Conselho de direitos humanos vê intervenção de Damares e cancela reunião
Resumo da notícia
- Segundo conselheiros, ministra se recusa a autorizar que nome da secretária-executiva do Conselho seja aprovado pelo plenário do órgão
- O cargo de secretaria-executiva é vital para o funcionamento do colegiado, que analisa denúncias de violações contra os direitos humanos no país
- De acordo com conselheiro, Damares vê o colegiado "como um puxadinho do seu gabinete"; representante do ministério diz que a nomeação cabe a ela
Em reunião nesta quinta-feira (8), conselheiros do CNDH (Conselho Nacional dos Direitos Humanos) denunciaram uma intervenção da pasta comandada pela ministra Damares Alves e decidiram cancelar o debate sobre a pauta que estava agendada.
A atual crise é um prolongamento dos problemas que o conselho enfrenta desde a posse do presidente Jair Bolsonaro na Presidência e está relacionada à nomeação de uma nova responsável pela secretaria-executiva do Conselho. Quatro pessoas, entre titulares e interinas, já passaram pelo cargo desde o começo da gestão de Damares, em um ano e meio, provocando grande instabilidade nos trabalhos do conselho.
Agora o cargo está novamente vago, desde que o ex-ocupante apoiado por Damares, o advogado Davi Calazans, saiu para se candidatar a vice-prefeito de Aracaju nas próximas eleições pelo partido Avante.
Formado por 22 membros, dos quais 11 da sociedade civil e 11 de órgãos públicos, o conselho é vinculado administrativamente ao MMFDH (Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos). Suas funções são promover e defender os direitos humanos no país por meio de ações de prevenção, proteção e reparação e trabalhar para equiparar as leis brasileiras sobre direitos humanos aos tratados internacionais ratificados pelo Brasil
De acordo com o presidente do CNDH e defensor público da União Renan Sotto Mayor, desde a saída de Calazans o conselho negociava com o ministério a nomeação de uma servidora que passaria pelo aval do plenário do conselho, como ocorrera duas vezes antes de 2019. Na semana passada, contudo, Sotto Mayor recebeu a informação de que a nova secretária-executiva será nomeada por Damares sem passar pelo aval dos conselheiros no plenário.
Sotto Mayor disse que trabalhava por "um consenso", que acabou sendo "impossível". "Esse consenso foi cortado e foi imposta uma nova secretaria", disse Sotto Mayor aos conselheiros, na reunião. O presidente lembrou que, de acordo com a lei de 2014 que transformou o Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana em CNDH, a secretaria-executiva é um dos órgãos integrantes do Conselho, ao lado do plenário, das comissões e das subcomissões. O ato de nomeação da servidora, contudo, compete à ministra Damares.
"Se a secretaria [pela lei] é órgão do CNDH, quem deve escolher é o CNDH. O presidente não, o plenário. Porque estamos num órgão colegiado", disse Sotto Mayor aos conselheiros. "Foi o dia mais triste da minha presidência. Eu esperava chegar ao final com uma secretaria aprovada pelo plenário e que chegaríamos com diálogo a consenso possível. Infelizmente não foi possível."
Em meio ao debate, conselheiros não receberam pauta da reunião
A secretaria-executiva, também chamada de "coordenadoria", é considerada vital para o funcionamento do Conselho. Ela é responsável pela organização das reuniões e das missões oficiais. Sotto Mayor relatou aos conselheiros que a inconstância do cargo de secretaria-executiva afeta diretamente a atividade do conselho.
A reunião extraordinária que começaria hoje e terminaria amanhã — a nona desde o começo da pandemia do novo coronavírus — deveria ter discutido uma resolução sobre uso de armamento não letal no sistema prisional, entre outros assuntos. Contudo, em virtude da instabilidade das atividades da secretaria, vários conselheiros não receberam informações prévias sobre o encontro. O debate ficou inviabilizado e a pauta foi adiada.
"Isso é muito complicado, por isso eu trago aqui para vocês. Nós temos uma reunião que ficou inviabilizada. Assim que eu assumi, a gente quase não teve reunião várias vezes."
'Ministra trata conselho como puxadinho do seu gabinete', diz conselheiro
O conselheiro Leonardo Pinho, representante da Unisol Brasil, disse na reunião que "o ministério desrespeita claramente o colegiado" do CNDH. "A ministra Damares desrespeita, não respeita esse colegiado. Não respeita os conselheiros porque trata a secretaria executiva como um puxadinho do seu gabinete. Não reconhece, não cumpre a lei brasileira. Isso é grave", disse Pinho.
O conselheiro afirmou que a ministra "não reconhece a secretaria-executiva como órgão do CNDH". "O plenário é o 'locus' [lugar] de qualquer aprovação, inclusive quando o presidente usa sua prerrogativa. Só é válido quando o plenário aprova. A ministra Damares não respeita, não dialoga com esse colegiado. Ela menospreza esse colegiado. Não existe outra [expressão]."
Representante do ministério no Conselho faz a defesa da ministra
O representante do MMFDH no Conselho, Herbert Borges Paes de Barros, fez a defesa do órgão e da ministra ao dizer na reunião que o órgão "tem dado toda atenção ao CNDH". Disse que "tem buscado caminhos para buscar a ampliação" do conselho". Reclamou dos termos usados na reunião pelos conselheiros. "A meu sentir, as manifestações [na reunião] extrapolam a construção que está sendo feita", disse Barros. Disse que rechaçava "falas que foram aqui trazidas" de que Damares "desrespeita o colegiado" ou que o ministério "boicota o colegiado".
Ele reconheceu que "sim, a secretaria-executiva é órgão do colegiado", mas disse que a ministra "tem a prerrogativa de nomear um cargo que é de livre nomeação e exoneração. O DAS tem essa característica e é à ministra de Estado que incumbe a nomeação e a exoneração".
A conselheira Ieda Leal, do MNU (Movimento Negro Unificado), rebateu que "o entendimento sobre essa questão da nomeação não deve ser esse [de Herbert]". "Definitivamente a gente precisa entender que a nomeação do colegiado deve ser referendada por quem está na pasta. É para mim o óbvio. E ao não fazer isso ou criar situações, fecha-se o diálogo. Nós vamos precisar fazer aquela pergunta: por que nesse momento tão importante do país, por que as pessoas ficam o tempo todo tentando fazer com que o Conselho Nacional dos Direitos Humanos não funcione da forma que deveria funcionar?"
Segundo Ieda, "as nossas comissões precisam funcionar e não temos funcionários. Coisas simples, como a questão de e-mail, que não funciona. A gente faz trabalho voluntário, a gente checa nossas listas, fala com as pessoas, quer o funcionamento". Ela disse que "nosso povo corre muito risco se não tiver órgãos com o Conselho de Direitos Humanos funcionando".
"Não dá, não tem condição de dizer pra mim que é uma coisa que é técnica. Não, não é técnica. Pra mim, pode ser que você [Herbert] não saiba, ou algumas pessoas não saibam, mas existe alguém gestando para boicotar o Conselho Nacional de Direitos Humanos. E nós tomamos uma posição política, nós não vamos deixar que isso aconteça."
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