30 anos da Chacina de Nova Brasília: uma dor que o Estado não deixa cessar
Nesta última sexta, 18 de outubro, pairou sobre nós a memória dos 30 anos daquela que ficou conhecida como as Chacinas de Nova Brasília, protagonizada por agentes das polícias civis e militares do Rio de Janeiro.
A Favela de Nova Brasília é uma das favelas que integram o Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro. Foram 26 pessoas assassinadas em chacinas que aconteceram em 1994 e 1995.
Na operação policial, realizada em outubro de 1994, os agentes de segurança do Estado executaram 13 pessoas, incluindo adolescentes, em sua maioria negros.
Essa incursão policial também foi marcada pela tortura sexual de Estado. Três jovens, sendo duas adolescentes, foram vítimas de atos de violência sexual por parte de agentes policiais.
Em 8 de maio de 1995, aconteceu a segunda chacina na Nova Brasília e, durante a operação, os agentes do Estado executaram outras 13 pessoas.
Sobre chacina e memória
O silêncio, ou a repercussão tímida sobre a chacina de Nova Brasília, diz muito sobre o Brasil, a sociedade brasileira e nossa familiarização com violações sangrentas desse tipo.
Acumulamos desprezo pela memória e a obrigação moral e social de não permitir que chacinas como estas, que vêm do Estado de onde esperamos proteção e ações inteligentes que priorizem a vida, continuem acontecendo.
O Brasil, que mal enterrou os seus mortos gerados pela vergonhosa chacina de Vigário Geral em 93, teve de ter força e frieza para superar Nova Brasília um ano depois. O país, que teve de digerir a dolorosa realidade de 28 assassinados na mais letal chacina no Rio em maio de 2021 no Jacarezinho, se viu, em menos de um ano, tendo de seguir a sua rotina após uma nova chacina, desta vez no Salgueiro, em São Gonçalo. Rotina.
Entre a luta e a indiferença do Estado
Em fevereiro de 2017, a Corte Interamericana de Direitos Humanos declarou a responsabilidade internacional do Estado brasileiro pela violação de direitos humanos de vítimas e seus familiares, diligência e prazo razoável, do direito à proteção judicial e do direito à integridade pessoal de familiares das pessoas assassinadas e vítimas de tortura sexual de Estado.
Em outubro de 2023, aconteceu a mais recente audiência sobre as medidas de não repetição, na qual foi reafirmado perante juízes da Corte o descumprimento das determinações da sentença por parte do Estado.
Em 2024, as organizações representantes das vítimas apresentaram dois relatórios de descumprimento de sentença. Algumas destas determinações não cumpridas pelo estado brasileiro foram a urgência de elaboração de um plano eficaz de redução da letalidade policial; normativas e práticas de investigação autônoma e independente de crimes cometidos por agentes do Estado; garantia da participação das famílias das vítimas em todo o processo de investigação e responsabilização dos agentes infratores.
Em 2021, cinco policiais foram absolvidos pelo Tribunal do Júri após serem julgados pelos homicídios qualificados de 13 pessoas, em 1994. Tão ardente quanto a dor, que nunca cessa para familiares das vítimas, é ter a percepção de que não parece haver nada que incline a sensibilidade do estado para as suas dores.
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Nós nos acostumamos a conviver com chacinas e impunidades. O Brasil é tão ruim de responsabilizações quanto de memória. A memória coletiva, quanto à dor coletiva, se restringe quase que exclusivamente aos parentes envolvidos. Para a sociedade, rotina.
A travessia da luta por justiça dos familiares de Nova Brasília tem sido amparada pelo Instituto de Estudos da Religião (Iser) e o Centro pela Justiça e o Direito Internacional (Cejil). Sem essa acolhida e articulação, os poucos avanços de denúncia e espaço de litígio destes familiares provavelmente não seriam possíveis.
Nós ainda podemos aprender, após 30 anos, com a tragédia de Nova Brasília e o seu sangue derramado por agentes do estado. Ainda podemos aprender que, chacinas, sobretudo as que partem e são banalizadas pelo estado, se não lembradas e não enfrentadas até o fim por justiça, nunca nos abandonarão totalmente.
Não é sobre bandido e polícia, inocentes e culpados. É sobre levar a sério o estado democrático de direito e a busca de forjar uma sociedade ética.
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