercício do poder e o papel que está reservado à oposição:
"Eles são danosos à Venezuela; não estão capacitados para ter o poder político, governar este país, e nunca chegarão ao poder político. Garanto a vocês, e sei o que digo: esses criminosos nunca chegarão [ao poder]".
É a fala de um homem mais acuado do que parece. Tudo indica que não há escapatória ao regime a não ser apresentar as atas eleitorais -- e sem sinais de adulteração -- ou mergulhar no caos, com massacres. Ninguém acredita que Maduro possa fazê-lo, ou a crise já estaria resolvida. A sua fala assumiu um tom sinistro. Lembrando a deposição e reentronização relâmpagos de Hugo Chávez, em 2002, afirmou:
"Quantas vezes já tentaram me derrubar. Há 22 anos, neste mesmo lugar, Carmona Estanga, por decreto, dissolveu todos os Poderes constituídos, deu ordem para matar o presidente Chávez, e isso apareceu em todas as emissoras de televisão, rádios, jornais e agências hegemônicas (...)".
Para lembrar: Estanga é um empresário, que se juntou a militares para depor Chávez, autodeclarando-se presidente. Ficou "no cargo" por dois dias. O coronel voltou. Sem dúvida, tratou-se de um golpe malogrado. E o que se passa agora na Venezuela não tem nenhuma relação com aquela patuscada. É tática manjada associar os adversários ao Belzebu -- ele mesmo os chamou de "demônios" e "demônias" -- para jistificar a repressão. E eis Maduro, mais uma vez, a evocar o tal "banho de sangue":
"Esta é uma revolução armada dos militares e do povo (...) Estamos aqui porque temos uma causa, queremos que tudo continue constitucional e pacífico. A Venezuela, neste momento, está em paz. Quiseram nos impor um roteiro a partir dos Estados Unidos e da direita internacional. Quem mexe comigo se dá mal. Elon Musk está todo assustado... Bolsonaro, [Javier] Milei, [Daniel] Noboa [presidente do Equador], o repressor assassino [Nayibi] Bukele [presidente de El Salvador], o Vox, os traficantes de drogas da Colômbia, [Gustavo] Uribe, [Iván] Duque [ex-presidentes da Colômbia]... Eles vêm em busca da joia da coroa [a Venezuela]. Não queremos ir para outras formas de fazer revolução; queremos continuar o caminho que Chávez traçou, mas, se o imperialismo e os fascistas nos forçarem, meu Deus! O pulso não hesitará a chamar o povo a uma nova revolução, com outras características".
Não duvido de que esses direitistas e conservadores não gostem de Maduro, incluindo os membros do Vox, partido da extrema-direita espanhola. Ou Musk, que andou batendo boca com o tirano nas redes. Mas onde está a armação? Tudo indica que os únicos que "conspiraram" contra o ditador foram os eleitores.
Como se lê acima, ele diz que tentam lhe impor um roteiro. O dele já está pronto. Citando o procurador-geral Tarek William Saab, um de seus esbirros, anunciou admitiu a existência de mais de mil presos e detenção de um suposto sabotador, ainda no dia da eleição, que pretenderia atacar a hidrelétrica de Guri:
"Esse era o objetivo. Imaginem um país sem energia elétrica no domingo e na segunda-feira. Acordaram com uma contrarrevolução criminosa e fascista".
E que saída, que saída não é, Maduro ofereceu?
"Hoje fui com a Constituição nas mãos ao TSJ [Tribunal Superior de Justiça]. Esse assunto deve ser resolvido com as instituições venezuelanas. Pedi à Câmara Eleitoral [do TSJ] que estabeleça claramente os resultados que me dão como vencedor na eleição; um processo eleitoral que incluiu 16 auditorias (...) Coloquei-me à disposição para ser submetido a qualquer interrogatório ou investigação."
E emendou:
"Estamos prontos para entregar 100% das atas ao TSJ quando a Câmara Eleitoral assim o exigir"
Também o tribunal é um braço do chavismo. Como se nota, ele está pronto para ser interrogado e investigado pelo ente que ele mesmo controla.
Não sendo como quer, não hesitará um chamar "o povo para uma nova revolução". É o prometido banho de sangue que assustou Lula, a quem ele recomendou "chá de camomila".
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