Procuradores reagem a Aras: "grave ofensa à independência funcional"
Um grupo de 24 procuradores da República que atuam nos Estados no contexto da pandemia do novo coronavírus emitiu uma nota nesta terça-feira (14) em repúdio à decisão do procurador-geral da República, Augusto Aras, de centralizar recomendações enviadas pelo MPF ao Ministério da Saúde a respeito da crise.
Conforme a coluna revelou na noite desta segunda-feira (13), Aras mandou ofício no dia 8 ao ministro da Saúde, Luiz Mandetta. Ele disse que todas as recomendações que Mandetta recebesse do MPF (Ministério Público Federal) deveriam ser remetidas à PGR, aos cuidados do "GIAC (Gabinete Integrado de Acompanhamento à Epidemia do Coronavírus)", criado em 16 de março sob a presidência de Aras.
No ofício para Mandetta, Aras mencionou possibilidade de "exame" das recomendações. O ato de Aras foi interpretado pelos procuradores como uma tentativa de cercear a liberdade de ação dos membros do MPF.
Os procuradores que se manifestaram nesta terça-feira condenando a medida são justamente os que ficaram encarregados de fazer a parte "finalística", nos Estados, das orientações do próprio GIAC. Eles disseram que não sabiam nem foram consultados sobre a medida tomada por Aras.
"Manifestamos discordância à medida adotada, porque representa grave ofensa ao princípio institucional da independência funcional (art. 127, §1º) e ao seu consectário princípio do procurador natural, na medida em que obsta o exercício pleno e independente das atribuições dos membros, exercidas sem subordinação e vinculadas apenas à Constituição, às leis e a nossas consciências jurídicas", diz a nota assinada peos procuradores.
"Recordamos que inexiste sujeição hierárquica entre os membros e o Chefe da Instituição, exceção feita ao âmbito administrativo, sem qualquer chance de que a relação hierarquizada se estenda à seara técnica-funcional, razão pela qual se mostra inadmissível o reexame de recomendações expedidas pelos membros do MPF nos termos e com os fundamentos declinados pelo Gabinete Integrado (GIACCOVID19)", diz a nota dos procuradores.
A ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República) também emitiu uma nota contrária à decisão de Augusto Aras. "O princípio institucional da unidade do MP não pode inviabilizar e tornar nulo o princípio constitucional da independência funcional, sob pena de cercear e inviabilizar a livre atuação dos membros do MPF. Pelo contrário, tais princípios devem conviver de maneira harmoniosa com intuito de possibilitar a livre atuação do MPF, balizada pelo ordenamento jurídico, na defesa da sociedade perante os diversos níveis de governo, papel atribuído pela Carta de 1988 e que não pode ser diminuído nem flexibilizado, ainda mais em momento de pandemia e calamidade pública."
Também na tarde desta terça-feira a PGR emitiu uma nota para tentar acalmar os ânimos na instituição. O órgão informou que um ofício nos mesmos termos do que foi enviado a Mandetta também foi direcionado a todos os outros ministérios da Esplanada.
A PGR argumentou que "o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) decidiu que não caracteriza violação à independência funcional a recusa do procurador-geral de enviar recomendação às autoridades relacionadas em Lei".
"A medida é compatível com a independência funcional de todos os membros do Ministério Público ao tempo que valoriza a unidade institucional. Trata-se de preservar as atribuições do procurador-geral da República, que, nos termos do artigo 8º da LC 75/1993, é quem tem atribuição para fazer recomendações cujo conteúdo demande providências de autoridades como ministros de Estado. A providência de enviar os ofícios a 20 ministérios foi adotada após informações de que as pastas receberam centenas de recomendações endereçadas aos respectivos secretários, mas que, na verdade, exigiam atuação dos ministros, o que fere a lei e embaraça a atividade-fim dos órgãos que estão empenhados no combate à covid-19", diz a nota da PGR.
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