Com Musk, é como negociar com um sequestrador. A democracia é sua refém
Negociar com Elon Musk seria como negociar com um sequestrador. Sim, a prática é muito semelhante. Musk sequestrou o debate democrático, ameaçou e segue ameaçando de morte a soberania e a democracia de um país inteiro.
No seu ataque, Musk colocou covardemente a democracia e a liberdade de expressão como refém. Se qualquer decisão, intervenção da Justiça brasileira ou de nossas instituições interviesse, poderia significar a morte de ambas.
A ideia é fazer acreditar que ele mesmo, Musk, não coloca ambas em risco, mas que deseja protegê-las. A ideia é fazer acreditar que ele tem princípios que valorizam democracia e liberdade de expressão como inegociáveis. Isso obviamente é uma mentira.
Mas é um modus operandi da extrema direita global. Outrora, liberdade de expressão era atacada como algo que ameaçava os valores conservadores. Defendia a liberdade de expressão aqueles que queriam difamar Deus, zombar da família tradicional, criticar autoridades.
Desde a virada da década de 70 para a de 80, a estratégia de ultraconservadores foi abraçar bandeiras e agendas que outrora eram claramente identificadas com um certo progressismo (ou liberais, na perspectiva dos Estados Unidos).
Direitos Humanos, feminismo, racismo, liberdade de expressão, passaram a ser disputados em termos de sentido, deixando de ser quase que única e exclusivamente o que o lado esquerdo do mundo pregava.
O neoliberalismo, com o seu "hiper-individualismo" empreendedor, prometendo a cada indivíduo o poder de ser o único responsável por si e totalmente livre, financiando o controle e a repressão dos "comunitários" e atores da "luta coletiva", ajudou a forjar esse tipo de gente que se ressente de não poder "dizer o que pensa", mesmo quando isso cause dor, sofrimento e estigma.
Gosto da observação da filósofa americana Wendy Brown, ainda que falando da Europa, de que a democracia é fortemente, e violentamente, questionada por duas forças que são apostas muito diferentes para o futuro: o populismo nacionalista reacionário e a tecnocracia pós-nacional.
Musk e sua crise fabricada são o encontro destas duas apostas que buscam levar a instabilidade e a radicalização para democracias estabelecidas, enquanto ignoram países autoritários e de democracia duvidosa.
No Brasil, esse populismo nacionalista reacionário, com seu ultraconservadorismo e doses de nacionalismo cristão, viu no tecnocrata da tecnologia que não respeita fronteiras e leis nacionais o eco e a reverberação que tanto sonharam para solapar antagonistas e agendas progressistas.
Todo mundo sabe que não há nada de defesa da democracia ou de liberdade de expressão em Musk e em seu egocêntrico projeto de poder. Como um típico tecnocrata pós-nacional, o que ele faz de melhor é usar as animosidades políticas do próprio país a seu favor.
Enquanto um debate se faz em torno da decisão do ministro Alexandre de Moraes, da eficácia e da legalidade da decisão, a extrema-direita reacionária alimenta o clima ilusório de perseguição e chama o povo para a rua. Nesse momento, Musk, como todo ególatra, se olha no espelho e sorri.
É um sequestrador perspicaz. Mas um sequestrador que já tem todo o dinheiro do mundo que qualquer sequestrador jamais sonhou receber como resgate.
Alguém assim não tem nada a perder, e nada que interesse negociar. Cria o caos, desafia a soberania de países, incita a radicalização, tudo por pura diversão.
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