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Rubens Valente

Governo Bolsonaro paralisa multas ambientais desde outubro, diz ONG

Funcionários do Ibama tentam controlar incêndio na reserva indígena Tenharim/Marmelos no Amazonas - Bruno Kelly/Reuters
Funcionários do Ibama tentam controlar incêndio na reserva indígena Tenharim/Marmelos no Amazonas Imagem: Bruno Kelly/Reuters

Colunista do UOL

20/05/2020 01h01

O sistema de cobrança de multas do governo federal por crimes contra o meio ambiente está praticamente paralisado desde outubro, como consequência de mudanças administrativas feitas pelo governo de Jair Bolsonaro. A conclusão é de um relatório da organização não governamental Human Rights Watch divulgado nesta quarta-feira (20).

Na gestão do ministro Ricardo Salles (Meio Ambiente), o governo instituiu um novo processamento de cobrança das multas aplicadas pelos fiscais do Ibama em todo o país. Durante e depois da campanha eleitoral de 2018, o presidente Jair Bolsonaro reclamava de supostas "festa" e "indústria de multas" aplicadas pelo órgão. Ele próprio havia sido autuado por um fiscal do órgão por pesca irregular numa reserva ecológica de Angra dos Reis (RJ).

Salles bolou um sistema que inclui audiências e núcleos de "conciliação" que podem até anular a multa e impedir que o multado seja obrigado a recolher o valor aos cofres da União. Antes dessa mudança, os fiscais do Ibama emitiam as multas em campo para pagamento imediato, mas o alvo da multa podia recorrer. Os inúmeros recursos levavam, em muitos casos, à prescrição da multa.

O decreto de Bolsonaro, publicado em abril de 2019, passou a valer em outubro. De acordo com a Human Rights Watch, desde outubro apenas cinco multas expedidas pela fiscalização do Ibama foram confirmadas. Em 28 de abril passado, as audiências foram suspensas por força da pandemia do novo coronavírus.

De 2012 a 2018, o Ibama aplicou em média 16 mil multas por ano, com valores totais que oscilam de R$ 3 bilhões a R$ 4 bilhões anuais. Desse total, apenas 5% já era recolhido anualmente aos cofres públicos.

"Os agentes ambientais têm trabalhado com afinco - frequentemente expondo-se a riscos consideráveis - para fazer cumprir o Estado de direito e as leis ambientais do Brasil, mas veem seus esforços sabotados pelo governo Bolsonaro", disse, no comunicado à imprensa, Maria Laura Canineu, diretora da HRW no Brasil.

A ONG salientou o momento crítico de ataques à Amazônia. Segundo a HRW, "os alertas em tempo real do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) mostram um aumento de 53% na área desmatada na região amazônica entre outubro de 2019 e abril de 2020, comparado com os alertas no mesmo período de 2019".

"Em outubro, o governo de Bolsonaro iniciou novos procedimentos estabelecendo que as multas ambientais devem ser revistas em audiências de conciliação. Nessas audiências um núcleo de conciliação ambiental pode oferecer descontos ou declarar nulo o auto de infração. O Ministério do Meio Ambiente estabeleceu a suspensão dos prazos para pagar essas multas até que a audiência de conciliação seja realizada", afirmou a HRW.

"Enquanto aguardam as audiências, os infratores não têm obrigação de pagar a multa. Pelo contrário, se quiserem renunciar à conciliação e quitar a multa, devem solicitar expressamente ao órgão a emissão de um boleto para pagamento. Mas os infratores têm pouco incentivo para fazê-lo, pois sabem que na audiência podem garantir descontos de até 60 por cento, conforme estabelecido no decreto do governo Bolsonaro", afirma a HRW.

A ONG salientou o momento crítico de ataques à Amazônia. Segundo o comunicado, "os alertas em tempo real do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) mostram um aumento de 53% na área desmatada na região amazônica entre outubro de 2019 e abril de 2020, comparado com os alertas no mesmo período de 2019".

Em abril, Salles demitiu o diretor de proteção ambiental do Ibama e, dias depois, dois funcionários que ocupavam postos-chave na coordenação de operações de fiscalização no país. Os três foram substituídos por policiais militares e um servidor do Ibama.

"Os agentes ambientais do Brasil se veem cada vez mais ameaçados pelos dois lados - pelas redes criminosas que enfrentam no campo e pelo próprio governo. [...] Eles temem que, ao fazerem seu trabalho corretamente, possam perdê-lo [seu emprego]", disse Maria Laura no comunicado distribuído à imprensa.