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Ronilso Pacheco

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Evento da extrema-direita prevê participação de secretária de Damares

Angela Gandra, secretária nacional da Família do ministério de Damares Alves - Reprodução
Angela Gandra, secretária nacional da Família do ministério de Damares Alves Imagem: Reprodução

15/02/2022 04h00

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A Cúpula Transatlântica, evento que acontecerá em maio em Budapeste, na Hungria, e costuma reunir nomes proeminentes da extrema-direita na Europa e nos Estados Unidos, prevê em sua 4ª edição a participação da secretária nacional da Família, Angela Gandra, do Ministério da Família, Mulheres e Direitos Humanos, comandando por Damares Alves.

Em setembro, Angela fez uma turnê por vários países, participando de debates e reuniões com grupos religiosos. Dessa vez, o evento é organizado pela Rede Política por Valores (Political Network for Values) —essa rede internacional, que envolve atores políticos e ativistas, se diz promotora da proteção da vida humana desde a concepção, casamento, família e liberdade religiosa.

No entanto, onde lemos "liberdade religiosa", na verdade significa a "imposição de um cristianismo ultraconservador". Para esta edição, o encontro terá como tema "A liberdade em jogo". A participação da secretária brasileira está prevista para o último dia.

Na mesa, que discutirá "O futuro dos valores conservadores", devem participar com Angela nomes como o do norte-americano Brian Brow, presidente da Organização Internacional para a Família, e o do polêmico político húngaro Tristan Azbej, da Secretaria de Apoio aos Cristãos Perseguidos, do governo da Hungria.

A organização de Brian Brown, por exemplo, é considerada nos Estados Unidos uma organização anti-LGBTQIA+ das mais agressivas do país desde que foi formado em 2007 como Organização Internacional para o Casamento. Eles foram fundamentais para a aprovação da chamada "Proposta 8", em 2008, a qual proibiu o casamento gay na Califórnia.

A proposta só foi superada em 2015, quando a Suprema Corte reconheceu o casamento gay como válido e pleno de direitos em todo o país. Se a Constituição brasileira reconhece a legitimidade do casamento homoafetivo, por que a representante do Ministério da Família vai dividir a mesa com lideranças que abertamente perseguem e sabotam esse direito?

O primeiro painel do encontro contará com o fundador do partido de extrema-direita espanhol Vox, Santiago Abascal, politico com diversas declarações xenófobas contra a presença de imigrantes na Espanha e que considera que o país sofre um processo de "islamização". Seu painel falará sobre "liderar a mudança para valores conservadores e cristãos".

Também estará no evento a senadora do Iowa, nos EUA, Amy Sinclair. Trumpista radical, ela tem sido uma das mais combativas naquele estado para derrubar dos currículos escolares aulas e treinamentos sobre a importância da diversidade, incluindo a discussão sobre raça e questão racial.

É decisão do governo brasileiro enviar representantes para qualquer evento internacional para o qual seja convidado e/ou considere relevante. No entanto, é profundamente temerário quando o país se compromete abertamente com um encontro ligado a uma agenda ideológica de extrema-direita que tolera perseguição e negação de direitos a minorias sociais do seu território.

A coluna questionou o ministério de Damares sobre a ida de Angela Gandra ao evento em Budapeste. A pasta informou que ainda não foi iniciado qualquer processo de afastamento para a viagem e que, se ela for, a secretária deve fazê-lo por conta própria, como ocorrido em outras ocasiões.

Também não parece razoável e ético que o governo se faça representar em um evento que busca promover uma supremacia cristã sobre todas as sociedades.

Ainda que um presidente tenha o direito de priorizar ministros, secretários e assessores alinhados com sua identificação religiosa, é constitucionalmente vedado a ele o direito de priorizar uma crença religiosa como superior, mais relevante ou orientadora de política pública para o país.

O governo brasileiro também é sustentado pelo dinheiro de candomblecistas, umbandistas, budistas, muçulmanos, ateus, entre outros.

Ao permitir que uma representante fale, enquanto secretária de um ministério, em um evento que está propondo a imposição dos valores de uma crença religiosa específica para dirigir a vida da sociedade, o governo fere diretamente a laicidade do estado. Isso é nacionalismo cristão.

A colunista do UOL Juliana Dal Piva já informou, em fevereiro do ano passado, sobre uma viagem de Angela Gandra à Polônia. Na ocasião, segundo a coluna, Gandra cruzou o oceano Atlântico, em plena pandemia de covid-19, para apoiar pessoalmente em Varsóvia, capital polonesa, decisão que restringiu ainda mais o aborto naquele país.

Ela teria viajado com despesas pagas pelo Instituto Ordo Iuris, uma das organizações ultraconservadoras privadas mais influentes naquele país. A reportagem ainda diz que, em 13 de novembro de 2020, foi realizada uma reunião no Ministério da Justiça daquele país entre os políticos Michal Wójcik, Janusz Kowalski, Michal Wos e Angela Gandra.

O governo brasileiro deve explicações sobre a participação dela em tal evento e sobre que tipo de benefícios e interesse nacional isso pode ter para o Brasil e para a diversidade da população.