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Rubens Valente

Indicado do governo para presidir banco exonerou auditor que apurava fraude

Sede do Banco do Nordeste em Fortaleza (CE) - Ascom/Banco do Nordeste
Sede do Banco do Nordeste em Fortaleza (CE) Imagem: Ascom/Banco do Nordeste

Colunista do UOL

02/06/2020 15h13Atualizada em 02/06/2020 16h00

O administrador de empresas Alexandre Borges Cabral, novo presidente do BNB (Banco do Nordeste), exonerou em 2017 o então chefe da auditoria interna da Casa da Moeda quando o servidor estava no meio de uma investigação sobre fraudes no órgão. Cabral foi indicado à presidência do BNB por partidos do Centrão no Congresso como parte da negociação política com o governo de Jair Bolsonaro, segundo diversos relatos publicados pela imprensa - Cabral nega a indicação política e diz que a escolha foi do próprio Bolsonaro.

Na época, a exoneração do auditor gerou uma nota de repúdio e uma representação no TCU (Tribunal de Contas da União) promovidas pelo Unacon Sindical (Sindicato Nacional os Auditores e Técnicos Federais de Controle).

Cabral presidiu a CMB (Casa da Moeda do Brasil) durante todo o governo de Michel Temer (2016-2018). É um cargo há anos ocupado por indicação do PTB, partido controlado pelo ex-deputado Roberto Jefferson (RJ), delator do escândalo do mensalão, em 2005, e atualmente apoiador de Bolsonaro. Agora Cabral presidirá o BNB por indicação do PTB e também, segundo notícias na imprensa, do PL.

Sediado em Fortaleza (CE), o BNB detém ativos de R$ 58,6 bilhões e se define como "o maior banco de desenvolvimento regional da América Latina". Hoje o banco está presente em cerca de 2 mil municípios de nove estados do Nordeste. O nome de Cabral foi aprovado pelo conselho de administração do banco e sua posse ocorreu nesta terça-feira (2).

Cabral exonerou em julho de 2017 o então chefe da auditoria interna da CMB, o auditor federal de finanças e controle José Antônio Meyer Pires Júnior. Com isso, Pires Júnior voltou ao seu órgão de origem, a CGU (Controladoria Geral da União). Na época, a CMB atribuiu a decisão ao Conselho de Administração do órgão e citou necessidade de "rotatividade".

A exoneração ocorreu em meio a diversas investigações relacionadas à gestão da CMB. De 2015 a 2019, contratos do órgão foram alvo de pelo menos duas operações conjuntas da Polícia Federal, Ministério Público Federal, Receita e CGU: a Vícios e a Esfinge. Boa parte desses trabalhos nasceu da própria auditoria interna da Casa da Moeda, que identificou problemas nos contratos e acionou os órgãos competentes.

Como chefe da auditoria interna da CMB desde 2012, Pires Júnior teve um papel importante nas investigações que levaram à deflagração da Vícios, em 2015, e da Esfinge, em 2016. A segunda resultou na prisão do ex-chefe da Divisão de Controles Fiscais Especiais da Coordenação-Geral de Fiscalização da Receita Federal, em Brasília.

Pires Júnior foi exonerado quando continuava apurando as supostas irregularidades no órgão que dois anos depois foram confirmadas por uma auditoria e pelos ministros do TCU em reunião plenária de novembro de 2019.

O principal foco das investigações foram dois contratos para o fornecimento de serviços técnicos especializados para implantação do Sicobe (Sistema de Controle de Bebidas) e do Scorpios (Sistema de Rastreamento e Controle da Produção de Cigarros). Só o contrato do Sicobe, assinado após um parecer que indicava a inexigibilidade de licitação em 2008, foi avaliado em R$ 3,3 bilhões.

Esses sistemas preveem a instalação de equipamentos de contagem da produção em fábricas de bebidas e de cigarros para que a União possa fazer a tributação sobre os produtos.

Em novembro de 2019, o TCU ordenou a indisponibilidade de bens até o valor de R$ 2,2 bilhões, pelo prazo de um ano, de duas empresas contratadas pela CMB para a execução dos contratos. O valor seria o suficiente "para garantir o ressarcimento do débito em avaliação", ressalvados os bens financeiros necessários à manutenção das atividades operacionais das empresas.

O TCU também decidiu recomendar à CMB, "na pessoa do seu presidente, que avalie o afastamento do exercício de qualquer cargo em comissão ou função de confiança dos empregados apontados como responsáveis pelas irregularidades retratadas na instrução até o trânsito em julgado dos presentes autos".

Na época da exoneração de Pires Júnior, em 2017, o Unacon Sindical afirmou que a medida assinada por Cabral não seguiu a legislação em vigor. Em nota pública assinada pelo seu presidente, Rudinei Marques, a entidade lembrou que a lei tem "o intuito de proteger titulares das unidades de auditoria interna do Poder Executivo Federal, quanto a retaliações ou perseguições no exercício regular do trabalho".

Segundo a entidade, "a aprovação de toda e qualquer dispensa ou exoneração deve ser subscrita pelo ministro da Transparência e Controladoria-Geral da União, após emissão de parecer aprovado pelo Secretário Federal de Controle Interno", o que não teria ocorrido no caso de Pires Junior.

"O quadro se mostra mais grave tendo em vista as operações de combate à corrupção que envolve alvos, pessoas físicas e jurídicas, e a empresa pública nos últimos anos, de cuja investigação participou a unidade de auditoria interna. O Brasil, para sair de sua crise moral, precisa envolver todas suas instituições com princípios de boa governança, além do compromisso de fortalecer um sistema de controle independente e autônomo, com garantias e prerrogativas aos Auditores e Técnicos Federais de Finanças e Controle. Dessa forma, o Sindicato Nacional dos Auditores e Técnicos Federais de Finanças e Controle reitera, portanto, o seu mais veemente repúdio à Portaria 189/2017 do presidente da Casa da Moeda do Brasil [Cabral]", afirmou a entidade na nota pública.

Escolha de Bolsonaro

Procurado pela coluna por meio da assessoria de imprensa do BNB, Alexandre Cabral afirmou que "o referido auditor era funcionário cedido pela Controladoria Geral da União (CGU). O órgão tem uma política de rodiziar os funcionários cedidos para empresas públicas a cada quatro anos. Ele entrou no rodízio e foi substituído por outro auditor da GGU, indicado pelo próprio órgão de controle".

Sobre o critério para sua escolha à presidência, o BNB afirmou: "O novo presidente do BNB afirma que sua escolha deu-se através de seleção de currículo, com indicação final do presidente da República. Trata-se de uma escolha técnica considerando sua experiência profissional e o largo trabalho desenvolvido junto a instituições financeiras. Além de ter presidido a Casa da Moeda (2016-2019), Alexandre ocupou, dentro do Banco do Nordeste, as funções de chefe do Departamento de Desenvolvimento Industrial e da Divisão de Avaliação do Departamento Industrial. Foi gerente de negócios, superintendente de Negócios Corporativos, assessor executivo da Presidência e gerente de agência. Possui ampla vivência em negociação de empréstimos junto a bancos nacionais, internacionais e multilaterais. Recentemente, atuava como executivo no Escritório de Promoção e Atração de Investimentos e Relacionamento Institucional do Banco do Nordeste no Rio de Janeiro".