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Rubens Valente

Ministério parece querer abafar dossiê sobre antifascistas, diz Rede ao STF

André Mendonça e Cármen Lúcia - Pedro Ladeira/Folhapress; Antônio Cruz/Agência Brasil
André Mendonça e Cármen Lúcia Imagem: Pedro Ladeira/Folhapress; Antônio Cruz/Agência Brasil

Colunista do UOL

07/08/2020 13h50

Em petição protocolada no STF nesta sexta-feira (7), o partido Rede Sustentabilidade pediu que a ministra Cármen Lúcia determine a imediata remessa, para o tribunal, "dos conteúdos já produzidos" pela área de inteligência do Ministério da Justiça sobre o movimento dos "policiais antifascismo" e "formadores de opinião".

O partido pediu ainda que o ministério informe o conteúdo produzido de 2019 a 2020 "no âmbito do subsistema de inteligência de segurança pública, contendo, no mínimo, o objeto dos conhecimentos e informações, motivo da produção e seus destinatários". A ministra Cármen Lúcia é relatora da ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) ajuizada pela Rede a fim de esclarecer a produção do "relatório de inteligência" da primeira quinzena de junho que listou 579 agentes da segurança pública e quatro acadêmicos.

Nesta quinta-feira, em resposta a um despacho da ministra, o ministro André Mendonça não enviou nenhum relatório de inteligência para a ministra, sob o argumento de que os materiais são sigilosos, não negou nem confirmou o relatório sobre os antifascistas, disse que já estava fazendo apuração interna e que o Poder responsável por fazer o controle do assunto é o Congresso, não o STF.

Ao endossar e anexar uma "nota técnica" elaborada pelo próprio setor que produziu o dossiê, a Seopi (Secretaria de Operações Integradas), o ministro sugeriu que os dados poderiam vazar no STF, o que colocaria em risco a "credibilidade nacional".

A Rede afirmou que "o etéreo e pretenso risco à credibilidade nacional não pode ser usado, com a devida vênia, para legitimar eventuais comportamentos antijurídicos e inconstitucionais por parte de agentes públicos".

"O que nos parece, com a devida vênia, é que, implicitamente, houve a confirmação de que realmente há produção de investigações sigilosas em desvio de finalidade ocorrendo no âmbito do Ministério da Justiça e Segurança Pública. E, para mitigar os danos, em verdadeiro gerenciamento de crise, o Poder Executivo pretende 'abafar' o caso, em tentativa de afastar o tema da apreciação do Poder Judiciário, do STF, órgão técnico e guardião da Constituição Federal", diz a petição da Rede.

A Rede argumentou à ministra que o Ministério da Justiça pretende impedir que o STF aprecie o caso. O partido menciona que a Constituição impede que até mesmo uma lei ordinária tenha essa capacidade de afastar o Judiciário da apreciação sobre lesão ou ameaça a direito, conforme previsto no artigo 5º da Carta.

"O que parece é que o Ministério da Justiça e Segurança Pública quer dar uma interpretação 'sui generis' ao direito fundamental de inafastabilidade de jurisdição. Mesmo que a Lei afirme ser de competência do Congresso Nacional o controle externo da atividade de inteligência, é certo que não é dado sequer à Lei afastar a possibilidade de enfrentamento da demanda pelo Poder Judiciário, sobretudo quando parece clara a violação a preceitos fundamentais tão basilares, apta a movimentar a jurisdição dessa Egrégia Corte."

Segundo a Rede, a partir das informações prestadas pelo Ministério "algumas elucubrações - sob o ponto de vista interpretativo ministerial, frise-se - parecem necessárias": "(i) o Ministério entende que STF não é confiável para ter acesso às informações produzidas?; (ii) o Ministério entende que o STF vazará as informações e colocar em risco a segurança da sociedade e do Estado?; (iii) o Ministério entende que o STF não pode ter acesso a tais informações?".

A Rede disse que a lei que regulamentou o Sisbin (Sistema Brasileiro de Inteligência), de número 9883/1999, optou pelo controle externo a partir do Poder Legislativo, mas isso "não afasta a jurisdição constitucional", na medida em que "há 'fumus' [indício] de violação massiva a preceitos fundamentais basilares. E, ademais, é evidente que o controle externo efetuado pelo Poder Legislativo - sabidamente mais político - é muito diferente do controle de juridicidade empreendido pelo Poder Judiciário. Um não exclui o outro. Ambos coexistem, cada qual em seu escopo primordial de atuação".

O partido também analisou as negativas do ministério sobre não fazer "investigação". "Ora, ao mesmo tempo em que se diz que não produz dossiês contra nenhum cidadão e não instaura procedimentos de cunho inquisitorial, defende-se que o resultado da atividade de inteligência é sigiloso, não podendo ser compartilhado com o STF, mas apenas com o controle externo realizado pelo Congresso Nacional. O que se vê, Excelência, é que, infelizmente, o Ministério da Justiça e Segurança Pública, por meio da própria Seopi e da sua Consultoria Jurídica, parece querer se socorrer de terminologias em manifestações extremamente evasivas para impedir a apreciação da causa pelo Poder Judiciário."

A peça da Rede é subscrita pelos advogados Fabiano Contarato, que também é senador da Rede pelo Espírito Santo, Bruno Lunardi Gonçalves, Cássio dos Santos Araujo, Filipe Torri da Rosa, Kamila Rodrigues Rosenda, e Levi Borges de Oliveira Veríssimo.

A ministra Cármen Lúcia vai apreciar o pedido do partido.