Ronilso Pacheco

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Opinião

Continuar dando mídia a Malafaia é um desserviço à democracia

Há pelo menos uma semana ininterrupta, Malafaia ocupa um espaço privilegiado na grande imprensa brasileira. Por quê? Ele faz análise de conjuntura política? Ele comenta dados ou tem informações políticas relevantes de bastidores que nos ajudariam a compreender o cenário brasileiro atual atravessado pela religião? Não.

O pastor da Assembleia de Deus Vitória em Cristo tem tido um espaço privilegiado para… compartilhar o seu ressentimento com o surgimento de Pablo Marçal, sobre a sua decepção com Jair Bolsonaro, e o fim do seu "namoro" com ex parceiros como Marco Feliciano e Magno Malta. Só.

Claro, ele também aproveitou a viagem para atacar o presidente Lula, a esquerda, Boulos, etc. Jurou que a direita não está rachada, quando claramente está. E usou espaço privilegiado para formular e publicar um "conceito" novo, de sua autoria: a "direita prostituta". Para mim, esse espaço todo é inexplicável.

Por trás do espaço superdimensionado à Malafaia pela grande mídia brasileira nos últimos dias, estão ao menos dois fatores cruciais.

Primeiro, o desconhecimento que ainda impera na grande imprensa sobre o campo evangélico brasileiro. Jornalistas e analistas continuam apegados a uma visão generalista, homogenizante e estereotipada sobre os evangélicos.

Em segundo, jornalistas e analistas continuam se orientando, há décadas neste assunto, pelas vozes histriônicas e fundamentalistas das mesmas lideranças, das mesmas mega-igrejas do país, de maneira a ignorar solenemente as vozes (e os esforços) dissonantes. O desinteresse em encontrar outros interlocutores e interlocutoras do diverso campo evangélico, faz de Malafaia "a voz", de audiência garantida.

Há muita tensão interna no segmento evangélico brasileiro e isso não é uma nota de rodapé. Estar de portas abertas para lideranças que se tornaram cada vez mais extremistas como Malafaia é uma escolha em meio a tantas outras possíveis. Ouvi-lo, parce mais uma aposta certeira que o tema "evangélicos" terá a repercussão incendiada necessária para gerar discussão, audiência e algum debate político.

Malafaia é prisioneiro de dois caprichos: holofotes e bravata. Tem um apego monumental por atenção e ser o centro das atenções. Se indigna quando um intenso debate que atravessa a política brasileira não passa por ele de forma prioritária ou especial.

Durante a CPI da Covid, foram sucessivas e insistentes postagens do próprio Malafaia, quase implorando por uma convocação. "Será que eles terão coragem de me convocar?", desafiava Malafaia. Não foi.

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Fez, em 2023, uma postagem clamando praticamente por uma convocação sua para a CPI do 8 de janeiro, desafiando o deputado Henrique Vieira, membro da Comissão. "Se você não fizer um requerimento me convocando para a CPMI do dia 8/1, você é um frouxo, covarde e falastrão". E, de novo, foi ignorado.

Isto sem mencionar as tantas pirracentas postagens quase diárias desafiando o ministro Alexandre de Moraes. Até o momento, desde então, o ministro segue ignorando retumbantemente o desejo frenético de atenção e mídia do pastor.

Mas Malafaia também reina em bravata. Se perguntado, Malafaia vai jurar que ele foi determinante para que Bolsonaro escolhesse o presbiteriano André Mendonça para o Supremo Tribunal Federal. Uma história que ele vende e todos compram.

Na prática, havia uma disputa no campo evangélico ultraconservador, onde um grupo calvinista mais ligado a Anajure (Associação dos Juristas Evangélicos), com muita influência no governo Bolsonaro, defendia a indicação de Mendonça, enquanto o grupo de pentecostais liderados por Malafaia defendia o desembargador carioca William Douglas.

O nome de Mendonça emplacou. Malafaia perdeu essa. Imediatamente, Malafaia se reorganizou como um articulador da candidatura do pastor presbiteriano, que, como sabemos, foi o indicado por Bolsonaro e aprovado pelo Senado.

Malafaia também gosta de zombar de outras representações evangélicas, sobretudo progressistas, como se fosse ele o "dono" ou "porta-voz oficial" de todos os evangélicos no país. Por mais ridículo que pareça, às vezes essa representação imaginária e superestimada é aceita como real.

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Toda vez confrontado com, ou sobre, vozes dissonantes no campo evangélico, Malafaia ironiza, desdenha, enfatizando a pouca representatividade, ou o tamanho da igreja, ou o alcance do mensageiro que não é ele mesmo.

Continuar ouvindo Malafaia nesses termos é um desserviço midiático. Como a professora e pesquisadora Chris Vital nos alertou na sua entrevista para podcast O Assunto, da jornalista Natuza Nery, as inquietações de Malafaia têm orientações políticas de interesse próprio e não religiosas. É desnecessário publicizar delírios de um extremista ressentido.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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