Semana de combate à intolerância religiosa: a força política dos terreiros

Nesta sexta encerra-se uma semana de debates e discussões em torno do combate à intolerância religiosa e o racismo religioso no Brasil. Midiaticamente, o debate deste flagelo no Brasil foi engolido pela posse de Donald Trump, suas medidas, e, claro, a derrota do governo sobre o Pix.
Mas no dia a dia, muitas pessoas seguem sendo hostilizadas, atacadas e ameaçadas por sua prática religiosa. E dificilmente essa hostilidade é mais sentida, moral e fisicamente, do que pelas pessoas praticantes das religiões de matriz africana. Hoje, os povos de terreiro se vestem de branco. Mas a paz, o sossego e o respeito para essas pessoas, ainda parece longe.
O Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, instituído e celebrado em 21 de janeiro, carrega a força da luta dos povos e comunidades de terreiro contra o racismo religioso.
A data homenageia a ialorixá Gildásia dos Santos, a Mãe Gilda de Ogum, fundadora do Ilê Axé Abassá de Ogum, em Salvador. A ialorixá foi alvo de calúnias e agressões que desencadearam um infarto fulminante.

Há 25 anos, Mãe Gilda de Ogum, tornou-se uma vítima fatal do racismo religioso e um símbolo da luta pelo direito de Ser e Existir plenamente do povo de terreiro.
Lideranças como as ialorixás e babalorixás, são fonte inesgotável de sabedoria e representam o chão sagrado do qual floresce as tradições do povo de terreiro no Brasil. As quase três décadas do falecimento de mãe Gilda de Ogum, simbolizam a perda de um patrimônio vivo.
O ataque às pessoas de candomblé, umbanda, e demais religiões de matriz africana, bem como aos seus terreiros, seus espaços sagrados, é uma violência a todo o complexo cultural e espiritual que resiste e seguirá resistindo a despeito da demonização e demais agressões.
A força política e espiritual dos terreiros
As histórias que são ritmadas pelos atabaques e cânticos ancestrais vivenciadas dentro dos terreiros carregam a cura em suas várias dimensões.
Jogos de búzios que revelam os bons caminhos que devem ser seguidos por meio do autoconhecimento, Orixás que orientam sobre a urgência de buscar um médico, e ebós que trazem harmonia da pessoa consigo e com o mundo.
Sonhos que abrem portais entre mundos e transmitem orientações e banhos de ervas que limpam e restauram a energia vital. E há o ritual do bori que fortalece a cabeça, nutre o corpo e o espírito, restabelecendo o equilíbrio.
Os terreiros não nos deixam esquecer nossa origem, história, cultura e ancestralidade. A nossa interconexão com nossos Orixás/Voduns/Nkisi, natureza, ancestrais e Cosmo fortalecem nossas vidas e o nosso sentido de humanidade negra. O nosso axé segue vivo e pulsante dentro e no meio de nós.
Terreiros: espaços de humanização e subversão
Para o povo de axé, cuidar da saúde é mais do que o ritual. É o próprio modo de existir, são "jeitos negros" que garantem nossa humanidade, enfrenta os males do racismo e antagoniza o modelo de sociabilidade branco ocidental.
Makota Valdina afirma que "o processo de cuidar da saúde no terreiro envolve muita coisa. Vai muito além de um chá, um remédio, de um banho, de um ebó, de um trabalho... É o próprio jeito de ser, de fazer, de viver, de interagir que promove saúde, que ameniza a doença que a gente tem que conviver a cada instante que é o racismo".
A reorganização nos terreiros é um dos acontecimentos fundamentais à preservação e continuidade das pessoas negras com seus jeitos de ser, de fazer, de viver e de interagir que configuram um rosto próprio.
O ecoar de nossos atabaques, cantigas e rezas que atravessam nosso corpo fazendo vibrar a vida, o nosso modo de vida conectado à terra e aos ancestrais e o nosso viver como comunidade de terreiro, são as possibilidades cotidianas e abundantes de uma existência plena.
*L. Obalerá é homem negro de candomblé, ebomi de Omolu. Mestre em filosofia pela UFRRJ e cientista social pela PUC-Rio. Pesquisador-ativista, atua nas áreas de relações raciais, racismo religioso, direitos humanos, intolerância religiosa, filosofia africana e afrodiaspórica.
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