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Rubens Valente

Bolsonaro cai em contradição ao se defender de acusação de Moro

Presidente Jair Bolsonaro e ministro Sergio Moro lado a lado, em solenidade no Palácio do Planalto, em outubro de 2019 - Mateus Bonomi/AGIF
Presidente Jair Bolsonaro e ministro Sergio Moro lado a lado, em solenidade no Palácio do Planalto, em outubro de 2019 Imagem: Mateus Bonomi/AGIF

Colunista do UOL

27/04/2020 19h08

Ao citar a legislação relativa ao Sisbin (Sistema Brasileiro de Inteligência) nesta segunda-feira (27) a fim de se defender das acusações do ex-ministro Sérgio Moro, o presidente Jair Bolsonaro caiu em contradição. O Sisbin é coordenado pela Abin (Agência Brasileira de Inteligência), e não pela Polícia Federal - assim, não faz sentido ele ter procurado Moro para obter documentos da PF aos quais a própria Abin já tem acesso livre.

Também são integrantes do Sisbin o GSI (Gabinete de Segurança Institucional) e a Casa Civil, ambos vinculados à Presidência da República.

Pela lei, a Abin tem o papel de prestar assessoria ao presidente da República "nas questões de interesse do Estado e da sociedade". Bolsonaro tem canal direto e autorizado por lei com a direção da agência - hoje ocupada por um homem de confiança da família Bolsonaro, o delegado da PF Alexandre Ramagem.

Vários outros órgãos públicos, como a Polícia Rodoviária Federal e a Receita Federal, também subsidiam a Abin, via Sisbin, com relatórios de inteligência. A Abin recebe e analisa todos esses dados, quase sempre diariamente, e pode produzir um relatório próprio, destinado ao presidente.

Um ex-diretor da PF explicou à coluna que é normal o órgão produzir relatórios de inteligência para serem compartilhados com o Sisbin. Nunca são relatórios sobre inquéritos policiais. São, quase sempre, resumos de dados estratégicos e análises de riscos de grandes eventos, como jogos olímpicos ou torneios de futebol. Esses papéis são enviados à Abin, que funciona como a coordenadora do Sisbin.

"Já houve casos em que áreas do governo nos procuraram para saber de determinado relatório de inteligência que a Abin havia enviado ao Planalto, querendo saber nossa opinião. Ocorria de a fonte primária ser o mesmo relatório produzido pela própria PF. Esse tipo de relatório sempre o presidente pode ter acesso. Quando o papel entra no Sisbin, a Abin pode extrair trechos e fazer seu próprio trabalho de assessoria ao presidente."

Na sexta-feira (24), ao anunciar sua renúncia, Moro disse em entrevista coletiva que Bolsonaro tentava ter acesso a relatórios de inteligência da PF, o que, para ele, não era um procedimento correto. Ele relacionou o suposto assédio às investigações policiais. "O presidente me disse mais de uma vez que queria ter uma pessoa da confiança pessoal dele, que ele pudesse ligar, que ele pudesse colher informações, relatórios de inteligência. Seja diretor, seja superintendente. E não é o papel da Polícia Federal prestar esse tipo de informação. As investigações têm que ser preservadas", disse Moro.

Nesta segunda-feira, Bolsonaro argumentou no Twitter que não queria acesso a relatórios de investigações, mas sim aos relatórios enviados ao Sisbin.

A lei que criou a Abin, de 1999, colocou-a no papel de órgão central do Sisbin. Um decreto da gestão de Bolsonaro criou um conselho consultivo do Sisbin. A secretaria-executiva do órgão é também exercida pela Abin. A presidência, pelo GSI (Gabinete de Segurança Institucional), vinculado ao Palácio do Planalto e chefiado pelo ministro Augusto Heleno.

Um outro decreto, de 2002 - cujo número Bolsonaro citou errado no Twitter, é o decreto 4376/2002, e não o 4386/2002 - estabeleceu que outros órgãos ligados diretamente à Presidência têm assento e participam do Sisbin, como a Casa Civil e, de novo, o GSI.

Com todos esses acessos possíveis ao Sisbin, a mensagem de Bolsonaro gera uma pergunta: se os documentos cobrados pelo presidente eram aqueles destinados ao Sisbin, por que exigi-los da Polícia Federal?