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Rubens Valente

Fiscais do Ibama tentam parar exonerações e falam em retaliação e obstrução

abr.2014 - Operação do Ibama na Terra Índigena Menkragnoti - Ibama
abr.2014 - Operação do Ibama na Terra Índigena Menkragnoti Imagem: Ibama

Colunista do UOL

22/04/2020 05h30

Um grupo de 16 fiscais ambientais do Ibama enviou uma nota interna à presidência do órgão nesta terça-feira (21) para pedir a suspensão dos processos de exoneração dos dois chefes responsáveis pelo setor que realiza as maiores operações de repressão a crimes ambientais no país. Na nota, os fiscais falam em retaliação e na "possibilidade de dificultar e, talvez, obstruir as investigações e as operações em curso".

O coordenador-geral de fiscalização ambiental do Ibama, em Brasília, Renê Luiz de Oliveira, e o coordenador de operação de fiscalização, Hugo Ferreira Netto Loss, estão ameaçados de exoneração dos cargos de chefia depois que o órgão desencadeou uma operação para fechar garimpos ilegais e proteger aldeias de quatro terras indígenas no sul do Pará da contaminação pelo novo coronavírus. Oliveira está há quase 15 anos no Ibama, e Loss, há quase sete; ambos são considerados quadros técnicos e entraram no órgão por meio de concurso público.

Um dia depois de a operação no Pará ter sido mostrada numa reportagem do programa Fantástico da TV Globo, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, exonerou o diretor de Proteção Ambiental do Ibama, Olivaldi Azevedo, que era seu homem de confiança e estava hierarquicamente acima dos dois coordenadores agora sob ameaça de exoneração.

Na nota desta terça-feira, os fiscais ambientais confirmaram que a decisão de exonerar Azevedo partiu do MMA (Ministério do Meio Ambiente), que "reagiu com a substituição do diretor de proteção ambiental", no decorrer da terceira fase da operação no Pará. Os fiscais também foram informados da abertura de procedimento administrativo visando a exoneração de Oliveira e Loss.

"Esse processo, além de caracterizar retaliação, caminha no sendo de dificultar com eventual obstrução do regular andamento das investigações em curso. Isso, pois neste momento a CGFIS [coordenação-geral de fiscalização ambiental] e a Cofis [coordenação de operações de fiscalização] vêm atuando de maneira efetiva em processo de fiscalização e investigação das causas do desmatamento em terras indígenas, objeto de competência primária do Ibama", diz a nota informativa. Oliveira e Loss, dizem os fiscais, "desempenham papel de líderes cuja gestão possibilita o desenvolvimento de trabalho cooperativo e profissional no combate aos delitos ambientais."

Desde a campanha eleitoral de 2018, o presidente Jair Bolsonaro já fez diversos ataques ao Ibama. Chamou, por exemplo, a repressão a crimes ambientais de "festa de multas" do Ibama e prometeu impedir o uso de um decreto que permite a incineração de equipamentos apreendidos em terras protegidas pela União. Bolsonaro também foi multado pelo Ibama ao praticar pesca ilegal numa área de proteção no Rio de Janeiro em 2012. Em março do ano passado, o fiscal que autuou Bolsonaro foi exonerado de um cargo de chefia. A multa foi anulada no final de 2018.

'Descontinuidade'

A nota dos fiscais listou os resultados das últimas operações do Ibama na Amazônia, como a redução do desmatamento na terra indígena Ituna-Itatá, "que saiu da posição da terra indígena mais desmatada no ano de 2019 para desmatamento zero a partir de março de 2020, como consequência exclusiva das ações implementadas pelo Ibama".

A nota diz que as recentes ações de fiscalização no Pará "além de controlar o desmatamento, permitiram desvelar uma rede criminosa de grilagem e garimpo ilegal que envolve pessoas influentes no estado e na sociedade brasileira"."Os interesses dessas pessoas foram afetados após a deflagração da operação em conjunto com o Ministério Público Federal e a Polícia Federal."

Os fiscais explicaram ainda que as ações extrapolam a proteção ambiental porque, "em face da pandemia da Covid-19, as ações contra invasores, garimpeiros e madeireiros protegem as comunidades indígenas de contaminação por essas vias".

"Nesse contexto", diz a nota, "estranhamos o momento das pretensas exonerações, entendendo que, se efetivadas, poderiam refletir retaliação aos servidores. Vislumbra-se, ainda, a possibilidade de dificultar ou, talvez, obstruir as investigações e as operações em curso, senão por uma ação direta, ao menos como resultado de uma mudança de gestão que implicaria em descontinuidade dos trabalhos desenvolvidos."

A coluna indagou ao MMA no dia 14 de abril o motivo da exoneração de Olivaldi Azevedo, mas não houve resposta até o fechamento deste texto, uma semana depois. A exoneração do diretor será investigada pelo Ministério Público Federal no Distrito Federal. O pedido para a abertura da apuração partiu da 4ª Câmara de Meio Ambiente e Patrimônio Cultural e da 6ª Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais, ambas vinculadas à PGR (Procuradoria Geral da República).