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Rubens Valente

Partidos pedem no STF extinção de decreto que travou multas ambientais

Fumaça saindo do solo no Pantanal de Mato Grosso indica "fogo subterrâneo"; incêndio no bioma atinge as raízes da vegetação - Marina Garcia/ UOL
Fumaça saindo do solo no Pantanal de Mato Grosso indica "fogo subterrâneo"; incêndio no bioma atinge as raízes da vegetação Imagem: Marina Garcia/ UOL

Colunista do UOL

22/10/2020 11h04

Um grupo de quatro partidos de oposição ao governo de Jair Bolsonaro no Congresso (PSB, PSOL, PT e Rede) ajuizou nesta quarta-feira (21) uma ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) no STF (Supremo Tribunal Federal) pela qual pede a inconstitucionalidade do decreto presidencial de abril de 2019 que alterou todo o sistema de cobrança de multas por crimes ambientais no país emitidas pelos órgãos de fiscalização do governo federal, Ibama e ICMBio.

O decreto assinado por Bolsonaro criou a chamada "conciliação ambiental", uma inovação do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. Por esse sistema, o multado tem direito a uma audiência de conciliação com servidores do Ibama e do ICMBio antes de a multa ser oficializada, entre outros recursos.

A ADPF foi protocolada pelos partidos com base em estudos técnicos realizados pelo OC (Observatório do Clima), uma coalizão formada por 50 organizações não governamentais. Segundo o OC, o decreto de Bolsonaro na prática "parou a cobrança de multas do Ibama e do ICMBio há um ano, incentivando o crime".

Segundo o OC, "a conciliação é uma instância a mais no já demorado processo de pagamento de multas do Ibama e do ICMBio". O OC chama o decreto de "Punição zero".

O secretário-executivo do OC, Márcio Astrini, disse em entrevista por videoconferência nesta quinta-feira (22) que "estamos fazendo um ato para não deixar a boiada, esse é o sentido dessa ação no Supremo". "Na prática o governo criou uma instância a mais, no nível inicial [do processo de multa], que hoje é a responsável por fazer o primeiro julgamento dessas multas. Portanto nenhum processo anda antes que haja esse julgamento. O grande problema é que os julgamentos não acontecem. [O governo] tem agendadas audiências de mais de 7 mil processos e julgou [apenas] cinco processos. Portanto virou uma instância em que o governo conseguiu barrar a tramitação e as multas não são pagas."

Suely Araújo, especialista sênior em políticas públicas do OC e ex-presidente do Ibama, disse que a pandemia não pode ser usada pelo governo como argumento para a baixa realização das audiências porque desde o começo o processo foi pensado para ser feito eletronicamente, por via remota. O decreto é de abril de 2019 e entrou em vigor em outubro, cinco meses antes do início da pandemia, mas o governo pouco fez desde então para implementar o sistema.

"Se o Ibama aplica 14 mil ou 15 mil autos por ano, com a equipe reduzida que tem nessa área, você fazer as audiências presenciais é uma piada. Desde o início se pensa em audiências remotas. Há um parágrafo que admite a audiência online, pode ser online. Esse ato não saiu, deveria ter saído, e o Ibama e o ICMBio deveriam ter se estruturado para as audiências de forma remota", disse Suely.

Em texto distribuído à imprensa, o OC informou que "na prática, o que aconteceu foi que os infratores ganharam um presentão". "Isso porque o decreto suspende a cobrança da multa até que seja realizada a audiência de conciliação. Desde abril do ano passado, o Ibama realizou apenas cinco audiências de um total de 7.205 agendadas. O ICMBio não fez nenhuma. Ou seja, as multas ambientais no Brasil, que antes não eram pagas em sua maioria — porque os grandes infratores sempre recorriam —, nem sequer estão sendo cobradas."

A ADPF, que ainda não foi distribuída para um relator no tribunal, pede a "suspensão dos efeitos do comportamento lesivo do Poder Público representado pela paralisação do processo sancionador ambiental federal, que viola, ao mesmo tempo, direitos e garantias fundamentais à legalidade e devido processo legal (artigo 5º, II e LIV, CF); a razoável duração do processo e efetividade da jurisdição (artigo 5º, LXXVIII, CF)", entre outros pontos.

O deputado federal Alessandro Molon (PSB-RJ) disse que "desde o começo do governo Bolsonaro, a destruição da imagem do Brasil como liderança ambiental no mundo vem sendo um trabalho contínuo". "O governo está se esforçando ao máximo para destruir essa imagem. Infelizmente reputação é algo que demora a ser construída mas rapidamente é destruída."

O deputado federal Nilto Tatto (PT-SP) disse que "os indicadores têm demonstrado o aumento da degradação ambiental" e também "do ponto de vista da agenda dos direitos humanos, dos povos tradicionais". "Evidentemente é percebido aqui por outros setores econômicos e traz o prejuízo para o Brasil, para o povo brasileiro. Isso que precisamos ter clareza. Esses prejuízos, não só naquilo que estamos assistindo agora, mas a médio e longo prazos podem ter consequências graves para o país."

O Ministério do Meio Ambiente foi procurado pela coluna e, caso haja manifestação, o texto será atualizado.