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Rubens Valente

Governador de RO quer desmembrar 2 unidades de conservação e ONGs reagem

Obra da estrada que cortou o Parque Estadual de Guajará-Mirim, em Rondônia, em março de 2014 - Governo de Rondônia/Divulgação
Obra da estrada que cortou o Parque Estadual de Guajará-Mirim, em Rondônia, em março de 2014 Imagem: Governo de Rondônia/Divulgação

Colunista do UOL

30/11/2020 14h39

Resumo da notícia

  • Marcos Rocha, coronel da reserva da PM e apoiador de Bolsonaro, quer cortar 77% de uma reserva extrativista e 20% de um parque estadual
  • Ambientalistas de Rondônia chamam proposta de "estarrecedora" e "prêmio" do governo para invasores e grileiros de terras públicas
  • Mensagem do governador já foi aprovada na comissão de Constituição e Justiça da Assembleia Legislativa; audiência pública foi marcada para dezembro

O governador de Rondônia, Marcos Rocha (sem partido), coronel da reserva da Polícia Militar e apoiador do presidente Jair Bolsonaro, pretende desmembrar cerca de 203 mil hectares de duas unidades de conservação no seu Estado até então cobertas pela legislação ambiental própria e redistribuí-los para o controle de terceiros privados.

Essa área equivale à soma dos territórios dos municípios de São Paulo e Porto Alegre (RS). Pela proposta já encaminhada em uma mensagem assinada pelo governador e entregue na Assembleia Legislativa de Rondônia em setembro, a medida atinge duas das principais unidades de Rondônia: a Resex (Reserva Extrativista) Jaci Paraná, que deverá perder 152 mil hectares dos seus atuais 197 mil hectares (ou 77% do total), e o Parque Estadual Guajará-Mirim, que sofreria um corte de 51 mil hectares dos seus atuais 258 mil hectares (20% do total).

São duas áreas já impactadas por frequentes invasões, desmatamentos e roubos de terra. O governador argumenta que, com a medida, "atende uma demanda social existente" que irá "minimizar os conflitos sociais e ambientais". Como uma espécie de escambo, ele quer criar outras seis unidades em outros pontos do Estado, em um total que ele diz ser de 128 mil hectares.

Na mensagem aos deputados estaduais, o governador reconheceu que o crime está vencendo o "Poder Público" de Rondônia. As duas unidades são estaduais, portanto deveriam ser protegidas em primeiro lugar pelo governo estadual. Ele escreveu que "as inúmeras ações de comando e controle até então executadas pelo Poder Público, por sua vez, têm sido insuficientes para impedir o avanço da ocupação e desmatamento ilegais, haja vista a escalada da violência na região, tanto entre os grupos sociais que ocupam o local, motivados por disputas territoriais, quando em relação aos agentes públicos, o que comprometi [sic] significativamente a gestão dessa Unidade".

Segundo Rocha, há 120 mil cabeças de gado sendo criadas ilegalmente dentro da Resex.

Uma Resex, como o nome já diz, pode ser ocupada por famílias extrativistas que ocupam tradicionalmente o local e utilizam técnicas ambientalmente sustentáveis de exploração de recursos naturais e criação de animais de pequeno porte.

A Assembleia Legislativa, que recebeu a mensagem em setembro, já aprovou a proposta na comissão de constituição e justiça e marcou em ritmo acelerado, para esta semana, uma audiência pública na comissão de meio ambiente.

O governador Marcos Rocha foi eleito pelo PSL, na época o partido de Bolsonaro, porém deixou a legenda depois que o presidente e seus filhos romperam com a sigla e hoje está sem partido.

'É estarrecedor' e 'legaliza crimes', dizem ambientalistas

O avanço da proposta do governador na Assembleia caiu como uma bomba entre ambientalistas, indigenistas e pesquisadores de Rondônia.

"É muito estarrecedor que eles estejam reduzindo limites de unidades de conservação para atender áreas de invasões. Esse pessoal que está lá é invasor. Novamente acontece. Já aconteceu uma redução da Flona [Floresta Nacional] Bom Futuro para atender invasor de terra pública. Transformaram numa APA [área de proteção ambiental] que até hoje é um caos. E agora estão reduzindo com um discurso de descaracterização que já foi usado em Rondônia", disse o biólogo Paulo Henrique Bonavigo, da Ecoporé (Ação Ecológica Guaporé) e que ex-coordenador de Unidades de Conservação da Sedam (Secretaria Estadual de Desenvolvimento Ambiental de Rondônia).

A redução da Flona citada pelo biólogo -de 280 mil hectares para 97 mil hectares - ocorreu em 2009, durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, num acordo entre os governos federal e estadual em torno de licenças estaduais para a construção das hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio. A invasão da Flona havia começado nos anos 90, durante o governo FHC.

Bonavigo disse que a presença de gado na Resex Jaci Paraná é o "atestado de incapacidade do Estado, dos governos, de todas as esferas de governo, que deixaram o processos de invasão acontecer e não contiveram o processo no início". "Sabemos que há vários políticos, em diferentes esferas, com interesse em áreas lá. Há denúncias de que políticos têm terra lá dentro. Isso para nós é um absurdo."

Sobre a redução do Parque de Guajará Mirim, Bonavigo disse "que é pior ainda". "É um discurso político desde a década de 90 de que iriam reduzir a ponta do Parque. Sabemos que há pessoas com influência política no Estado que tem interesse de pegar essas terras."

De acordo com o biólogo, critérios técnicos para justificar os dois desmembramentos "praticamente não existem". "Os critérios técnicos são para não desmembrar, não desafetar. E a gente vê a legalização de um crime ambiental. Um crime não só ambiental, mas de invasão de terra púbica. E agora vem o governo de Rondônia regularizando um crime que aconteceu."

A indigenista Ivaneide Bandeira Cardozo, a Neidinha Suruí, que há quase 30 anos atua na Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé, disse que "é super preocupante esse tipo de desafetação e incentiva a grilagem de outras unidades para atender os grandes [fazendeiros], e não para fazer reforma agrária".

"No caso da Resex, é premiar quem invadiu e destruiu. Ou seja, o governo vai estar presenteando os grileiros da Resex. Se tem 120 mil cabeças de gado, que é o argumento do governo, dentro de uma reserva extrativista, cuja legislação não permite, e não é gado de pequeno, de pobre, então mais uma vez quem comete ilegalidade está sendo premiado pelo governo."

Neidinha questiona "a segurança jurídica", daqui para frente, das unidades de conservação que virão a ser criadas ou as já criadas. "Se basta invadir e colocar gado que o governo premia? Você pode descumprir a lei que você é premiado aqui no Estado?" A ambientalista disse que o órgão estadual de fiscalização animal costuma vacinar o gado criado dentro da Resex.

"A perda para a biodiversidade será imensa, imensa. Vai se perder uma riqueza que só tem naquele local. Há um conselho estadual de meio ambiente. Nenhum estudo técnico foi apresentado ao conselho, não passou pelo conselho essa questão. Então o próprio governo desrespeitou o conselho? Quem deu o parecer técnico sobre essas unidades? Há uma série de perguntas"

Governo diz que reduções buscam "solucionar os conflitos fundiários"

Em nota ao UOL, o governo de Rondônia afirmou que busca "solucionar os conflitos fundiários que atingem a região de Jaci Paraná há quase duas décadas, com inegáveis prejuízos sociais, ambientais e econômicos"; "promover a ordenação territorial da região de Jaci Paraná, por meio dos instrumentos de regularização fundiária previstos na legislação de regência; e obrigar os ocupantes que vierem a ser contemplados com a regularização fundiária de suas ocupações a recuperar seus passivos ambientais, adequando-se às exigências do Código Florestal".

Indagado sobre o destino das terras "desafetadas", o governo respondeu que "serão destinadas para regularização fundiária e ambiental, nos termos da legislação de regência".

O governo argumenta que "as áreas desafetadas pelo Projeto de Lei Complementar 80/2020 de modo algum ficarão desprotegidas ambientalmente. De fato, no ponto, convém esclarecer que as áreas desafetadas deixarão de se submeter ao regime jurídico da Lei nº 9.985/2000 (Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza), mas, ao mesmo tempo, passarão a se submeter às regras da Lei nº 12.651/2012 (Código Florestal), com todas as consequências jurídicas daí decorrentes".

Para o governo, "significa dizer que os ocupantes que vierem a ser contemplados com a regularização fundiária de suas ocupações passarão a se submeter - como não poderia ser diferente - às regras do Código Florestal, a exemplo da obrigatoriedade de preservação das áreas de Reserva Legal, de Preservação Permanente e de Uso Restrito incidentes sobre cada um dos imóveis rurais".

"A segunda observação que deve ser feita é que, como forma de compensar a desafetação parcial da Reserva Extrativista Jaci Paraná, o Projeto de Lei Complementar 80/2020 também prevê a criação de seis novas Unidades de Conservação em áreas de relevante interesse ecológico, quais sejam: Parque Estadual Ilha das Flores, Parque Estadual Abaitará, Reserva de Desenvolvimento Sustentável Bom Jardim, Reserva de Desenvolvimento Sustentável Limoeiro, Reserva de Desenvolvimento Sustentável Rio Machado e Reserva de Fauna Pau D'Óleo, totalizando uma área de, aproximadamente, 128 mil hectares. Assim, ao mesmo tempo em que busca solucionar os conflitos fundiários que atingem a região de Jaci Paraná, o referido Projeto de Lei também assegura que o Estado de Rondônia continuará mantendo uma quantidade significativa de seu território sob o regime de proteção das Unidades de Conservação (Lei nº 9.985/2000)".