Ativista quer barrar importação de metralhadoras israelenses pela PM de SP
Resumo da notícia
- Advogado defensor de direitos humanos ajuizou uma ação na Justiça de Tel Aviv para pedir a revogação de licença de exportação de 10 metralhadoras
- Empresa fabricante chegou a comemorar em uma rede social, em agosto, o envio do armamento para a Rota, batalhão da PM de São Paulo
- Segundo especialista militar israelense ouvido pelo advogado, a metralhadora 'não é um fuzil sniper' e pode disparar de 600 a 750 tiros por minuto
Um ativista de direitos humanos de Israel, o advogado Eitay Mack, ajuizou uma ação em nome de 80 pessoas na corte distrital de Tel Aviv para pedir que seja anulada a autorização para exportação de dez metralhadoras do modelo Negev para a Polícia Militar de São Paulo.
O armamento de calibre 7,62x51mm fabricado pela IWI (Israel Weapons Industry) consegue disparar de 600 a 750 tiros por minuto, segundo o advogado. Cada metralhadora custará R$ 56,2 mil, como informou à coluna a SSP (Secretaria de Segurança Pública) de São Paulo, o que representa o gasto total de R$ 562 mil.
A metralhadora é usada pelas Forças Armadas de Israel, incluindo tropas de infantaria e unidades de forças especiais. Em março, foi anunciada uma grande compra pelo Exército da Índia.
Mack disse à coluna que costuma acompanhar os anúncios de vendas da IWI, uma grande empresa israelense de armamentos, em seu site e redes sociais e se surpreendeu ao ver, em 12 de agosto, uma publicação da empresa na rede social Instagram. "PMESP [Polícia Militar do Estado de São Paulo] começa a receber as suas Negev calibre 7,62!", dizia a nota, que depois foi tirada do ar. A publicação incluiu a fotografia de um suposto policial da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar) segurando a metralhadora ao lado de uma viatura do batalhão.
"Eu pensei que isso era uma loucura. A Negev não é o tipo de arma que deve ser usada em áreas residenciais. É uma arma muito poderosa, que pode ser usada contra tanques. Não é um rifle 'sniper'. Não é precisa, é uma arma de 'mass killing' [assassinato de massa]. O uso em favelas em São Paulo é muito perigoso. Ela pode ser usada em execuções extra-judiciais. Pode ser usada em massacres, não é um rifle que pode ser usado contra uma determinada pessoa, por exemplo."
'Traz o perigo da letalidade desnecessária'
De acordo com relatório das Ouvidorias das Polícias de São Paulo divulgado em fevereiro passado, a Rota foi o batalhão da PM paulista que mais matou no ano de 2019, com 101 casos. O número foi quase o dobro do ano anterior, 2018, quando foram registradas 51 mortes.
Sabedor desses números e de outros que colocam a Rota, ao longo dos anos, como uma das unidades mais letais da PM paulista, o advogado israelense disse que ele e o grupo de 80 israelenses ativistas de direitos humanos "não podiam ficar inertes" e permitir a exportação das metralhadoras. Ele afirmou que a polícia de Israel não utiliza esse armamento.
"Na minha petição ao Judiciário, eu reconheço os problema das gangues, do crime organizado em São Paulo, há crimes, grupos de pessoas cometendo crimes, mas isso não é desculpa para usar armamentos inadequados contra as pessoas das favelas, contra pessoas inocentes e mesmo contra pessoas envolvidas em crimes. Não devem ser executadas pela polícia. A Negev não é a arma que eles [policiais] precisam para combater isso. A Negev é uma arma para 'mass killing' porque não é arma de precisão. A entrega da Negev só vai aumentar o número de pessoas mortas pela Rota", disse Mack.
Segundo o advogado, a primeira audiência do processo está marcada para 8 de dezembro. "Eu pedi para a corte cancelar a licença de exportação da IWI para as metralhadoras e não permitir outra licença. O que significa é que se ela reiniciar a venda, o ministro da Defesa deveria dizer ao governo brasileiro que isso está cancelado e não está autorizado."
Na ação, Eitay anexou a declaração de um ex-comandante e militar da reserva de Israel, Tuli Flint. Ele declarou que a metralhadora Negev foi desenvolvida "para os contornos de uma área aberta". A arma, segundo o militar, atravessa blindados e paredes "com grande força penetrante e tem um peso de tiro e uma massa mais severa e mortal". Ele disse que ela produz "ferimentos secundários elevados e ferimentos tanto na primeira vítima direta como nas vítimas secundárias".
A arma atua, segundo Tuli, em "feixes de disparo que, ao trabalhar em curtas distâncias, podem criar grandes danos até mesmo em alvos civis inocentes na zona de combate". Ela teria "como objetivo principal encobrir a força que avança até o alvo, bem como confinar as forças e impedi-las de interferir e tomar o controle de áreas dentro da área urbana".
"Trabalhar com metralhadoras dentro da própria área urbana traz consigo o perigo de ferir pessoas inocentes e letalidade desnecessária. Isso certamente ocorre no trabalho com grandes grupos de pessoas e nas manifestações. É por isso que as forças militares e policiais optam por trabalhar na área urbana com outras armas - pistolas, fuzis de assalto", escreveu Tulin na sua manifestação.
'Mães de Maio' veem aquisição com muita preocupação
A ativista de direitos humanos Débora Maria da Silva, do movimento "Mães de Maio", soube dos planos de aquisição dessas metralhadoras no ano passado, quando a PM anunciou a intenção. Depois, em fevereiro passado, a PM divulgou um vídeo nas redes sociais que mostra os testes feitos na arma na academia do Barro Branco, em São Paulo.
"A gente vê com muita preocupação essa compra. Como movimento, a gente entende que a importação dessa arma pesada para um batalhão letal como a Rota é mostrar que o genocídio provocado pelo governo Doria vai ser mais acelerado. O governo Doria, quando entra para legislar, já entra com projeto para matar. Ele bem declarou que a Rota não iria levar ninguém para a cadeia, mas para o cemitério", disse Débora.
Em outubro de 2018, durante a campanha eleitoral ao governo de São Paulo, João Doria Junior (PSDB) afirmou ao programa "Pânico" da rádio Jovem Pan que teria uma política de segurança "muito, muito dura". "Bandido que tiver a coragem de reagir para a Polícia Militar, a Polícia Militar vai atirar para imobilizar, não vai para matar. Mas se continuar a reagir, vai atirar para colocar no cemitério."
"O movimento das mães já sabe há muitos anos que a gente tem uma polícia treinada com vários aperfeiçoamentos com a polícia de Israel. Temos dito que é uma polícia assassina. Tem um protocolo para matar. A letalidade da polícia aumentou. Essa curva letal da polícia do Estado de São Paulo mata muito mais do que a Covid-19. É uma polícia que mata, mata, mata, tanto mata quanto encarcera quanto desaparece com a pessoa. De tanto sofrer, de tanto gritar, os nossos olhos já secaram as lágrimas pedindo 'parem de nos matar'. Essa polícia é feita da necropolítica assassina dos governantes que são os donos dessas polícias."
O movimento das "Mães de Maio" foi criado após maio de 2006, quando mais de 560 pessoas, segundo os levantamentos das famílias, foram assassinadas em diferentes partes do Estado de São Paulo logo após o grupo criminoso PCC ter atacado forças de segurança. As mortes dos civis foram conduzidas por grupos paramilitares e policiais, muitos dos quais encapuzados, de acordo com as investigações e grupos de direitos humanos, e inúmeras vítimas não tinham nenhuma passagem pela polícia.
O filho de Débora, Edson Rogério Silva dos Santos, trabalhava há sete anos como gari na cidade de Santos. Durante um "toque de recolher" de 15 de maio na região onde ele morava, Edson foi a um posto de gasolina tentar comprar combustível para sua motocicleta. Segundo testemunhas, ele foi parado, revistado por policiais militares e em seguida liberado, pois não havia nenhuma acusação ou investigação contra ele. Minutos depois, porém, foi morto com cinco tiros a cerca de um quilômetro do posto na subida do morro da Caneleira, em Santos. O crime permanece impune. Edson Rogério deixou um filho de três anos de idade.
"Depois do toque de recolher, o recado era 'pra ninguém ficar na rua que seria inimigo da polícia'. Meu filho só foi comprar gasolina. Ninguém foi punido pela morte do meu filho. A letalidade da polícia cada vez aumentando mais e a gente vendo que os crimes não são solucionados. Menos de 8% dos crimes são solucionados. Não adianta os familiares buscarem provas, testemunhas. A gente pede a reforma do Judiciário para que crime contra a vida."
'Armamento já usado em outras forças policiais no mundo'
Em nota à coluna, a SSP de São Paulo afirmou que "o processo de compra visava ao armamento com as características destacadas no edital, não um fabricante específico". A coluna indagou sobre a ação judicial do advogado Eitay Mack e suas declarações sobre a letalidade da polícia de São Paulo e da Rota, mas sobre esse ponto não houve comentários.
A SSP afirmou: "O modelo [da metralhadora] corresponde a um tipo de armamento já utilizado por outras forças policiais no mundo, inclusive, por polícias de outros estados brasileiros. Dessa forma, foi realizada a licitação com pregão presencial internacional, para a aquisição de dez metralhadoras calibre 7,62x51mm à PM. O certame foi vencido pela empresa IWI (Israel Weapons Industries) e o contrato assinado em 06 de abril de 2020. O material será entregue neste semestre e empregado nos batalhões do comando de policiamento de Choque. Cada unidade custou R$ 52,6 mil. A pasta não comenta ações judiciais que não lhe compete."
No vídeo divulgado em fevereiro, a PM diz que as metralhadoras que estão sendo adquiridas têm "alto poder de fogo". "O armamento foi oficialmente apresentado ao centro de material bélico da PM. A metralhadora Negev NG-7 foi projetada para operar sob condições extremas. Foram realizados testes de metrologia, de tiro, precisão, resistência e queda. O armamento será empregado em modalidades de policiamento especializado na capital e o interior do estado. Com essa aquisição, a Polícia Militar busca melhorar seu potencial bélico trazendo maior segurança ao cidadão paulista."
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