Reinaldo Azevedo

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Opinião

Mentira de Sóstenes 1: Anistia ilegal contemplaria Bolsonaro e afins. Provo

Tão logo anunciou que havia conseguido o número de deputados para requerer urgência para o projeto de lei da impunidade e da sem-vergonhice, a que chamam "anistia", o deputado Sóstenes Cavalcante (RJ), líder do PL na Câmara, resolveu contar uma lorota em entrevista coletiva. Aliás, eis uma outra ousadia destes tempos, em que também a imprensa anda um tanto zonza: o sujeito vai lá, mente sem nenhum pudor na certeza de que "sua versão da verdade" será respeitada. Se tudo, afinal, é "narrativa", dado o emprego perverso da palavra, eles teriam direito à deles, com o que condescende certo jornalismo que, igualmente, perdeu o pudor.

Disse Sóstenes que Jair Bolsonaro não seria beneficiado pelo projeto de anistia porque, afirmou, ainda não existiria proposta nenhuma. É sério? Este senhor, então, teria resolvido fazer um abaixo-assinado em favor de um texto que não existe? Seria urgência para um projeto de lei a ser ainda formulado? E isso é dito assim, de cara lavada, contra os fatos e sob silêncios cúmplices.

Sim, existe! Trata-se do substitutivo do deputado Rodrigo Valadares (União-SE). Estava pronto para ser votado na Comissão de Constituição e Justiça, quando foi retirado por interferência do então presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). É uma aberração que livra a cara, atenção!, de golpistas passados, presentes e futuros. Vamos ver?

Leiam o que diz o Artigo 1º:
"Art. 1º Ficam anistiados todos os que participaram de manifestações com motivação política e/ou eleitoral, ou as apoiaram, por quaisquer meios, inclusive contribuições, doações, apoio logístico ou prestação de serviços e publicações em mídias sociais e plataformas, entre o dia 08 de janeiro de 2023 e o dia de entrada em vigor desta Lei."

Finge-se que o objetivo é beneficiar os pobres incautos da bandeira e da Bíblia, como dizem, ou a cabeleireira do batom, daí a referência ao dia 8 de janeiro de 2023. Observem, no entanto, que já se recua no tempo quando se apagam também os crimes dos que atuaram na preparação do ato — "inclusive contribuições, doações, apoio logístico ou prestação de serviços e publicações em mídias sociais e plataformas" —, e, o mais fabuloso, anistiam-se crimes que nem foram cometidos ainda: "entre o dia 08 de janeiro de 2023 e o dia de entrada em vigor desta Lei."

ONDE O PROJETO DE LEI SOLETRA "BOLSONARO"
Alguém dirá: "Ah, mas se entende que os atos anteriores ao 8 de janeiro de 2023 têm de estar relacionados àquela invasão propriamente, Reinaldo! Não exagere na crítica". É? Prestem atenção ao Parágrafo 3º deste Artigo 1º:

"§ 3º Fica também concedida anistia a todos que participaram de eventos subsequentes ou eventos anteriores aos fatos acontecidos em 08 de janeiro de 2023, desde que mantenham correlação com os eventos acima citados."

Pronto! Aí está a esbórnia geral. Logo, Sóstenes contou uma mentira quando afirmou que Bolsonaro não estaria contemplado e que não há texto nenhum. Propõe-se que se esqueçam, que se apaguem da história, os crimes cometidos pelo então presidente, pelos militares golpistas, por todos aqueles que se insurgiram contra o resultado da eleição ou que, antes mesmo do pleito, tentaram impedi-lo, como fizeram o então mandatário e alguns de seus homens de confiança.

Parece pouco? O Parágrafo 1º abre ainda brecha para anular as condenações de Bolsonaro no TSE. Lá está escrito:
"§ 1º A anistia de que trata o caput compreende os crimes com motivação política e/ou eleitoral, ou a estes conexos, bem como aqueles definidos no Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal."

Vocês certamente atentaram para a expressão "os crimes com motivação política e/ou eleitoral"...

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Valadares não economizou. Ele também deu à luz este notável Parágrafo 2º:
"§ 2º A anistia de que trata esta Lei abrange quaisquer medidas de restrições de direitos, inclusive impostas por liminares, medidas cautelares, sentenças transitadas ou não em julgado que limitem a liberdade de expressão e manifestação de caráter político e/ou eleitoral, nos meios de comunicação social, plataformas e mídias sociais."

Como não se trata exatamente de uma lei de anistia, mas de uma afronta ao Poder Judiciário e de uma tentativa de fazer do Congresso uma Casa revisora do Judiciário, o autor não se limita a tornar sem efeito eventuais condenações. Anulam-se todas e quaisquer decisões da Justiça anteriores ou posteriores aos atos de 8 de janeiro, desde que se possa alegar "conexão" com eles.

No Artigo 2º, num elogio do vício à virtude, exclui do benefício os crimes contra o patrimônio, com penas pequenas. É como se dissesse: "Não podemos anistiar a depredação. Isso é muito grave. Só vamos esquecer, para efeitos penais, as tentativas de golpe de estado e de abolição do estado de direito e crime de organização criminosa".

AMEAÇA AO JUDICIÁRIO E PROIBIÇÃO DE INVESTIGAR CRIMES
A infâmia não estaria completa, no que diz respeito à promoção da impunidade, se a proposta não ameaçasse o Poder Judiciário. No Artigo 3º, escreve Valadares:

"Art. 3° Caso ocorra o descumprimento desta lei, será caracterizado como abuso de autoridade, nos termos do art. 27 da Lei no 13.869, de 5 de setembro de 2019, nos casos em que decorra a instauração de procedimento investigatório referente aos fatos caracterizados no caput."

Não sei se entenderam: o glorioso deputado, que produz um vomitório introdutório à proposta para demonstrar que o Brasil sempre foi marcado pela "polarização" — olhem aí a palavrinha cretina sendo empregada para tentar promover a impunidade —, achou que era o caso de ameaçar os juízes, o Ministério Público e a Polícia Federal. Assim, se aparecer evidência de algum crime que se pode considerar conexo ao 8 de janeiro de 2023 — e tudo o que aconteceu antes ou depois —, que ninguém ouse investigar ou atuar segundo a sua competência.

Valadares, este impressionante legislador, quer deixar consignado em lei que é proibido investigar quem transgride a lei em caso de tentativa de golpe de estado.

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Estamos diante de uma perversão legislativa inconstitucional, que usa alguns condenados do 8 de janeiro como pretexto para garantir a impunidade aos chefões golpistas, muito especialmente Bolsonaro, e que busca humilhar o Supremo.

Não se trata de um projeto de lei de anistia, mas de uma canalhice em favor da impunidade.

E, saibam, a coisa não para por aí. Leiam "Mentira de Sóstenes 2: texto de Valadares pouparia até fascistoides futuros"

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

90 comentários

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Luis Alberto de Araujo Ramos

Agora vem projeto com ar de perdão, anistia pro 08 de janeiro e sua invasão. Dizem que é paz, que o país precisa curar, mas querem é livrar quem tentou golpear. Falam de união, de feridas doídas, mas esquecem das mortes e portas partidas. Querem apagar com caneta e café, o dia em que rasgaram a Constituição de pé. Anistiar golpe é brincar com o chão, que sustenta o Estado e sua razão. Se invadir palácio virar só deslize, então a democracia vira meme — e reprise. E o Congresso, eleito pelo voto fiel, agora flerta com golpe em papel. Assina sorrindo o esquecimento legal, como se anistiar crime fosse ato moral. Bradam em nome da pátria ferida, mas cospem no pacto que garante a vida. De democratas só sobra o crachá, o resto é teatro — pra plateia aplaudir e chorar. — Versos de Resistência Sarcástica - rima que cutuca até com flor.

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Marcos Montanheiro

Reinaldo, até um cacto tem mais credibilidade que você.

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Aldo Roberto Antunes

Não se deve acreditar mais nem em quem tem é conhecido como "pastor". Vemos deputados pastores sendo políticos profissionais e apoiando ANISTIA a criminosos, inclusive falando mentiras e discursos enganosos para iludir. Esse projeto de anistia busca liberar quem praticou VÁRIOS atos criminosos a campanha eleitoral em outubro de 2022 até o dia dos atos praticados na Praça dos Três Poderes, em janeiro de 2023.  Lógico que tais "pastores" estão recebendo cifras milionárias de quem financiou esses atos e, portanto, já preparam outras práticas de crimes ainda piores. Mas, essa lei é INCONSTITUCIONAL e o STF não poderá deixar de anular, se for aprovada.

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