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País faz diplomacia paralela com extrema-direita, Opus Dei e negacionistas
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Resumo da notícia
- Sem Ernesto Araújo no Itamaraty, rede de contatos com grupos religiosos fica sob o comando do Ministério da Família, Mulheres e Direitos Humanos
- Em recente viagem, secretária Angela Gandra esteve com membros do Opus Dei e movimentos ultraconservadores
- No Brasil, Damares Alves recebeu jornalistas ligados ao movimento de extrema-direita na Alemanha
A queda de Ernesto Araújo do comando do Itamaraty não desmontou a estratégia de política externa do governo de Jair Bolsonaro (sem partido) de ampliar alianças com grupos ultraconservadores, principalmente na Europa.
No início de setembro, coube à Secretária Nacional da Família do ministério comandado por Damares Alves realizar uma turnê por vários países, participando de debates e reuniões com grupos religiosos. Ângela Gandra passou por países como Ucrânia, Portugal e Espanha.
Oficialmente, o Ministério da Família, Mulheres e Direitos Humanos informou à reportagem que Angela Gandra tirou férias entre os dias 2 e 12 de setembro. «Portanto, ela estava afastada das funções públicas», disse. Mas o governo não respondeu ao ser questionado sobre quem teria pago pela viagem da secretária. A pasta tampouco explicou o que foi tratado em cada uma das paradas da secretária.
Em suas redes sociais, porém, a brasileira divulgou fotos de sua participação, em Kiev, da Prayer Breakfast, uma tradição que começou nos EUA em 1935 e que envolve a reunião de políticos e movimentos ultraconservadores cristãos poderosos.
O movimento ganhou notoriedade ainda quando um documentário na Netflix, The Family, revelou a dimensão do poder de seus membros e como atuam para manobrar o destino de leis e governos. Um de seus lemas é manter "uma diplomacia cristã invisível".
Angela Gandra, em suas redes sociais, indicou que defendeu valores conservadores em suas intervenções e indicou como ouviu "de várias pessoas que encontram inspiração no Brasil".
Nas redes sociais, a deputada ucraniana Anna Purtova agradeceu as visitas estrangeiras ao evento e qualificou o Brasil como um "parceiro estratégico" para o "sucesso da Ucrânia".
Apesar de estar oficialmente de férias, no dia 7 de setembro, a secretária esteve na festa na embaixada do Brasil em Kiev pelo dia da Independência. Ela ainda publicou fotos com parlamentares ucranianos.
Na capital ucraniana, o evento é liderado por pessoas como Pavlo Unguryan que, quando deputado, apresentou vários projetos de lei para "banir a propaganda homossexual". Unguryan atua em parceria com a Aliança Ucrânia pela Família e tem vínculos com a direita religiosa norte-americana, mantendo relações com Mike Pence, vice-presidente dos EUA sob o governo de Donald Trump.
Ele também mantém estreita relação com Sam Brownback, embaixador geral da iniciativa para Liberdade Religiosa Internacional, coalizão da qual o governo brasileiro faz parte desde sua criação em janeiro de 2020.
A visita da brasileira à Ucrânia ocorre no momento em que o país vê a criação de uma sessão local do Ordo Iuris, uma organização ultracatólica que está vinculada à rede europeia da TFP. O grupo assinou um acordo com o Vsi razón, um movimento anti-LGBT.
Na Espanha, encontro com magistrado da Opus Dei
Na Espanha, a secretária participou de um encontro com políticos católicos, além de discussões sobre "estado de direito". Mas um dos encontros da brasileira foi com o membro do Tribunal Constitucional da Espanha, Andrés Ollero. Antiaborto e apontado por diferentes jornais espanhóis como um representante da Opus Dei, o magistrado votou por recursos para educação segregada.
Há dez anos, quando seu nome foi apresentado para ocupar o cargo, um vasto debate foi iniciado sobre suas declarações sobre temas sensíveis. Num deles, Ollero faz um duro ataque contra mães que abortam.
"Somos muitos os que consideramos que a vida de um ser humano inocente e indefeso é conteúdo inegociável do mínimo êxito de uma sociedade que mereça o nome de humana. É necessário mudar em suas raízes uma sociedade que, para manter sua lógica, vê-se obrigada a permitir, e inclusive a promover, que as mães deixem destroçar seus filhos antes do nascimento », disse.
Ele ainda atacou o casamento entre pessoas do mesmo sexo. "Falar em matrimônio homossexual não faz sentido algum em termos jurídicos, é algo inconcebível. Está sendo imposta, a partir do poder, uma opção moral e com tal medida somente se aspira que a sociedade deixe de considerar determinadas condutas íntimas - despidas de qualquer relevância jurídica - como imorais", completou.
Extrema-direita alemã e teorias da conspiração
Enquanto sua secretária visitava os movimentos ultraconservadores na Europa, Damares Alves concedeu uma longa entrevista para a jornalista alemã Vicky Richter , A repórter é ligada ao Querdenken, movimento negacionista e antivacina que está inclusive na mira de inteligência alemã por ter laços com neonazistas. Ela é ainda cofundadora, com Markus Haintz, do dieBasis, um partido antivacina e negacionista da pandemia que espalha pelas redes idéias conspiratórias.
Entre os dias 6 e 9 de setembro, a jornalista foi recebida por Damares, Jair Bolsonaro, Eduardo Bolsonaro e Bia Kicis.
Na conversa, a ministra denuncia a "erotização das crianças por meio de música, da arte, do cinema, das festas populares".
Como resposta, a repórter do grupo de extrema-direita afirmou que está "à par das elites que pagam caro para satisfazer suas fantasias" com crianças, além de "ritos de estupros" por comunidades tradicionais.
"O Brasil romantizou muito as práticas culturais. Mas quando vamos às aldeias, não tem nada disso. Tem dor e tortura", respondeu Damares.
Ela, por seu lado, insiste que não é compreendida. "A imprensa fala que eu sou louca, fanática, fascista, nazista, negacionista, maluca", disse a ministra. "Nossa proposta mexe com muitas estruturas. É uma proposta de fortalecimento de família e proposta conservadora", explicou. "Nós nos afastamos de pautas como legalização do aborto, para proteger a mulher de verdade", insistiu. Ela também atacou o "relativismo cultural no Brasil".
"O novo assusta. Eu assusto e não sou compreendida por ter uma visão nova", argumentou a ministra. "Mas eu não sou maluca. Amo as crianças do Brasil", garantiu Damares.
Segundo ela, a "maior violação de direitos humanos" no Brasil é a corrupção. "Os corruptos que estavam governando essa nação também não gostam de mim. Desmontei muitas estruturas de corrupção no ministério", disse.
A ministra explicou aos jornalistas do grupo de extrema-direita que sofre "muitas ameaças de morte". "Eu mexo com interesses financeiros", disse. Mas garante: não sairá do poder. "Não estamos cansados. Só Deus nos impede. Só se não for vontade de Deus que estejamos na condução do Brasil, não vamos continuar", completou.
Alguns dias depois de estar no ar, a entrevista foi retirada das redes sociais. Os jornalistas protestaram, alegando que havia uma conspiração das grandes empresas digitais para impedir que se denunciasse casos de pedofilia.
"Como deve ser o medo das Big Tech e dos globalistas diante da verdade sobre esses crimes silenciosos?", questionou a autora da entrevista.
O motivo, porém, era outro. Os representantes da extrema-direita alemã tinham usado uma música, sem a autorização dos autores, que protestaram e conseguiram derrubar o link.
O encontro ocorreu semanas depois de Bolsonaro receber uma deputada do partido de extrema-direita, AFD, alvo de monitoramento por parte dos serviços de inteligência da Alemanha por suspeitas de minar a democracia.
A deputada, neta de um ministro de Adolf Hitler, também argumentou que sua viagem ao Brasil tinha ocorrido durante seu período de férias.
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